Massachusetts Institute of Technology: Liderar na era da transparência explosiva

Frank está a ter uma manhã terrível. O experiente CIO acorda cambaleante com uma enxurrada de mensagens de texto da sua equipa, a qual ficou a saber da reforma do CEO pelo LinkedIn porque o anúncio interno ficou preso nos filtros de spam de to dos. Enquanto Frank percorre o parque na sua corrida matinal, o seu chefe questiona-o por telefone sobre alguns números preocupantes num novo painel de controlo. Ao chegar ao escritório, já com a sensação de estar assoberbado, fica estupefacto quando um email o alerta para o facto de outro líder da organização ter publicado dramaticamente a sua saída no “QuitTok” – acumulando já meio milhão de visualizações.

Passa grande parte da manhã a lidar com perguntas de um grupo de engenheiros de software que encontraram funções semelhantes às suas listadas em sites de emprego por mais 20% do que os seus salários actuais, enquanto a sua equipa de liderança de marketing discute se os números dos novos painéis de controlo ou das antigas folhas de cálculo estão correctos. Pouco antes do almoço, a filha envia-lhe uma mensagem de texto: “Pai, tens visto o Glassdoor ultimamente?” Ela faz uma captura de ecrã de uma classificação abismal da sua empresa, com comentários como: “Não consigo decidir se a administração é estúpida, criminosa ou apenas criminalmente estúpida.”

Ao entrar no refeitório da empresa, Frank já enfrentou problemas para a semana toda. E ainda só é meio-dia.

Bem-vindo à liderança num mundo hiper transparente. Frank é uma ficção, mas os seus desafios são reais. O velho cliché é verdadeiro: a informação flui hoje à velocidade da luz – e move-se demasiado depressa para muitos líderes conseguirem lidar com ela. Quer se trate de canais de redes sociais que tornam pública a roupa suja da empresa (ou até informações sobre “roupa interior limpa” – não escandalosas, mas que não se destinam a ser vistas pelo público), ou de sistemas tecnológicos internos que lançam uma série de dados descontextualizados para os ecrãs de pessoas que não estão preparadas para os interpretar, a tecnologia corrói significativa mente a vantagem da informação de que os líderes usufruem desde o início do mundo do trabalho.

Adeus, lamúrias ao pé da máquina de café; olá, QuitTok.

Conhecimento é poder – e hoje, parece que todas as pessoas o têm. Infelizmente, a maior disponibilidade de informação sobre questões relacionadas com a força de trabalho, como salários, despedimentos ou diversidade, bem como sobre métricas de desempenho empresarial a nível micro e macro, significa que o trabalhador médio está a ser atingido por mais notícias más ou, pelo menos, desconfortáveis. Tanto para os dirigentes como para os trabalhadores, esta situação suscita diálogos difíceis que criam uma fonte significativa de stress: os meus clientes dizem-me repetidamente que até os líderes mais experientes têm dificuldade em participar nestas conversas difíceis, o que faz com que ambas as partes saiam mais transtornadas do que quando começaram.

Actualmente, as acções dos líderes são imediatamente discutidas em plataformas internas e externas, por escrito e em grande escala. Só a aplicação de mensagens internas Slack conta com 300 mil mensagens enviadas por segundo, e 145 milhões de pessoas acedem diariamente ao Microsoft Teams para discussões semelhantes. Cinquenta e cinco milhões de pessoas utilizam mensalmente a plataforma de feedback Glassdoor, e 774 milhões estão no LinkedIn para falar sobre o trabalho. O conteúdo das redes sociais marcado com o hashtag #QuitTok foi visto 41 milhões de vezes em Abril de 2023. Já lá vai o tempo em que as reacções às decisões estratégicas de liderança se limitavam a um pouco de lamúrias ao pé da máquina de café.

Então, como podem os líderes manter-se sãos – e eficazes – num mundo onde pode parecer que todos sabem tudo e falam de tudo, a toda a hora? O que podem fazer as organizações para garantirem que os sinais apropriados surgem acima de uma cacofonia de ruído, e que o ruído não põe em causa o bem-estar de todos os seus colaboradores, de cima para baixo?

