Massachusetts Institute of Technology: Porque é benéfico para o negócio quando os clientes partilham os seus valores
A honestidade, por exemplo. Contamos aos nossos filhos a história do Pedro e o lobo para lhes ensinar que, quando alguém é desonesto, é menos provável que os outros acreditem nele da próxima vez. Mas se olharmos apenas um pouco abaixo da superfície, o custo financeiro da desonestidade do rapaz torna-se imediatamente evidente: resulta na perda de todo o rebanho de ovelhas da sua família.
Se calculássemos a perda causada pelo Pedro, descobriríamos que superava drasticamente os ganhos combinados gerados por estratégias como a utilização de padrões de pastoreio optimizados por IA, a alimentação das ovelhas com uma dieta de alto crescimento, ou a utilização de estratégias de comercialização de lã recomendadas por consultores. Porém, enquanto todas essas coisas seriam claramente consideradas decisões de negócios, agir com base em valores já não o é. Mas isso está errado.
Há um argumento comercial muito forte para agir com base em valores. Uma empresa de 100 mil milhões de euros com que trabalhei descobriu que o facto de agir conforme os seus valores e de se certificar de que os clientes sabiam disso tinha um elevado retorno do investimento. De facto, o retorno era muitas vezes superior ao ROI dos seus investimentos em tecnologia actualizada ou em campanhas de marketing. No entanto, a tecnologia e o marketing são claramente entendidas como áreas-chave da empresa, ao passo que os impactos relacionados com os valores são deixados de fora das folhas de cálculo e raramente — ou nunca — são utilizados para determinar quais as acções que têm o ROI mais elevado.
Quando falo em valores, refiro-me aos tipos de valores que são direccionados para o exterior, para fazer o bem ao mundo e aos que nele vivem. Incluem esforços como o combate à crise climática, a assistência a pessoas que historicamente têm sido excluídas das oportunidades de emprego, e a criação de um ambiente aberto e inclusivo para colaboradores de diferentes origens.
Estes valores mais profundos são importantes porque podem ser um factor-chave de valor comercial nos domínios das operações (aumentando as margens e reduzindo as taxas de acidentes), do risco (aumentando a resistência às crises) e dos colaboradores (aumentando a produtividade e a inovação), bem como no domínio mais pessoal da liderança (tornando mais provável que as pessoas o sigam).
Também afectam o comportamento dos clientes. A pesquisa da minha empresa concluiu que os valores:
Aumentam a preferência dos clientes. Por exemplo, num estudo com clientes norte-americanos, acrescentar a informação de que uma camisa foi produzida recorrendo a práticas laborais justas resultou em 20% dos inquiridos a declararem uma maior preferência por esse artigo.
Reduzem a sensibilidade ao preço. Na América do Sul, a empresa testou o efeito do aumento do preço de um produto alimentar em comparação com o efeito do aumento do preço e da inclusão de um atributo a assinalar a sustentabilidade ambiental. Em estudos com clientes, mais 9% das pessoas expressaram preferência pelo segundo produto relativamente ao primeiro.
Ter efeitos de liderança e de “atraso”. Na Europa, estar atrás da concorrência em matéria de sustentabilidade levou a um declínio de 20% na preferência por um produto de cuidados pessoais.
OS VALORES ATRAEM NOVOS CLIENTES
Compreender os valores dos clientes fornece uma janela para o que eles procuram, como pensam e onde se podem reunir.
E onde é mais provável que isso aconteça? Em locais onde os potenciais clientes têm valores comuns: organizações sem fins lucrativos, comunidades religiosas e grupos centrados em questões, bem como nos media que divulgam esses temas. Saber o que os clientes valorizam ajuda as empresas a identificarem onde eles estão e a ultrapassar a confusão do marketing para chamar a sua atenção. Os valores também ajudam os clientes a encontrá-lo, mesmo sem publicidade. O conhecimento dos valores dos seus potenciais clientes e dos locais onde estes os expressam — pessoalmente ou online — indica-lhe onde se deve posicionar para que o vejam.
