Massachusetts Institute of Technology: Como os cenários fantasma assombram a execução da estratégia

Ao longo dos nossos 70 anos de pesquisa, prática e ensino, nós e outros observámos que os líderes empresariais estão inclinados, e as suas organizações configuradas, para trabalharem apenas com uma única visão implícita do futuro. Normalmente, essa visão está profundamente enraizada nas suas estratégias como um conjunto de pressupostos inquestionáveis sobre o contexto futuro. Chamamos a estes conjuntos de pressupostos não examinados “cenários fantasma” porque são invisíveis — e porque podem voltar e assombrar os executivos e as empresas de formas imprevistas e indesejáveis.
Na base de cada cenário fantasma está um pequeno conjunto de tendências implícitas que os líderes projectam para o futuro sem questionarem se este poderá mudar. Veja-se como as mudanças drásticas no clima têm assombrado os serviços ferroviários na Grã-Bretanha. Em Julho de 2022, foram registadas pela primeira vez no país temperaturas superiores a 40 °C. Estas temperaturas elevadas aqueceram os carris até um pouco mais de 62 °C, provocando a sua deformação. Como resultado, muitas viagens de comboio foram canceladas e o serviço noutras rotas abrandou para 100 quilómetros por hora. Os carris foram concebidos para um futuro em que a temperatura do ar não ultrapassasse os 27 °C. Em suma, a rede ferroviária britânica foi concebida e construída para funcionar não no cenário em que se encontrava em 2022, mas num cenário que pressupunha implicitamente que as tendências climáticas históricas permaneceriam inalteradas.

PRESSUPOSTOS ESCONDIDOS À VISTA DE TODOS
Pesquisas sobre a percepção humana demonstram que as pessoas diferenciam o objecto do seu foco visual do seu fundo, trazendo esse objecto para o primeiro plano da sua atenção enquanto tudo o resto recua. Os seres humanos conseguem focar a figura ou o fundo, mas nunca ambos ao mesmo tempo.
A ilusão do vaso de Rubin é um exemplo bem conhecido deste desafio de percepção figura-fundo. Dependendo da forma como se olha para a imagem, vê-se um vaso ou duas caras de perfil. No entanto, é importante referir que não é possível ver os dois simultaneamente: um ou outro recua perceptualmente para se tornar o fundo da figura que vê. Para ver as duas figuras, é necessário alternar entre elas.
É importante que os executivos consigam reconhecer como a capacidade de concentração das pessoas pode também cegá-las para informações contextuais importantes, uma vez que os líderes muitas vezes não conseguem ver o pano de fundo sobre o qual as suas estratégias se irão desenrolar — e do qual as suas estratégias dependem. Podem considerar que as infra-estruturas físicas — como as vias férreas — são uma questão de fundo relativamente estática e concentrar a sua atenção nas tendências que parecem mais importantes para o planeamento empresarial, como as mudanças nas preferências e hábitos dos clientes. Mas isso pode levar os executivos a implementarem uma estratégia que pode ser inesperadamente perturbada por suposições não examinadas sobre o seu contexto, as quais estão interligadas com as questões de fundo.
Principalmente hoje, dado o ritmo acelerado da mudança, a incerteza crescente e os elevados níveis de turbulência, a incapacidade de trazer à superfície os pressupostos incorporados no planeamento estratégico é um risco, tal como não considerar múltiplos futuros alternativos possíveis através do planeamento de cenários. Os exercícios de planeamento de cenários podem ajudar os executivos a explorar como as suas estratégias podem ser aplicadas em diferentes contextos e condições empresariais, visando aperfeiçoar essas estratégias e torná-las mais eficazes.
Para compreender como o planeamento de cenários pode evitar que os executivos sejam assombrados por um cenário fantasma, vejamos duas organizações globais com que trabalhámos recentemente no Programa Oxford Scenarios.