QUATRO ESTRATÉGIAS PRÁTICAS PARA OS LÍDERES

Aqui estão quatro caminhos para a sanidade e clareza num mundo hiper-transparente.

1. Alivie o fardo dos líderes através da honestidade organizacional correcta. Pode parecer impossível estancar o fluxo de conversas difíceis, mas um cliente mostrou-me recentemente uma estratégia simples: «É mais fácil para os nossos líderes quando somos mais honestos. Dessa forma, eles não têm de ter tantas conversas difíceis.» Esta afirmação é muito verdadeira. Se as pessoas acabam por ver a realidade de uma determinada situação de qualquer forma, comunicar essa realidade desde o início significa que os líderes individuais não terão de se justificar e recuar quando confrontados pelas suas equipas.

Será que isto implica comunicar todos os pormenores de cada situação a todos os públicos? De modo algum. O que significa é mudar o enquadramento de cada comunicação de “Em que queremos que as pessoas acreditem?” para “Quais são os factos básicos e os elementos de contexto de que as pessoas precisam para tomarem decisões inteligentes nesta situação?” Isto altera a natureza da cascata de informação.

No modelo antigo, os líderes estariam equipados com um conjunto estático de mensagens que, presumia a organização, viajariam sem perturbações até às mãos das equipas e seriam seguidas sem serem questionadas (ou pelo menos educadamente). No novo modelo, a organização está mais concentrada em estabelecer o contexto para uma série de factos emergentes – com o entendimento implícito de que informações desafiadoras ou mesmo contraditórias podem surgir sem aviso. O objectivo deixa de ser a imposição de um conjunto de ideias e passa a ser a criação de uma discussão que minimize a fricção interpessoal e maximize a acção produtiva, mesmo quando há desacordo ou a informação está a evoluir.

2. Reformule as comunicações numa base de “um mundo”, acabando com a distinção interno/externo. É costume dizer-se que vivemos num mundo do colapso do contexto, onde a informação viaja instantaneamente por círculos de comunicação aparentemente díspares que estariam desconectados ou, pelo menos, sequenciados no passado.

Os líderes costumavam dar-se ao luxo de comunicar internamente por etapas antes de levarem a mensagem a figuras externas seleccionadas numa progressão ponderada. Actualmente, quando algo acontece, podem razoavelmente assumir que será conhecido interna e externamente num curto espaço de tempo e num vasto leque de públicos. Para fazer face a esta realidade, muitas organizações fundiram as funções de comunicação interna e externa, ou encarregaram os departamentos de comunicação, até agora orientados para o exterior, de assegurarem a consistência das mensagens também para os stakeholders internos. Moldar as comunicações de uma forma unificada não só cria mensagens estáveis num mundo propenso a fugas, como também eleva o padrão dos esforços de comunicação interna — uma vez que as mensagens internas são testadas sob pressão com o mesmo rigor que as declarações divulgadas para o mundo exterior.

Mesmo que uma organização não tenha reorganizado a sua função de comunicação em conformidade, os líderes individuais podem trabalhar para garantir que as suas mensagens permanecem consistentes entre os públicos interno e externo. Embora seja um exercício válido, pode ser um acto de equilíbrio delicado: os líderes são desafiados a imitar a linguagem de, por exemplo, publicações nas redes sociais e, ao mesmo tempo, a incentivar os seus colegas e supervisores a garantirem que é divulgada informação suficiente para satisfazer as necessidades de stakeholders curiosos.