Os valores mais profundos, como fazer o bem ao mundo e aos que nele habitam, tocam as pessoas de forma muito diferente das preocupações mais mundanas. Por esta razão, chamam a atenção de forma mais poderosa. Os valores têm também uma vantagem competitiva: uma vez que relativamente poucas empresas se concentram em valores profundos, as que o fazem tendem a destacar-se. Muitas empresas atendem a clientes que valorizam coisas como conveniência. O campo alarga-se muito mais quando se trata de organizações que falam de questões mais profundas, tal como deixar um legado positivo.
Este tipo de posicionamento pode parecer a procura de um nicho, mas pode servir uma base de clientes mais alargada. Os clientes que encontra num nicho baseado no valor aumentam a sua base actual em vez de a substituírem. Muitas grandes marcas e empresas, como a Procter & Gamble e a Pepsi, já são nomes conhecidos. Contudo, patrocinam eventos em torno de valores, como a sustentabilidade ambiental, para que os clientes que se preocupam com esses valores possam ver que eles também o fazem.
Os segmentos de mercado baseados em valores começam muitas vezes por ser pequenos, mas rapidamente se tornam muito maiores. Tomemos como exemplo os fundos de investimento ESG (ambientais, sociais e de governance). Apesar da recente actividade anti-ESG, a inclusão de factores ESG nos critérios de investimento (quer os fundos sejam rotulados dessa forma ou não) continua a crescer porque são importantes para o desempenho do investimento. Por exemplo, um estudo de quatro anos sobre 16 mil acções, realizado pela sociedade gestora de activos Lazard, revelou que as empresas com menos emissões de gases com efeito de estufa beneficiam de melhores rácios preço/lucro.
Nem todos os mercados baseados em valores crescem tão rapidamente como o investimento ESG, mas muitos deles estão à frente do mercado em geral, tornando a aquisição de novos clientes muito mais compensadora. Por exemplo, o primeiro Whole Foods Market abriu em 1980 no nicho de mercado dos alimentos naturais. Quando a Amazon adquiriu a empresa em 2017, pagou 12,7 mil milhões de euros. A apetência por alimentos naturais crescera de um nicho para um mercado importante.
Os valores também podem compensar quando se tenta converter potenciais clientes em clientes pagantes. Os clientes habituais podem não dar prioridade a valores mais profundos do que a preocupações básicas como o preço, a qualidade ou o desempenho — de facto, a grande maioria dos potenciais clientes não o faz. Mas o alinhamento de valores pode ser o chamariz final necessário para os atrair para a sua base de clientes.
Pense em todas as empresas que tentam convencê- lo a comprar-lhes produtos. Uma pessoa comum vê ou ouve centenas de mensagens de marketing todos os dias. Destacar-se no meio de todo esse ruído é difícil e caro.
É muito mais fácil destacar-se quando os seus valores e ofertas estão alinhados com os valores dos clientes. É possível que os carros inovadores da Tesla tivessem chamado muita atenção se fossem movidos a gasolina. Mas foi muito menos desafiante fazer-se notar — contra empresas como a Mercedes, a BMW e outras marcas de luxo bem conhecidas — como fabricante de carros eléctricos do que como vendedora de veículos normais de combustão interna. O mesmo se aplica à Burt’s Bees, que teve mais facilidade em penetrar no concorrido mercado dos produtos de higiene pessoal usando ingredientes naturais, fontes responsáveis, embalagens recicláveis e não efectuando testes em animais. Estas empresas tinham valores distintos, e as pessoas que partilhavam esses valores repararam neles.
OS VALORES AUMENTAM A LEALDADE DOS CLIENTES
Os valores ajudam a forjar relações mais fortes e duradouras com os clientes, criando confiança. É expectável que as pessoas confiem numa empresa com base principalmente na competência — o seu profissionalismo ou a qualidade dos seus produtos. Contudo, embora a competência seja certamente importante, não é o factor essencial que influencia a confiança. Pense na forma como decide confiar num perito. Pode querer confiar no seu julgamento e pode, de facto, confiar nos seus conhecimentos. Mas será que confia nele? Só se confiar no seu carácter — quem ele é no fundo.
