Criar uma argumentação comercial mais forte para a sustentabilidade

A pressão para aumentar as receitas e controlar os custos é constante. Como é que um líder se pode sentir confiante na procura de opções mais sustentáveis e defendê-las perante conselhos de administração e accionistas sensíveis aos custos frequentemente elevados das abordagens mais ecológicas?

O duelo entre as pressões para fazer negócios de forma sustentável e para maximizar os lucros deixa muitos líderes bloqueados, sem saberem o que fazer. Muitos classificam falsamente a sustentabilidade como uma questão de conformidade, adoptando uma abordagem de esperar para ver e aspirando a fazer o mínimo. Mas perdem novas oportunidades e estão menos preparados para a transição energética, longe dos combustíveis fósseis. Tal como acontece com qualquer disrupção importante, as empresas que dão passos inteligentes podem ganhar vantagem e evitar ficar para trás.

Alguns CEO podem conseguir convencer os stakeholders a apoiarem iniciativas ecológicas com base apenas em princípios. Mas a realidade prática para muitos líderes é que têm de criar uma argumentação comercial para a sustentabilidade. Acreditamos que a concentração nas alavancas económicas clássicas do mercado pode dar aos líderes um enquadramento para pensarem criativamente numa maneira de encontrar um caminho que seja correcto tanto para a empresa como para a sociedade. Explicaremos como a nossa estrutura oferece três caminhos para a criação lucrativa e sustentável de um novo valor para a sociedade, os clientes e as empresas.

ENQUADRAR A OPORTUNIDADE DE SUSTENTABILIDADE EM TERMOS ECONÓMICOS

A nossa estrutura pode ajudar a criar uma argumentação para oportunidades estratégicas orientadas para a sustentabilidade, utilizando as alavancas de redução de custos, criando uma vontade de pagar mais e alcançando novos clientes, algo demonstrado pela tradicional curva preço-procura. Aplicando esta lógica económica aceite, é possível defender a sustentabilidade quando as escolhas que afectam os custos e a procura aumentam o retângulo dos lucros ou evitam a sua redução. A seguir, apresentamos exemplos de como o fazer.

1 – Reduzir custos. O senso comum defende que produzir produtos e serviços mais sustentáveis é inevitavelmente mais caro. Embora esta crença seja muitas vezes justificada, existem muitas oportunidades que podem exigir um investimento inicial significativo, mas que têm custos operacionais mais baixos que, a longo prazo, conduzem efectivamente a uma vantagem em termos de custos. Por exemplo, em 2019, o Ellen, um ferry totalmente eléctrico que liga as ilhas de Ærø e Als, no sul da Dinamarca, fez a sua viagem inaugural. O projecto de 21,3 milhões de euros reuniu a Danfoss Editron, uma filial finlandesa de uma multinacional dinamarquesa especializada em sistemas de transmissão híbridos e eléctricos; a Autoridade Marítima Dinamarquesa; e a fabricante suíça de baterias Leclanché, entre outros parceiros.

Os custos de capital do Ellen foram 40% superiores aos da alternativa não sustentável a gasóleo, que produz cerca de 2520 toneladas de emissões de carbono por ano. No entanto, os custos de funcionamento do Ellen são 75% inferiores, o que resulta numa poupança de custos comparativa em apenas alguns anos após a sua adopção. Juntamente com o aumento do custo do carbono no sistema de comércio de emissões da UE, a defesa da utilização desta alternativa sustentável é clara.

O custo total dos ferries movidos a gasóleo versus os ferries híbridos e eléctricos demonstra tanto a oportunidade como o desafio dos investimentos em sustentabilidade. Se o capital inicial estiver disponível, a escolha do ferry eléctrico deveria ser óbvia. Então, porque é que a grande maioria dos ferries continua a ser movida a gasóleo? As restrições de capital desempenham certamente um papel importante. Os decisores com um horizonte muito curto decidirão rapidamente que os ferries a gasóleo são a escolha mais económica, uma vez que têm um cálculo de valor muito elevado, onde os benefícios gerados em anos posteriores não são considerados. O endividamento elevado, as margens reduzidas e os custos fixos elevados podem levar os líderes a pensarem a curto prazo e a adoptarem práticas insustentáveis.

