Massachusetts Institute of Technology: Governance para KPI mais inteligentes

Na Primavera de 2023, realizámos uma pesquisa global e, posteriormente, analisámos os registos de 3043 entrevistados, representando mais de 25 sectores em 100 países. Também entrevistámos 17 executivos que lideram iniciativas de IA numa vasta gama de empresas e sectores, incluindo serviços financeiros, media e entretenimento, retalho, viagens e transportes, e ciências da vida.
A nossa pesquisa examina como gestores e líderes utilizam a IA para melhorar a avaliação estratégica e promover os resultados estratégicos. Explora como as organizações adaptaram — e até geraram novos — os KPI com IA para definir e fornecer um desempenho efectivamente melhor.
Sem adaptação e ajustes, as métricas empresariais estáticas criam dois tipos de risco estratégico. Um deles é incentivar o desempenho com base nas medidas erradas. A crise económica mundial de 2008, por exemplo, foi desencadeada, em parte, pela dependência dos bancos de uma métrica muito utilizada na altura: o valor em risco, que mede as perdas potenciais do portefólio em condições normais de mercado num único momento. As instituições financeiras não ajustaram esta medida quando as hipotecas mais arriscadas e os swaps de incumprimento securitizados se tornaram uma parte mais substancial dos seus portefólios. Guiadas por uma métrica que subestimava gravemente as perdas potenciais — nalguns casos, por ordens de grandeza —, muitas instituições financeiras faliram ou sofreram perdas significativas.
Os custos de oportunidade representam outro risco decorrente de métricas-chave de desempenho estáticas. A nossa pesquisa demonstra que as empresas que usam deliberadamente a inteligência artificial para conceber e criar KPIs mais dinâmicos desfrutam de uma maior consciência situacional, de laços mais fortes entre as operações e os resultados estratégicos, e de melhores resultados em geral. Estes KPI inteligentes reflectem uma compreensão mais profunda dos factores de desempenho e produzem previsões mais fiáveis sobre os resultados futuros do que os KPI comparáveis que não são informados pela IA. Uma abordagem do tipo “definir e esquecer” para as principais métricas não é desejável nem sustentável em mercados voláteis e em rápida mudança.
É necessária uma governance eficaz para garantir que os KPI evoluem, permanecem alinhados com as aspirações estratégicas, e têm a confiança de colaboradores e gestores. À medida que os fluxos de trabalho e os processos inspirados na IA colonizam e expandem as capacidades empresariais, os líderes precisam de actualizar e melhorar os seus indicadores-chave de desempenho (KPI) para se manterem a par. Da Schneider Electric à Walmart e à Maersk, vemos estrategas, tecnólogos e líderes empresariais a trabalharem juntos para refinarem e melhorarem os KPI, garantindo o seu alinhamento com as metas organizacionais em evolução.
Nessas empresas, a responsabilidade de tornar os KPI mais preditivos, dinâmicos e perspicazes vai além dos estrategas e líderes de negócios. Elas incentivam os tecnólogos a darem um contributo material para a formulação, organização e priorização dos KPI. Esta é uma grande mudança relativamente à forma como as empresas têm tradicionalmente estabelecido e actualizado os KPI.
Como observa Hervé Coureil, director de governance e secretário-geral da Schneider Electric, «quando os processos são digitalizados, começam a produzir “dados de escape” que podem ser transformados em métricas de telemetria relevantes, fornecendo informações sobre comportamentos de processos, defeitos, etc. Em segundo lugar, a transformação digital desencadeia decisões e investimentos significativos — escolhas de portefólio e investimento, implementação de modelos de negócio, novos sistemas e infra-estruturas — e, consequentemente, é necessário avaliar o impacto dessas decisões, bem como a eficácia dos vários programas que compõem a transformação.»
O desenvolvimento dessas medidas depende de mais do que o julgamento executivo, a intuição e a experiência. Transformar métricas de desempenho estáticas e antigas em KPIs mais inteligentes e dinâmicos exige um papel mais importante dos dados, da análise e da IA. Sugerimos que os líderes adoptem uma abordagem em três vertentes para gerirem o desenvolvimento e a utilização de KPI guiados pela IA e, mais amplamente, os seus sistemas de avaliação estratégica. Esta abordagem de governance assenta em três factores:
1 – Uma base sólida de dados com práticas responsáveis de dados e análises.
2 – Estruturas organizacionais com responsabilidade e responsabilização pela evolução dos KPI.
3 – Confiança nos KPI treinados para se adaptarem e aprenderem com mudanças nas circunstâncias.

