Desbloquear o poder do propósito

As empresas que definiram um propósito central baseado em valores para a sua existência e prosseguem estratégias alinhadas com essa razão de ser podem obter muitas vantagens: maior enfoque, colaboradores mais empenhados, clientes mais leais e melhor desempenho financeiro. Não é de admirar que o desenvolvimento de uma declaração de propósito esteja agora nas prioridades de muitos líderes empresariais – principalmente à medida que os colaboradores questionam cada vez mais o impacto da sua organização nas comunidades e no planeta. Mas se as empresas pouco mais fazem com a declaração além de publicá-la no seu website, há poucas probabilidades de que ela confira muitos benefícios.

O propósito não é uma alavanca que possa ser puxada; pelo contrário, como a nossa pesquisa confirmou, exerce o seu poder como um compromisso profundamente assumido que é partilhado por toda uma organização e motiva a acção. A identidade da organização, o seu papel, e as razões por que esse papel é significativo e valioso, tudo decorre desse compromisso partilhado. O propósito só faz a diferença nas organizações quando muda a forma como as pessoas operam.

Para que o propósito tenha um impacto transformador e duradouro, os líderes precisam de uma abordagem deliberada e sustentada para a sua identificação, operacionalização e avaliação. A nossa pesquisa anterior identificou um conjunto de elementos fundamentais para definir e desenvolver um propósito sólido. Desenvolvemos subsequentemente um conjunto de processos a que chamamos o Estrutura da Solidez do Propósito. Aqui, explicaremos como as empresas podem utilizá-la para transformar a intenção em acção consistente que produz os benefícios de ser uma organização orientada para propósitos.


COMO O PROPÓSITO OBTÉM O SEU PODER

O poder do propósito vem da capacidade de ligar as pessoas através de uma crença partilhada sobre a identidade, significado e missão da organização.

O propósito inspira as pessoas, iluminando as prioridades de uma organização que mais naturalmente fluem da sua identidade: a história, porque existe e o objectivo final. Cria um sentido de significado ao ligar o trabalho que as pessoas fazem aos sentimentos e valores, para que actuem a partir do coração. E ajuda a esclarecer como a organização contribui para cada stakeholder. Desta forma, o propósito guia as acções diárias das pessoas dentro de uma empresa.

A crença partilhada na identidade, significado e missão deriva de um propósito que é autêntico, coerente e tem integridade. Para ser autêntico, deve expressar o que as pessoas na organização sentem ser importante. É coerente se for consistente com o trabalho que a organização realiza no dia-a-dia. A integridade resulta do cumprimento das duas primeiras condições, e de a empresa se manter fiel ao seu propósito, mesmo quando prejudica os resultados financeiros. A nossa pesquisa descobriu que quando os três critérios estão presentes, os colaboradores têm o dobro da probabilidade de ir além do dever e fazer coisas pelos clientes, pelos colegas e pela sua organização que não são estritamente exigidas pelos seus trabalhos.

Trabalhámos com um retalhista europeu de electrónica de consumo cujo propósito foi transmitido com uma mensagem clara e simples – “Façam bem pelo cliente” – que encorajava os colaboradores a usar o seu discernimento ao prestarem o serviço. Esta autonomia implícita permitiu a cada vendedor ver as interacções com o cliente como oportunidades para criar o seu próprio legado de grande serviço ao cliente. Os colaboradores eram constantemente lembrados de definir o serviço da perspectiva do cliente, fazer perguntas aos clientes sobre as suas necessidades e preferências específicas, e ir além das expectativas. O propósito era algo que os colaboradores pudessem compreender, com que se pudessem identificar e para o qual pudessem contribuir.

Um propósito eficaz também deve ser dinâmico. Os líderes precisam de parar de vez em quando e perguntar: “Como vivemos o nosso propósito? Como o podemos melhorar?” Quando todos na empresa contribuem para estas reflexões, o propósito pode tornar-se ainda mais poderoso e mais profundamente partilhado pelos colaboradores, porque integra os seus pontos de vista.

Como em qualquer iniciativa importante, a implementação do propósito exige o empenho total da gestão de topo. Ele só terá impacto se os líderes seniores o abraçarem a fundo e estiverem preparados para fazer mudanças na forma como a empresa se comporta para alinhar as suas operações diárias com o propósito.

Esse propósito deve também alinhar-se com a estratégia da empresa. A organização pode definir o seu propósito e depois desenvolver uma estratégia que flua a partir dele, ou pode começar com uma estratégia e avaliar as suas iniciativas estratégicas pela perspectiva do seu propósito. Seja como for, um processo de implementação bem-sucedido do propósito exige uma estratégia empresarial baseada no propósito que explicite o valor partilhado proposto obtido pelos stakeholders e pela empresa.

Quando a direcção aprovar e os líderes tiverem estabelecido uma ligação clara entre o propósito da empresa e a sua estratégia empresarial, podem começar a incorporar o propósito nas operações. Para tal, são necessários três processos: conhecimento do propósito, internalização do propósito e contributo do propósito.


CONHECER O SEU PROPÓSITO

Antes de os colaboradores trabalharem para o propósito da empresa, precisam de compreender o que é e como se liga à estratégia empresarial, e conseguir explicá-lo pelas suas próprias palavras. Os gestores de toda a organização ajudam a desenvolver o conhecimento do propósito, esclarecendo às suas equipas como as decisões empresariais são tomadas com base no propósito da empresa. Os líderes devem procurar constantemente oportunidades para comunicar o propósito e manifestá-lo na organização, tornando-o visível para assegurar que é expresso de forma explícita e informal em conversas diárias. O objectivo é que as pessoas sintam a presença de propósito em tudo o que fazem e vêem à sua volta.