Argumentações de utilização semelhantes podem ser encontradas num número crescente de sectores, incluindo a exigente indústria mineira subterrânea. Embora os custos de capital para equipamentos eléctricos de mineração sejam mais elevados do que para equipamentos movidos a combustível, o equipamento eléctrico tem maior potência, permitindo-lhe mover-se mais rapidamente e produzir mais. As máquinas eléctricas transportam a mesma carga, mas são mais pequenas, permitindo túneis mais pequenos e, portanto, menos escavação e remoção de resíduos. A empresa mineira também poupa em equipamentos para evacuar o calor e o fumo, o que é um enorme problema com os equipamentos movidos a combustível, vários milhares de metros abaixo do nível do solo. Tudo isto resulta em custos operacionais mais baixos para os equipamentos eléctricos de mineração.

Existem várias outras formas de reduzir os custos operacionais: por exemplo, mudar para matérias-primas alternativas (como a utilização de material derivado de dentes-de-leão em vez de borracha para produzir pneus), investir em tecnologia de produção mais ecológica para evitar futuros custos resultantes da compra obrigatória de licenças de carbono, ou reformular produtos ou processos para a eficiência de materiais ou energia.

Como encontrar oportunidades para reduzir custos? Um ponto de partida, como sugerido acima, é analisar o equilíbrio entre os custos a curto e longo prazo e apresentar argumentações comerciais para benefícios a longo prazo. Embora isto possa ser tão simples como comparar custos operacionais versus custos de capital, como no caso do ferry, prestar atenção a cenários onde os custos operacionais tradicionais aumentam ou se tornam mais voláteis pode reforçar a argumentação a favor de abordagens sustentáveis. Pode também considerar o custo total, como no caso do equipamento de mineração, em que os benefícios operacionais surgem de todos os outros custos poupados.

Se os benefícios a longo prazo estiverem muito longe, procure formas de reduzir o prazo. Quando a Caterpillar começou a desenvolver escavadoras pesadas híbridas mais sustentáveis, os seus híbridos combustível-eléctricos tinham um retorno de sete anos, o que se revelou demasiado longo para a maioria dos clientes. Como compromisso, a empresa desenvolveu uma escavadora híbrida combustível-mecânica, que capta e reutiliza a energia mecânica directamente, em vez de a converter em energia eléctrica e vice-versa. Esta escavadora classe H, mais sustentável, teve um período de retorno mais curto porque poupou combustível, mas não teve o custo dos componentes dos modelos híbridos combustível-eléctricos. Foi tão fácil para os empreiteiros justificarem mudança que as vendas cresceram para um terço das vendas de todas as escavadoras pesadas.

Uma segunda abordagem é repensar o design e o fabrico do produto para reduzir os custos. As inovações da Tesla para gerir os custos de produção mantiveram as margens elevadas e proporcionaram-lhe uma vantagem de custos sobre os seus rivais. Esta estratégia também lhe deu flexibilidade para reduzir as margens e utilizar a redução de preços para estimular a procura.

2 – Crie disposição para pagar. Uma segunda possibilidade de criar valor a partir da sustentabilidade é procurar a disponibilidade do cliente para pagar (DCP) mais por uma alternativa sustentável. Se duvida que essa abordagem possa funcionar, dê uma vista de olhos aos 10 milhões de veículos eléctricos vendidos no ano passado, cada um mais caro do que um veículo comparável movido a combustível. Esta estratégia é necessária quando os custos operacionais aumentam devido à utilização de materiais ou práticas mais sustentáveis.

Considere-se o caso da introdução do Tritan pela Eastman Chemical. Em 2008, a indústria do plástico foi abalada por uma série de histórias que ligavam o bisfenol A (BPA), um aditivo plástico comum que se diz imitar os efeitos do estrogénio no organismo, a problemas de saúde tão abrangentes como problemas comportamentais, diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. Em resposta, a Eastman Chemical lançou o plástico co-poliéster Tritan, um material livre de BPA que pode ser moldado em produtos plásticos de consumo.