A AXA EXAMINA OS SEUS PRESSUPOSTOS ESG
A companhia de seguros AXA serve 95 milhões de clientes em mais de 50 países com produtos e serviços nas áreas dos seguros de propriedade-acidentes, seguros de vida e poupanças, e gestão de activos. Um dos principais objectivos estratégicos da empresa é manter a sua posição de liderança climática. Sabiamente, os executivos da AXA decidiram fazer do contexto futuro desse objectivo o centro das suas atenções durante um tempo limitado, para poderem explorar como esse contexto poderia mudar e como teriam de se adaptar caso acontecesse.
A empresa estava particularmente interessada em compreender como as futuras tendências ambientais, sociais e de governance (ESG) poderiam afectar o seu objectivo declarado. Por exemplo, qual poderia ser o impacto da legislação proposta por alguns estados dos EUA que penalizaria as instituições financeiras que seguem estratégias de investimento ESG? Ou como poderia o público reagir se as empresas fossem vistas como estando a fazer “greenwashing” ou a deturpar as suas credenciais de ESG? Assim, em vez de deixar que os requisitos de ESG, tal como são entendidos actualmente, sejam o cenário fantasma, a empresa fez perguntas sobre o futuro do ESG e, mais amplamente, sobre o contexto de sustentabilidade emergente para as empresas.
Os participantes e os facilitadores do exercício de planeamento de cenários trabalharam em equipas para analisar o ambiente futuro. Um cenário imaginava que as companhias de seguros autónomas seriam engolidas por plataformas tecnológicas dominantes cujas prioridades de ESG se sobrepunham às das seguradoras. Noutro cenário, os governos estabeleceriam regulamentos rigorosos relativamente a questões de ESG, com implicações de conformidade para as escolhas estratégicas das empresas. Noutro futuro imaginado, as alterações climáticas acelerariam mais do que o previsto, levando as empresas a alterar as suas prioridades para resolver urgentemente as crises relacionadas com o clima — ou a concentrarem-se exclusivamente na redução das emissões de CO2, abandonando os objectivos sociais e de governance.
Ao envolver-se explicitamente com o cenário fantasma e as suas alternativas igualmente plausíveis, a AXA compreendeu que continuar a esforçar-se para obter um desempenho de ESG superior, tal como é actualmente entendido, pode não ser o único futuro para o qual se deve preparar. Dentro da AXA, estes conhecimentos foram utilizados para informar um diálogo sobre os futuros desafios de ESG e as suas implicações para possíveis anúncios e compromissos a assumir, incluindo quando e com quem. Levaram a AXA a começar a preparar estratégias alternativas para o caso de a obtenção de um bom desempenho face às actuais expectativas de ESG se tornar irrelevante.

A SWIFT ANTECIPA AS MOEDAS DIGITAIS
A Swift (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) é uma cooperativa detida pelos seus membros que permite o envio de mensagens financeiras e serviços relacionados para pagamentos transfronteiriços em todo o mundo. Actualmente, entrega mais de 30 milhões de mensagens por dia a mais de 11 mil instituições em mais de 200 países e territórios. Foi criada no início da década de 70 por 239 bancos de 15 países para resolver o problema crescente das comunicações de pagamentos transfronteiriços, que eram pesadas, lentas e dispendiosas, com uma nova plataforma tecnológica. Com a disrupção como parte da sua história de origem, a Swift é proactiva relativamente a potenciais mudanças no seu contexto.
Em 2021, os executivos da Swift estavam interessados em entender como as moedas digitais, incluindo as emitidas por bancos centrais, poderiam evoluir nos próximos anos. A categoria mais do que duplicou em 2021, para mais de nove mil criptomoedas.
Em vez de assumirem que este crescimento rápido e desdobrado das moedas digitais era o único cenário possível, os executivos da Swift fizeram uma pausa para compreender melhor que outros desenvolvimentos podiam ocorrer, como podiam moldar o futuro ecossistema da moeda digital, e como a Swift podia ser afectada. Por exemplo, economistas e outros especialistas apontaram a falta de valor intrínseco de muitas moedas digitais, bem como dúvidas sobre a segurança e fiabilidade das suas tecnologias subjacentes.
A posição da própria Swift relativamente às moedas digitais era aberta e neutra. Apoiá-las-ia potencialmente se fossem devidamente regulamentadas e acrescentassem valor às economias, empresas e comunidades que servia.
Os cenários desenvolvidos para os executivos da Swift exploraram diferentes formas de evolução da confiança na tecnologia. Em alguns deles, a confiança associada às moedas digitais desapareceria à medida que a tecnologia opaca e os algoritmos em que se baseiam se tornassem suspeitos. Noutros cenários, as moedas digitais poderiam ser manipuladas e, assim, a autenticidade do que era trocado deixaria de ser garantida. Noutro cenário, uma falta de confiança mais generalizada nas instituições financeiras com fins lucrativos estender-se-ia aos fornecedores de moedas digitais, levando alguns segmentos da sociedade a hesitarem em envolver-se com qualquer uma delas, com as consequências daí decorrentes.
Para os participantes de Oxford que imaginaram estes cenários, não era claro que os valores defendidos pelos promotores da tecnologia, ou os valores que a tecnologia supostamente permitia, fossem aceites pelos reguladores governamentais ou pela sociedade em geral em todos os contextos futuros imagináveis. Desde então, os executivos da Swift exploraram esses conjuntos de cenários, o que lhes proporcionou perspectivas ricas e divergentes de como as moedas digitais se poderiam tornar realidade. Esses conhecimentos ajudaram-nos a evitar confiar em visões demasiado simplistas do futuro — e a deixarem-se influenciar pela publicidade.