Isto é igualmente verdade quando se trata de confiar nas empresas, talvez ainda mais. Tal como a Edelman observou ao descrever os resultados do seu Barómetro de Confiança de 2020, as dimensões relacionadas com a ética são três vezes mais importantes do que a competência na criação de confiança. O facto de uma empresa ser boa naquilo que faz explica 24% da sua pontuação de confiança, mas as dimensões éticas do seu comportamento — propósito, integridade e fiabilidade — contribuem com 76%.
Esta é uma das razões pelas quais actuar com base em valores torna as relações com os clientes mais rentáveis. Eu e a minha equipa trabalhámos com uma empresa de 18,5 mil milhões de euros, a que chamarei Xynraso (um pseudónimo), que vende produtos de alta tecnologia a empresas de indústrias com uma forte componente científica. Um dos valores da Xynraso é a sustentabilidade. Pôr isso em prática incluía trabalhar nas próprias operações da empresa (como projectos para o seu programa ambiental, e programas de energia renovável e de diminuição da utilização de água) e colaborar com os clientes para reduzir o seu impacto ambiental conjunto.
Para o efeito, a empresa criou um programa único e tecnologicamente avançado para evitar que os produtos usados acabassem em aterros. Para tal, foi necessário trabalhar com os clientes para recuperar os produtos após estes terem atingido o fim da sua vida útil. Durante o tempo em que trabalhámos com a organização, verificámos o poder deste tipo de envolvimento para aumentar o valor do tempo de vida dos clientes.
Quando comparámos os clientes que participaram no programa com um grupo de controlo, verificámos que geraram mais lucros em várias dimensões, começando pelo tempo que permaneceram clientes. Verificámos que, durante um período de quatro anos, o tempo médio de vida dos clientes com valores partilhados foi 12% superior ao do grupo de controlo (pouco menos de 27 meses contra 24 meses).
Também examinámos se os clientes que estavam envolvidos no programa ambiental da Xynraso compravam mais. E foi o que aconteceu, com uma receita por venda 2% superior à do grupo de controlo. Também adquiriram mais produtos e serviços de margem superior, resultando numa margem média 15% superior à dos clientes do grupo de controlo.
Obviamente, colher os benefícios para o cliente de agir conforme os valores não é automático. Garantir que os clientes estão cientes do que se faz exige várias acções. Isto pode significar, por exemplo, incorporar novas mensagens no marketing e dar aos vendedores novos pontos de discussão, o que não acontece de um dia para o outro. Todavia, como os líderes da Xynraso descobriram, vale a pena fazer esse investimento para actuar conforme os valores — e comunicar isso aos clientes.
OS RISCOS DE NÃO AGIR COM BASE EM VALORES
O outro lado dos benefícios que advêm de agir com base em valores é a ameaça que enfrentam as empresas que não procuram o alinhamento de valores com os seus clientes — deixando-as vulneráveis a perder quota de mercado para os concorrentes que utilizam esta táctica.
Uma empresa com que trabalhei quantificou este risco falando com clientes B2B e fazendo inquéritos a dezenas de milhares de consumidores para ver até que ponto era importante que uma empresa estivesse menos alinhada com os seus valores sociais ou ambientais do que um dos seus concorrentes. Descobriu-se que, quando os compradores tomam conhecimento das diferenças de alinhamento entre as empresas, a falta de alinhamento com os valores pode reduzir as vendas em até 30%.
Os valores têm o potencial de alterar a ordem existente num mercado, porque trazem para a ribalta uma nova dimensão da concorrência. Os valores não são o principal factor determinante da compra para a maioria dos clientes, mas são importantes. São ainda mais importantes como diferenciador competitivo quando factores como o preço, a qualidade e a conveniência são bastante semelhantes (e principalmente quando os produtos são vistos como mercadorias).