O desafio era que o Tritan custava mais a ser produzido do que os plásticos que continham BPA e era vendido por 30% a 40% mais do que os plásticos tradicionais. Porém, apesar do preço mais elevado, relatou a Eastman, «o Tritan tem sido um grande sucesso» — tanto que a empresa lançou uma continuação ainda mais cara: o Tritan Renew, sem BPA e feito com até 50% de compostos certificados. Notavelmente, este produto ainda mais caro, mas mais sustentável, teve um desempenho extraordinariamente bom. O que permitiu ao Tritan brilhar foi que tanto os clientes da Eastman, como as empresas de embalagens de plástico Nalge Nunc International e CamelBak, como o consumidor final estavam dispostos a pagar um prémio. A Eastman cooperou com empresas como a CamelBak e a Nalge Nunc, fabricante dos produtos Nalgene, para implementar recursos de marketing formidáveis para promover o Tritan e o Tritan Renew junto dos consumidores, impulsionando a procura e a DCP. Uma nota: nos primeiros anos do Tritan, a falta de opções livres de BPA deu à Eastman um poder de fixação de preços considerável; contudo, esta alavancagem diminuiu à medida que concorrentes entraram no mercado.

Como encontrar oportunidades para criar maior disponibilidade para pagar? Pode ser útil considerar não só a funcionalidade que determinados produtos ou serviços oferecem aos clientes, mas também os benefícios emocionais ou sociais intangíveis. Como é que uma oferta faz um utilizador sentir-se ou parecer aos outros? Para alguns consumidores, a escolha ambientalmente superior pode ajudá-los a sentirem-se virtuosos ou pode ser um símbolo de estatuto. As pesquisas de mercado, como a escuta social, podem fornecer informações sobre as “tarefas a realizar” dos consumidores e ajudá-lo a identificar oportunidades para aumentar a disponibilidade para pagar.

Para as empresas B2B, as oportunidades de DCP podem ser identificadas por pesquisas e análises sistemáticas do cliente final. A Eastman desenvolveu esta metodologia para identificar o segmento que mais responde às mensagens de sustentabilidade e tem uma DCP mais elevada. A empresa ajuda então os seus clientes directos a desenvolverem mensagens de marketing para alcançar a diferenciação e a DCP que procuram.

As oportunidades de DCP orientadas para a sustentabilidade podem também concentrar-se apenas no cliente directo e ser independentes de considerações mais a jusante na cadeia de abastecimento. Por exemplo, empresas automóveis como a Mercedes Benz estão dispostas a pagar mais pelo aço produzido utilizando, em certa medida, fontes de energia verdes. Fazer isto ajuda-os a cumprir as metas regulamentares para a redução das emissões de carbono nas suas cadeias de abastecimento. Da mesma forma, a Michelin consegue vender os seus pneus de camião a grandes operadores de frotas a preços mais elevados, porque podem ser recauchutados várias vezes com segurança. Isto permite ao operador da frota reduzir os seus custos ao longo da vida, uma vez que o custo por quilómetro dos pneus recauchutados de alta qualidade é 25% a 40% inferior ao dos pneus de baixo custo. Em comparação com os pneus novos, os pneus recauchutados poupam também 70% em recursos naturais.

3 – Alcance novos clientes. Os líderes podem também manter a rentabilidade, mesmo perante custos mais elevados e a falta de maior disponibilidade para pagar, aumentando a procura e alcançando novos clientes. A maioria dos líderes está sob constante pressão para fazer crescer o negócio, e as ofertas sustentáveis abrem frequentemente oportunidades para adquirir novos clientes que procuram alternativas verdes. Isto exige identificar extensões de linhas de produtos ou serviços onde exista potencialmente nova procura de soluções sustentáveis.

Para exemplificar, considere como os líderes da Bosch Power Tools chegaram a novos clientes com o desenvolvimento de um modelo de negócio circular. Tradicionalmente, quando a Bosch recebia devoluções ou produtos defeituosos, a empresa simplesmente descartava- os porque os seus clientes tinham pouco interesse em produtos usados, que possivelmente consideravam de qualidade inferior. Mas quando os líderes da Bosch Tools começaram a explorar uma abordagem mais sustentável para gerir estas devoluções, perceberam que poderia existir um segmento de clientes preocupados com a funcionalidade do produto e não com a sua novidade, e que poderia estar interessado em ferramentas refabricadas. Esta abordagem mais sustentável e circular de venda de ferramentas refabricadas a preços acessíveis permitiu à empresa alcançar novos clientes que normalmente não compravam os seus produtos, ao mesmo tempo que criou um bastião defensivo contra concorrentes de baixo custo e baixa qualidade. Além disso, os produtos refabricados não canibalizaram os produtos principais da empresa, principalmente quando vendidos por canais de venda secundários. Pesquisas descobriram que os clientes que compraram produtos refabricados de marcas como a Bosch, em última análise, preferiram-nos a produtos importados sem marca e de qualidade inferior.