GOVERNANCE DO DESENVOLVIMENTO INTELIGENTE DE KPI: COLOCAR OS DADOS EM ORDEM
Uma governance eficaz de KPI exige uma governance eficaz de dados. Todas as organizações que participaram na nossa pesquisa enfatizaram a qualidade e a disciplina dos dados como o facilitador técnico para suas iniciativas de KPI guiadas por IA. Porém, a maioria dos sistemas antigos de TI e de base de dados não está configurada para gerar ou tornar acessíveis os dados de qualidade necessários para avaliar ou definir KPI inteligentes.
Pierre-Yves Calloc’h, director digital da Pernod Ricard, recorda que a gigante das bebidas alcoólicas percebeu que precisava de três anos de dados semanais de vendas ao consumidor para obter intervenções significativas da IA. Uma análise preliminar revelou enormes lacunas. «Quando começámos, quase não tínhamos governance de dados», afirma Calloc’h. «Quase 80% dos dados de que precisávamos não existiam porque eram sobretudo dados externos. A nossa experiência estatística diz-nos que precisamos de dados semanais; se tivermos dados mensais, não funciona, por isso temos de obter a informação manualmente. Chegámos a chamar-lhe “arqueologia” devido ao nível de esforço necessário, indo até a ficheiros PowerPoint e Excel antigos em emails. Além disso, é necessário um forte argumento comercial para o projecto, porque sem benefícios claros em mente, as pessoas não investirão o tempo necessário.» Essencialmente, o apoio aos KPI alimentados por IA não poderia ser feito sem uma governance tecnicamente fiável e sólida que transformasse a arqueologia de dados em arquitectura de dados.
Jon Francis, director de dados e análise da General Motors, que anteriormente supervisionou a transformação digital da Starbucks, fez eco das observações de Calloc’h. «Na verdade, é muito difícil criar apenas um KPI devido aos desafios subjacentes aos dados», refere. «Normalmente, é preciso todo um esforço para criar o KPI e fazer um relatório sobre ele.» A má governance de dados e metadados prejudica a capacidade de uma organização para desenvolver as métricas certas. Francis observa que os sistemas tecnológicos estão muitas vezes apenas a «carregar dados que não estão definidos ou que não são utilizáveis» e, como resultado, «acabamos por ter depósitos de dados». Ele observa com franqueza que, para a maioria das organizações, a geração de dados a partir de sistemas de produção só acontece tardiamente.
A governance eficaz dos KPI continua a depender das capacidades tecnológicas da empresa para aproveitar os dados: exige uma governance de dados diligente, uma abordagem estruturada à gestão analítica, e um caminho para que tecnólogos e líderes das unidades de negócio colaborem no desenvolvimento de KPI adequados numa base contínua.

INCORPORAR A GOVERNANCE EM EQUIPAS OU FUNÇÕES
A nossa pesquisa revela que a gestão de topo está a repensar o desenvolvimento e a melhoria contínua das suas principais medidas e métricas de desempenho. Embora as abordagens variem, um tema comum entre os executivos entrevistados é a escolha de localizar a responsabilidade pela transformação dos KPI numa equipa específica ou num grupo de equipas.
Na Schneider Electric, a liderança reconheceu que as métricas antigas da empresa poderiam tornar-se incompatíveis com as suas aspirações de colaborar estrategicamente e inovar com os seus clientes globais. Coureil ajudou a patrocinar a criação de um Gabinete de Gestão de Desempenho no seio da equipa de dados da empresa para supervisionar a avaliação do desempenho. O gabinete foi deliberadamente posicionado na equipa de governance para garantir uma perspectiva neutra e transversal.
O Gabinete de Gestão de Desempenho ajudou a gestão de topo a transformar a sua carteira de KPI e a alinhá-los com as operações. Também levou as empresas a tornarem-se muito mais orientadas para os dados e conscientes das ligações entre a melhoria relativamente a uma determinada métrica de desempenho e o aumento dos resultados. «A avaliação tem sido muito importante para nós», acrescenta Coureil. «Na verdade, tentámos fazer da avaliação uma parte completa e integral da nossa transformação digital, em vez de uma reflexão posterior.»
Qual é o resultado desejado de um determinado KPI? «A dada altura, é uma questão de ontologia ou taxonomia: que comportamentos procuram?», pergunta Coureil. «Penso que as pessoas colocam muitas coisas no cesto dos KPI, e nós passámos muito tempo a tentar ser extremamente claros sobre o que procuramos: Qual o resultado pretendido? Parece muito simples, mas não é assim tão simples ser extremamente claro sobre o resultado desejado de um determinado KPI.» É por isso que ter um gabinete de gestão de desempenho revela-se essencial para uma governance de KPI estrategicamente coerente e consistente, nota Coureil. Em vez de utilizar um gabinete de gestão de desempenho, o DBS Bank gere o desenvolvimento de KPI mediante equipas transversais que criam mapas de valor ligando os percursos dos clientes aos resultados desejados. O líder dos serviços financeiros, sediado em Singapura, reviu o seu modelo operacional para reflectir que a utilização de KPI mais inteligentes poderia melhorar de forma mensurável os resultados, tanto para a empresa como para os seus clientes. «Nos últimos três anos, mudámos para algo a que chamamos um modelo operacional guiado por dados», afirma Sameer Gupta, responsável pela análise e managing director do grupo.
No centro do modelo estão os grupos transversais. Representantes de várias funções, como produto, risco, dados, marketing, call center e recursos humanos, formam um grupo, explica Gupta. Cada membro do grupo é então alinhado com o mesmo conjunto de resultados mapeados em quatro categorias: experiência do cliente, experiência do colaborador, rentabilidade e risco.
Os factores que impulsionam o desempenho em cada resultado são representados num mapa de valor que liga as métricas de desempenho aos quatro tipos de resultados. Cada equipa é responsável pela identificação e optimização destes factores. «As equipas procuram optimizar esses factores», declara Gupta. «Analisamos muitas coisas para optimizarmos esses factores: experimentação, dados, imersão do cliente, IA, aprendizagem automática — todos os tipos de ferramentas para tentar optimizar continuamente em coordenação e consulta com as torres de controlo e os painéis de gestão.»
O resultado, observa Gupta, não é apenas uma maior eficiência e eficácia operacional guiada por dados, mas KPI que expandem os limites da experiência do cliente e do cliente DBS. A revisão dos processos de governance dos KPI conduziu a melhores KPI e a melhores resultados dos mesmos.
Embora as abordagens específicas variem, a maioria dos líderes com quem conversámos está nas fases iniciais de desenvolvimento de estruturas de governance para tornarem os seus KPI mais inteligentes, pormenorizados e preditivos.

