MIT: Como a COVID-19 irá mudar a geografia da concorrência
Para qualquer líder empresarial, as decisões sobre o alcance geográfico da sua empresa são cruciais. A entrada num mercado estrangeiro exige vastos recursos e um forte compromisso. Da mesma forma, a decisão de localizar uma fábrica no estrangeiro implica uma selecção cuidadosa.
Os líderes são expostos a dois erros significativos de julgamento quando calculam mal. Primeiro, aumentam o compromisso em mercados geográficos de onde deviam estar a sair; e segundo, perdem novas oportunidades de criar valor com fronteiras em diferentes áreas do mundo. Ao enganarem-se no seu alcance geográfico, tornam a empresa menos resiliente e preparada para futuros desafios globais.
Ao longo de 2020, os líderes foram expostos a visões divergentes sobre o futuro da globalização e a mudança geográfica da concorrência pós-pandémica. Num extremo, alguns observadores previram o fim da globalização e um declínio das actividades internacionais após a COVID-19. No extremo oposto, outros previram um rápido regresso aos padrões de globalização pré-pandemia.
Ambas as perspectivas são enganadoras e, de facto, a realidade é mais complexa e subtil. A COVID-19 deverá ter um impacto duradouro na geografia da concorrência, independentemente da disponibilidade de vacinas. Os líderes devem evitar dois equívocos comuns e analisar cuidadosamente três tendências que remodelam o alcance geográfico das empresas no rescaldo da pandemia.
CUIDADO COM ESTAS DUAS FALÁCIAS
Falácia 1 – A pandemia da COVID-19 fez com que as empresas se tornassem locais
A imprensa empresarial tende a associar as últimas duas décadas a uma globalização desenfreada. Contudo verificamos que um grande número de actividades económicas continuou a ter lugar dentro do país de origem de uma empresa. A COVID-19 não tornou as empresas mais locais.
Vejamos o que dados concretos nos dizem sobre os alcances geográficos das maiores empresas do mundo – derivadas da lista Fortune Global 500. Num estudo anterior, eu e Pankaj Ghemawat descobrimos que as empresas da lista de 2012 não eram assim tão globais no que respeita à distribuição geográfica das suas subsidiárias. Chegámos à mesma conclusão ao avaliarmos as empresas globais da lista do ano seguinte.
Para melhor compreender as mudanças ao longo da última década, analisei o alcance das quase 400 empresas que foram incluídas nas cinco listas Fortune Global 500, de 2012 a 2016. A sua quota de subsidiárias internacionais permaneceu bastante estável ao longo do tempo, com as subsidiárias nacionais a representarem, em média, pouco mais de metade do total de subsidiárias, ano após ano. Ao restringir o foco a 100 das maiores empresas e ao avaliar os seus alcances em 2019, em média, quase 40% das subsidiárias de cada empresa continuavam a estar localizadas no seu país de origem mesmo antes do surto pandémico. Este não é exactamente o alcance global que se associaria a uma narrativa mundial sem fronteiras, especialmente para as maiores empresas.
Isto também é confirmado quando adoptamos um esquema de classificação baseado nas vendas das empresas da Fortune Global 500, segundo o qual as empresas globais – gerando pelo menos 20% das vendas na América do Norte, 20% na Europa e 20% na Ásia – apenas representaram 3% em 2002, 12% em 2013, e 9% em 2017.
O que a COVID-19 tem feito é causar uma mudança de mentalidade sobre a globalização. O país de origem já desempenhava um papel crucial antes da pandemia, e isto deverá continuar. Tomemos o exemplo da retalhista de mercearias Tesco, sediada no Reino Unido. Em 2015, vendeu o seu negócio sul-coreano, e no início de 2020 completou a sua saída da Ásia para reforçar o seu foco nos mercados do Reino Unido e da Irlanda. O processo de localização na Tesco começou muito antes da pandemia. Este padrão emerge também a partir de macro indicadores. Por exemplo, a intensidade do comércio já estava a diminuir em quase todas as cadeias de valor de produção de bens antes da chegada da COVID-19.