Esta abordagem também foi empregue por outras empresas. A Xerox consegue há muito apelar a segmentos de mercado mais amplos, mantendo a propriedade das suas copiadoras por meio de leasing, remodelando copiadoras ou peças de copiadoras em fim de contrato, e depois vendendo ou alugando as copiadoras recondicionadas a preços acessíveis a clientes que possam ser mais sensíveis ao preço.

Como é que um líder encontra e justifica estas novas oportunidades de clientes? A fonte mais fácil de novos clientes pode ser atingir segmentos adjacentes, como fizeram a Bosch e a Xerox. Em vez de tentar aumentar a disponibilidade para pagar nos segmentos de mercado existentes, procure clientes nos mercados existentes que possam estar mal servidos. Estas oportunidades são muitas vezes mais fáceis de justificar, uma vez que são grupos de clientes conhecidos (por exemplo, tem uma noção do número de clientes e dos seus comportamentos). Justificar a mudança depende de mostrar que pode servir esses clientes com lucro.

Noutros casos, os líderes podem descobrir nova procura de ofertas sustentáveis explorando sectores além do seu mercado tradicional. Por exemplo, a Nalco Water, subsidiária da EcoLab, foi em tempos uma empresa de gestão de água bastante tradicional que prestava serviços públicos. Mas os líderes observaram o crescimento explosivo dos centros de dados de cloud computing, que requerem enormes quantidades de água para arrefecer, e viram uma oportunidade de expansão para novos clientes, concentrando-se nas suas necessidades de sustentabilidade. A empresa estabeleceu uma parceria com a operadora de data center Digital Realty para aplicar as técnicas de gestão de água da Ecolab no problema da utilização de água do servidor. No fim, a Ecolab ajudou a Digital Realty a reduzir o uso de água em 113 milhões de litros, o uso de electricidade em 17 megawatts e o CO2 em 12 mil toneladas métricas. Isto permitiu poupar 7,4 milhões de euros à Digital Realty, e a parceria tem um ROI de 60%. Melhor ainda, a Ecolab descobriu um mercado novo e lucrativo que será uma importante fonte de crescimento futuro.

Não há nada de intrinsecamente novo na redução de custos, na criação de vontade de pagar e no alcance de novos clientes — são as alavancas tradicionais dos negócios. Mas é essa a sua virtude: fornecem uma linguagem e uma lógica bem compreendidas para persuadir os conselhos de administração cépticos e os líderes de topo a prosseguirem uma estratégia de sustentabilidade. Para criar esta argumentação, os líderes podem procurar oportunidades que os ajudem a ter um bom desempenho e, ao mesmo tempo, a fazer o bem.

Justificar tais movimentos estratégicos pode continuar a ser um desafio; a resistência à mudança continuará a existir na maioria das organizações, principalmente porque estes novos movimentos implicam incerteza. Uma forma de ultrapassar estes desafios é basear decisões incertas em certezas futuras. Reynir Indahl, um dos investidores em sustentabilidade mais bem-sucedidos do mundo, aproveita esta lógica para gerar retornos elevados ao fazer novos investimentos em sustentabilidade.

«Vivemos num mundo que é fundamentalmente incerto», explicou-nos. «Como agir como investidor? Num mundo incerto, existem algumas certezas.» A sua lista inclui uma população global crescente e envelhecida que necessitará de mais alimentos e melhores cuidados de saúde, o esgotamento de recursos que exige melhores abordagens à gestão e reciclagem de resíduos, e a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis como fonte de energia. Embora as empresas tenham de enfrentar estes desafios globais, eles apresentam oportunidades reais para aqueles que os abordam.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 221 de Agosto de 2024

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