3. “Regresse ao futuro” no que respeita às competências básicas de comunicação – mas acrescente a inteligência emocional do século XXI. Apesar de o mundo hipertransparente ser o resultado de uma série de tecnologias em rápida evolução, o derradeiro superpoder de liderança neste contexto é claramente de baixa tecnologia: conseguir falar ou escrever uma frase simples e clara. Tal como um sino que corta a conversa numa praça cheia de gente, os líderes com excelentes capacidades básicas de comunicação são simplesmente melhores a fazerem-se ouvir no meio do ruído. As comunicações verbais concisas são particularmente necessárias em situações em que um estímulo é transmitido de forma rápida e frenética (por exemplo, pelas redes sociais ou por canais de conversação internos) e as informações podem variar entre um pouco ou completamente imprecisas. Precisamos da capacidade de gritar “Parou!” e fazer com que todos parem e pensem.

Os líderes que, historicamente, estão autorizados a falar ou a tagarelar longamente serão rapidamente ultrapassados pela força dos fluxos de comunicação contemporâneos – quer esses fluxos sejam ou não verdadeiros ou úteis para o progresso da empresa. Dito isto, ser factual e lógico não é suficiente por si só. Uma boa frase continua a ser o que sempre foi (o guia de escrita clássico “The Elements of Style” mantém-se mui to actual após mais de 100 anos), mas a ciência ensinou-nos muito sobre como as pessoas absorvem a informação. Por exemplo, a informação que desencadeia uma resposta emocional tem maior probabilidade de ser repetida nas redes sociais, fazendo com que circule mais rapidamente e de forma mais alargada. Os líderes que foram ensinados a comunicar com frieza e sem emoção podem descobrir que as suas mensagens não circulam pela organização tão rapidamente como as declarações mais emotivas dos seus pares.

Num mundo hipertransparente, podemos até querer olhar para as descobertas da neurociência que nos advertem que separar o pensamento racional do emocional é uma falsa dicotomia e, portanto, devemos parar de tentar criar mensagens de liderança completamente sem emoção.

4. Desenvolva o seu poder de discernimento – e o da sua equipa. Vamos partir do princípio de que a natureza transparente do mundo e do local de trabalho só aumentará daqui para a frente. Neste ambiente, a sua capacidade de decidir rápida e sensatamente o que fazer com uma informação – o seu discernimento – torna-se uma ferramenta essencial para a sobrevivência e o sucesso. Os líderes vão querer trabalhar conscientemente esta capacidade, mas como não podem estar sempre presentes em todas as conversas que se multiplicam, também vão querer que as suas equipas melhorem o seu discernimento. Um banco com que trabalhei há alguns anos começou a oferecer aos trabalhadores da linha da frente algumas das mesmas oportunidades de desenvolvimento de liderança que historicamente reservava aos executivos de topo, com base no raciocínio de que, com uma maior disponibilidade de informação, esses trabalhadores tomariam o mesmo tipo de decisões que costumavam ser feitas muitos passos acima na cadeia.

Há um enorme valor em poder confiar na sua equipa para fazer o que está certo quando não está presente, mesmo quando confrontada com informações estranhas e contraditórias. A prática do planeamento de cenários é uma ferramenta útil a este respeito, mesmo para os membros da equipa que podem não ter um forte sentido de julgamento inato. Também pode ser útil para as equipas praticarem a avaliação da veracidade da informação, de modo a tomarem melhores decisões. Trata-se de uma competência essencial num mundo onde a IA generativa está em expansão.

Quando os líderes possuem algumas estratégias práticas, liderar num mundo hipertransparente não tem de ser como pilotar uma nave espacial frágil por um cinturão de asteróides de informações contraditórias, incompletas e muitas vezes carregadas de emoção. Todos podemos, por vezes, ter uma versão da manhã de Frank, mas também podemos ter a tarde de Frank – quando ele limpou a sua agenda e começou a concentrar-se nos diálogos certos com as pessoas certas, dentro e fora da sua empresa.

Seis meses depois, alguém publica um post sobre a empresa de Frank num canal das redes sociais: “A direcção não é perfeita, mas tenta ser bastante honesta, o que aprecio bastante. Trabalham realmente para fazer as coisas certas, e isso vê-se no dia-a-dia.”

Frank gosta e partilha a mensagem.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 218 de Maio de 2024

Ler Mais