É importante ter em mente que as expectativas dos clientes, os padrões da indústria e os concorrentes não estão parados. O que é aceitável hoje em termos de actuação com base em valores pode não ser aceitável amanhã. Por exemplo, uma empresa com que eu e a minha equipa trabalhámos estabeleceu um objectivo de redução de emissões que a colocou entre as 25% melhores do seu sector — mas um ano depois, esse mesmo objectivo colocou a organização entre as 25% piores, porque as concorrentes se comprometeram com objectivos muito mais ambiciosos.
Diferenças competitivas como esta afectam a vontade dos clientes de mudar. Foi o que uma marca nacional de artigos para o lar descobriu há alguns anos, quando decidiu experimentar uma nova abordagem à sua publicidade: comprar anúncios para informar os consumidores sobre os seus valores fundamentais e acções específicas relacionadas com valores que tomava. Produziu anúncios televisivos e publicou anúncios impressos em publicações de grande prestígio.
Os anúncios geraram um aumento de mais de 30% na notoriedade da marca, bem como um aumento na vontade dos clientes da concorrência de considerarem a mudança. Numa campanha publicitária de um mês sobre detergente para a roupa, o aumento da consideração foi superior a 8% — um resultado muito forte num mercado maduro em que cada ponto de quota de mercado sai do bolso de um concorrente.
As empresas B2B enfrentam os mesmos riscos que as empresas orientadas para o consumidor. Quando a Walmart começou a estabelecer normas de sustentabilidade, há mais de uma década, isso representou um grande avanço no esforço de tornar a utilização de normas baseadas em valores uma prática corrente nas decisões de compra e armazenamento. Desde então, a Walmart e o The Sustainability Consortium continuaram a acrescentar novas categorias de produtos e criaram KPI, linhas de base e indicadores que abrangem actualmente mais de 100 categorias. Imagine se um dos seus maiores clientes começasse a comparar o seu desempenho em questões relacionadas com valores com o dos seus concorrentes e a comprar em conformidade. Estaria preparado?
Se considerarmos as expectativas crescentes dos clientes e a crescente comoditização dos produtos e serviços, vemos que estas duas pressões apontam na mesma direcção — para uma maior importância do desempenho social e ambiental das marcas. Agora, se acrescentarmos factores que reforçam esta tendência — acontecimentos disruptivos como pandemias, tendências demográficas e a capacidade das pessoas para expressarem e promoverem os seus valores junto de grandes públicos — não é de admirar que os riscos de ficar para trás em termos de valores estejam a aumentar.
SEGUIR EM FRENTE
Após decidir agir conforme os valores, o que deve fazer a seguir? Os pormenores podem variar, mas, no fundo, pôr os valores em prática resume-se a três elementos.
Primeiro, veja mais. Aperfeiçoe a sua capacidade de distinguir o valor dos valores e de o incorporar no seu próprio trabalho — e ajude os outros a verem também o valor submerso. Comece a reparar e a desafiar o pressuposto de que agir conforme os valores custa demasiado. Só esta simples mudança pode fazer uma grande diferença no seu pensamento e planeamento. Quando souber como pensar em agir conforme os valores, começará a ver novas oportunidades para criar e captar valor em todo o lado.
Em segundo lugar, faça mais. À medida que vê oportunidades de incorporar valores nas operações, envolva o pessoal de desenvolvimento de produto, marketing e estratégia da sua empresa. Há muitas formas de fazer mais e muitos modelos a imitar. Não precisa de fazer tudo, mas não pode não fazer nada.
Terceiro, comunique mais. Quando estiver a fazer mais, tire o máximo partido das acções baseadas em valores, certificando-se de que os seus clientes, colaboradores ou investidores sabem que as toma. A nossa pesquisa revelou que, mesmo que algumas pessoas se oponham ao que faz, beneficiará, em geral, se contar a sua história de forma credível.
As empresas e os seus líderes prestam uma enorme atenção ao aumento da eficiência, da rentabilidade, da produtividade, da lealdade dos clientes e de todos os aspectos habituais que são amplamente entendidos como contribuindo para o resultado final. Agora está na altura de acrescentar os valores a essa lista e de reconhecer verdadeiramente o seu valor.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 217 de Abril de 2024