COMO VER UM FANTASMA ANTES QUE ELE O ASSOMBRE
Com base na nossa experiência em exercícios de planeamento de cenários para a AXA, Swift e muitas outras organizações, desenvolvemos as seguintes sugestões para os executivos que pretendem ver os seus cenários fantasma e fazer da inversão figura-fundo uma parte fundamental da sua prática estratégica. Utilize o planeamento de cenários para reconhecer os pressupostos implícitos.
Reconheça que a estratégia de cada organização conjectura um cenário futuro que muitas vezes não é questionado. Ou seja, todos os executivos envolvem-se numa forma de planeamento de cenários implícito, quer estejam conscientes disso ou não. Tornar o planeamento de cenários uma parte regular do processo de elaboração da estratégia atinge dois objectivos importantes: alerta os líderes para a maneira como as condições turbulentas podem alterar o contexto em que trabalham e competem, e reconhece a realidade de que as próprias condições actuais apresentam um cenário futuro hipotético, não uma realidade fixa. Reconheça o dilema figura-fundo. Admita que a figura a que presta atenção (na maioria das vezes, a estratégia da organização) e o pano de fundo que é frequentemente ignorado (o cenário fantasma não examinado) não podem ser o foco de atenção ao mesmo tempo. Em vez disso, os executivos precisam de alternar de forma flexível e sequencial entre os dois para investigar cada um deles na íntegra e evitar a armadilha de fazer suposições implícitas sobre o outro. A AXA dedicou tempo a explorar deliberadamente o futuro do ESG, em vez de assumir que não haveria alterações à forma como é actualmente utilizado e compreendido. A Swift concentrou-se propositadamente em compreender os potenciais contextos futuros das moedas digitais, em vez de se limitar a assumir implicitamente opções subsequentes a partir das tendências existentes.
Dedique tempo e recursos executivos ao problema. As organizações devem criar intencionalmente tempo e espaço para os líderes explorarem possíveis mudanças em factores económicos, políticos, tecnológicos, sociais e ambientais relevantes. Compare um pequeno conjunto de cenários futuros com o cenário fantasma para identificar onde a estratégia actual pode ter de ser adaptada de modo a estar bem posicionada para as várias formas de evolução do contexto. Algumas organizações têm mesmo unidades dedicadas, como a equipa de cenários do Ambiente Empresarial Global da Shell International. A Policy Horizons Canada desempenha este papel para o governo canadiano.
Para que todos estes esforços sejam verdadeiramente úteis, os resultados do planeamento de cenários devem ser integrados no processo de tomada de decisões estratégicas, em vez de serem escritos num relatório e colocados numa gaveta. Devem também ser divulgados mais amplamente numa organização, para que pessoas de todos os níveis e funções considerem as possíveis implicações na sua própria perspetiva — implicações que podem não ocorrer à liderança. Para uma estratégia ser bem-sucedida quando o contexto muda, os executivos precisam de ter uma abordagem equilibrada — reconhecendo tanto a figura como o fundo como áreas importantes para o discernimento. Ou seja, devem reconhecer a importância do contexto ou do terreno onde as suas acções se vão desenrolar, mesmo quando planeiam o seu próximo passo. Os executivos experientes sabem que devem prever e aceitar a mudança. O truque é aprender a deslocar habilmente a atenção entre a figura e o fundo para verem como o contexto se pode desenrolar, de maneira a não deixarem a sua estratégia sem fundamento.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 212 de Novembro de 2023

Ler Mais