A GOVERNANCE EFICAZ DOS KPI BASEIA-SE NA CONFIANÇA
Embora esses investimentos tecnológicos e organizacionais em governance de KPI sejam cruciais para os melhorar, a nossa pesquisa sugere que o seu valor prático para as equipas depende da disposição das pessoas para confiarem neles. Durante os esforços de transformação digital da Schneider Electric, Coureil reconheceu que «uma das mudanças, em comparação com uma forma mais tradicional de fazer negócios, é que não constrói o seu painel de controlo. Alguém o faz por si. Por isso, tem de confiar nessas métricas.»
As provas indicam que estabelecer confiança nas métricas fornecidas pela IA pode ser um desafio.
Na Maersk, por exemplo, o pressuposto de longa data era que o ideal era tirar um navio do porto e levá-lo para o próximo o mais depressa possível. Contudo, uma simulação de um gémeo digital mostrou que chegar a horas era melhor do que chegar cedo: com um horário ligado de ponta a ponta, como é também o caso das companhias aéreas comerciais, o porto para onde um navio se dirige não consegue ajustar o seu horário para acomodar imediatamente as chegadas antecipadas. Por outras palavras, “mais rápido não é melhor” foi uma afirmação contra-intuitiva da equipa de dados, e só após a abordagem pontual ter sido posta em prática é que os operadores da linha da frente — e até mesmo os dos níveis mais elevados que gerem todo o terminal — ficaram finalmente convencidos.
Cultivar a confiança necessária para desenvolver e utilizar KPI dinâmicos e melhorados por IA é um desafio crítico de liderança e governance. Desenvolver gestores experientes em dados que estejam receptivos ao desenvolvimento e adopção de KPI guiados por IA é uma parte significativa desse desafio. Numa organização de media, uma executiva entrevistada referiu ter tido dificuldade em convencer os seus superiores a olhar para os KPI e a tomar decisões com base em dados. A resposta habitual era que os executivos “recebem milhões pelos seus instintos” — por outras palavras, a experiência e a intuição eram mais valorizadas do que a visão baseada em dados.
Criar uma comunidade de gestão orientada por dados é uma forma de criar confiança entre os líderes que utilizam KPI melhorados. Na Sanofi, os 150 líderes seniores, representando várias funções e negócios, recebem formação para se tornarem mais centrados nos dados e procurarem mais informações antes de tomarem decisões. Como afirma o director digital Emmanuel Frenehard: «O nosso objectivo, como parte da nossa mudança cultural, é que estas 150 pessoas, quando saírem da formação, estejam muito mais inclinadas a adoptar essa visão centrada nos dados e a compreender melhor o potencial da IA para nós. Estamos a certificar-nos de que o núcleo da nossa liderança recebe formação sobre como utilizar a próxima geração de KPI guiados pela IA.»

CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS
Para garantir que os seus KPI guiados pela IA os preparam para o sucesso estratégico, os líderes devem priorizar as dimensões tecnológicas, organizacionais e culturais da governance de KPI discutidas acima. Ao começarem a fazer isso, essas considerações relacionadas devem ser as principais.
Estabelecer um comité de direcção para orientar a melhoria contínua. A transformação de KPI antigos em KPI melhorados exige experimentação regular para garantir que o desempenho-chave se concentra nos resultados correctos. Determinar onde esta experimentação acontece, quem a faz e com que frequência são pontos de decisão críticos de liderança e governance. É feita por uma equipa central, como um gabinete de desempenho, ou é mais amplamente distribuída? Alguns KPI devem ser analisados e revistos com mais frequência do que outros? Quem tem direitos de decisão quando a alteração dos KPI altera a responsabilidade? Não existem respostas únicas para estas perguntas. Os líderes precisam de processos flexíveis para gerirem eficazmente os KPI que podem ser isolados ou transversais. Sugerimos criar um comité de direcção de KPI transversal com conhecimentos técnicos e empresariais para obter as informações necessárias e a adesão dos stakeholders relevantes.
Supervisionar o investimento em capacidades para optimizar grupos de KPI. A sua empresa consegue avaliar se os seus KPI são suficientemente bons ou estão totalmente optimizados? A nossa pesquisa sugere que a IA pode desempenhar um papel valioso na avaliação da qualidade dos KPI, priorizando-os e abordando os compromissos entre eles. A IA pode ajudar a determinar, por exemplo, em que condições os imperativos de centralização no cliente devem ter prioridade sobre a melhoria das eficiências operacionais, ou quando dar prioridade às considerações das receitas sobre os investimentos em quota de mercado. Integrar a IA no processo de desenvolvimento, definição e priorização de KPI pode ser uma mudança perturbadora para os gestores habituados a tomar estas decisões sozinhos. Prevenir ou lidar com essas interrupções requer investimentos organizacionais, tecnológicos e culturais.
Gerir os KPI como activos, não como ferramentas de rastreio. Os KPI melhorados podem redefinir o desempenho-chave, e não apenas rastreá-lo: isso torna-os, e à capacidade de os melhorar, activos valiosos. Tal como acontece com outros activos, os KPI podem depreciar-se com o tempo ou com a falta de atenção. Geri-los como activos, e não como ferramentas de rastreio, garante que se tornam mais valiosos, perspicazes e preditivos ao longo do tempo. Dada a grande variedade de estruturas de gestão de activos, uma governance eficaz significa escolher a estrutura de gestão de activos adequada para os activos de KPI, incluindo activos de dados subjacentes relevantes. Algumas empresas já estão a explorar a utilização de KPI para os KPI, de modo a garantir que o valor dos seus activos de KPI melhora consistentemente.
Elevar a supervisão dos KPI. À medida que os KPI se tornam mais inteligentes e mais eficazes como substitutos da estratégia corporativa, torna-se mais importante que os conselhos de administração se envolvam na gestão do se desenvolvimento e utilização. Não há dúvida de que o desenvolvimento e a utilização de KPI são funções de gestão. Contudo, os conselhos de administração aprovam as estratégias que os KPI incorporam e informam. A aprovação da estratégia, mas não da abordagem da empresa ao desenvolvimento de KPI, é limitativa e pode minar as aspirações estratégicas. Envolva o conselho de administração directamente nos esforços para desenvolver as capacidades organizacionais para melhorar os KPI. Investir em KPI melhorados é tão estrategicamente relevante como investir na melhoria do próprio desempenho.

CONCLUSÃO
A nossa abordagem em três vertentes para gerir o desenvolvimento e utilização de KPI expande a ideia de que a IA pode transformar os KPI em activos estratégicos que fazem mais do que acompanhar o desempenho. Eles servem como um GPS para a organização, proporcionando uma maior previsão e uma compreensão mais profunda das interdependências entre os principais factores de desempenho.
Fazer a transição para KPI melhorados por IA não é uma mudança incremental. É uma mudança drástica relativamente às abordagens exclusivamente humanas, de cima para baixo, para definir e refinar KPI. As organizações que fizeram esta transição colocam a tecnologia no ciclo (de desenvolvimento de KPI).
No futuro, os KPI deixarão de ser ferramentas passivas de avaliação e passarão a ser agentes activos para capacitar os decisores. A inovação contínua utilizando IA generativa promete expandir o objectivo, o poder e o potencial dos KPI inteligentes. Manter conversas com KPI inteligentes habilitados para chat, por exemplo, já é um objectivo para vários dos executivos que entrevistámos. Com uma governance adequada, capacitar KPI inteligentes irá capacitar tanto estrategas como gestores.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 213 de Dezembro de 2023

Ler Mais