A empresa de equipamento médico Vygon renovou as instalações em Espanha para reflectir o propósito da empresa: valorizar a vida. Os líderes pretendiam transmitir dois aspectos essenciais deste propósito: que as suas pessoas cuidem umas das outras, e que possam expressar optimismo sobre o seu trabalho. Embora a empresa quisesse que todos os stakeholders que ali entrassem compreendessem o seu propósito, a concepção das instalações, apelidadas de “edifício optimista”, colocou os colaboradores em primeiro lugar, criando um ambiente que faz as pessoas sentirem-se à vontade. Cada espaço foi concebido para manifestar o propósito da empresa.


LIGAR O PROPÓSITO AOS VALORES

Não basta que apenas os líderes e gestores saibam como o seu trabalho contribui para o propósito da empresa. Através do processo de internalização do propósito, cada colaborador torna- -se capaz de ligar o objectivo da organização aos seus valores individuais. A internalização do propósito é realizada por processos explícitos que ajudam os colaboradores a ligar o propósito da empresa aos seus próprios valores.

Esforços para interiorizar o propósito podem dar sentido ao trabalho diário, bem como aumentar o envolvimento, compromisso e lealdade dos colaboradores. E quando estes encontram significado para si próprios, melhoram as experiências dos clientes e de outros stakeholders externos. Além disso, à medida que as pessoas assumem a responsabilidade individual de cumprir o propósito da empresa porque acreditam que vale a pena alcançá-lo, demonstram uma liderança que influencia os seus colegas de modo positivo.

Para que os colaboradores façam estas ligações, os líderes devem criar um clima de relações interpessoais saudáveis e autênticas em que as pessoas se sintam seguras para reflectir sobre as formas como os valores da organização coincidem com os seus valores pessoais. Ao longo de todo o processo, os indivíduos têm de conseguir expressar as suas preocupações e fazer perguntas, acreditando que os seus colegas e gestores não os rejeitarão por o fazerem.


AVALIAR O CONTRIBUTO DO PROPÓSITO

O processo final de implementação do propósito assegura que o propósito corporativo se reflecte nas operações da organização. Este processo olha para trás, avaliando como uma empresa cumpriu o seu propósito no passado, e para a frente, identificando as acções que a empresa pode empreender para continuar a fazê-lo.

Uma empresa pode utilizar um quadro de avaliação do propósito para mostrar como está a actuar em relação a métricas que avaliam o contributo para o seu propósito. Embora alguns indicadores essenciais de desempenho existentes possam servir como métricas úteis, os líderes empresariais poderão ter de criar indicadores para acompanhar resultados que não tenham sido anteriormente avaliados. Por exemplo, a fabricante de plásticos Elix Polymers desenvolveu um quadro de avaliação que mostra o progresso de cada departamento em direcção à missão partilhada da empresa. A utilização de um quadro de avaliação do propósito ajuda os gestores intermédios a ligar as suas métricas-chave ao objectivo, resultando numa maior identificação dos colaboradores com a empresa e contributos para a mesma.

Ao imaginar o futuro, os líderes empresariais devem considerar se os sistemas e processos de gestão da empresa ajudam ou impedem a empresa de atingir o seu propósito. Quando estes elementos estão desalinhados, a empresa tem duas faces: o seu propósito declarado publicamente não corresponde ao que os colaboradores experimentam. Quando estão alinhados, contudo, proporcionam clareza, geram confiança e reforçam a autenticidade da liderança.

Por exemplo, as empresas precisam de adaptar os seus sistemas de gestão de pessoas para alcançar uma ligação significativa entre o que os colaboradores fazem e o propósito da empresa. O centro tecnológico Ainia de Valência percebeu que precisava de ajustar as suas contratações, o onboarding, as avaliações de desempenho e os pacotes de remuneração, para passar mensagens consistentes aos colaboradores sobre como seriam avaliados e recompensados por contribuírem para o propósito da empresa. Entre as mudanças, a Ainia passou de um sistema de remuneração que recompensava principalmente por gerarem receitas para um sistema que se concentrava em indicadores de desempenho relacionados com o seu propósito, como a satisfação do cliente. Se a Ainia tivesse continuado com o modelo anterior, os colaboradores teriam sentido poucos incentivos para trabalhar em prol do propósito.

Quando uma organização coloca em marcha os três processos de conhecimento do propósito, internalização do propósito e contributo do propósito, liga o mecanismo de implementação. Assim que a estrutura está em funcionamento, precisa de ser oleada para assegurar a consistência entre o que o propósito indica e o que as pessoas na empresa fazem. A comunicação é vital, ligando a identidade interna da organização às suas acções externas. Uma empresa deve muito do sucesso com propósito à forma como comunica a sua identidade. Quando os três processos de implementação de propósito estão em vigor, a ligação de todos os aspectos da organização com o propósito pode ser constantemente renovada através de uma comunicação bem afinada.

É também importante avaliar a realidade da organização para avaliar a intensidade do propósito na cultura. As sondagens de opinião podem medir até que ponto os colaboradores ligam o seu trabalho ao propósito. Os líderes devem procurar sinais de intensidade de propósito, como elevados níveis de compromisso individual e unidade colectiva, evidenciados pela colaboração produtiva. Ambas as abordagens devem conduzir a melhorias nas medidas de desempenho organizacional, como os resultados financeiros ou as estatísticas de retenção de colaboradores. Quando os indivíduos e as equipas virem o seu trabalho diário como contribuindo para o propósito, e as estratégias alinhadas com o propósito de alcançar resultados empresariais objectivos, os líderes saberão que libertaram o poder do propósito.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 196 de Julho de 2022

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