Falácia 2 – As vacinas COVID-19 vão restaurar os padrões de globalização pré-pandémica
O desenvolvimento e a distribuição contínua de vacinas contra a COVID-19 foram calorosamente acolhidos pelo mundo empresarial. No entanto, é erro pensar que o alcance geográfico das empresas vai regressar aos padrões pré-pandémicos.
A pandemia expôs a fragilidade das cadeias de abastecimento construídas com base em eficiências e arbitragens entre países. Um foco na resiliência deverá estimular a reconfiguração das cadeias de abastecimento, independentemente das vacinas. No rescaldo da pandemia, esperamos que as empresas adoptem uma estratégia de sourcing multilocal baseada num alcance regional.
A verdadeira acção está nos fluxos digitais transfronteiriços de dados como resultado da crescente capacidade de armazenar e transferir pontos de dados em todo o mundo a um custo negligenciável. Podemos tornar-nos mais ligados globalmente mais cedo do que pensamos, apenas de formas diferentes do que pensávamos antes. A retalhista online Zalando, sediada na Alemanha, é um exemplo. A empresa foi fundada em 2008 e expandiu-se para 16 outros países europeus, entrando na sua maioria durante 2010-12. Nos anos que antecederam a pandemia, a Zalando passou por uma transformação radical para expandir a sua infra-estrutura digital, mantendo ao mesmo tempo um alcance europeu. Isto implicou o desenvolvimento de tecnologias internas para melhorar os processos de armazenamento, entrega e serviço ao cliente e para reformular os seus esforços de marketing digital. A melhoria digital tornou-se ainda mais fundamental: está feita para impulsionar o modelo de negócios baseado na plataforma digital da Zalando e a sua relação com consumidores e parceiros (especialmente marcas de moda e de lifestyle) em todos os mercados a um grau ainda maior após a COVID-19.
TRÊS TENDÊNCIAS GEOGRÁFICAS
Tendência 1 -A região de origem tornar-se-á ainda mais crucial
O comércio intra-regional já estava em ascensão antes da chegada da COVID-19. Uma avaliação baseada em dados sobre a evolução do alcance das maiores empresas mundiais sugere que esta tendência irá acelerar.
A minha análise plurianual às empresas da Fortune Global 500 conclui que estas mantiveram o enfoque regional na localização das suas subsidiárias que começou nos anos anteriores à pandemia da COVID-19 – com, em média, cerca de 70% das suas subsidiárias localizadas quer internamente, quer dentro das suas regiões de origem. A forte orientação para a região de origem emerge com a mesma força quando se considera onde as empresas da Fortune Global 500 geraram as suas vendas. Comparando a distribuição das vendas das empresas da Fortune Global 500 em 2002, 2013 e 2017, é evidente que a maioria continua a estar orientada para a região de origem. Em 2002, 88% das empresas geraram pelo menos 50% das vendas na sua região de origem – em comparação com 69% das empresas em 2013 e 74% em 2017.
Com tensões geopolíticas crescentes, pressões mais fortes dos governos locais e a necessidade de prestar mais atenção às necessidades e expectativas dos stakeholders locais, é de esperar que as empresas dêem ainda mais prioridade às regiões de origem. Vejamos a indústria farmacêutica e a forma como a forte dependência da Europa em relação a fornecimentos provenientes de países como a China tem estado sob escrutínio público. Em Janeiro de 2021, a multinacional Sanofi, com sede em França, concluiu a transformação de seis fábricas europeias numa entidade recentemente cotada na bolsa denominada EuroAPI que se concentrará em atrair empresas que queiram aumentar a produção farmacêutica dentro da UE. Esta é uma tendência que podemos esperar ver materializar-se também noutros sectores.
Tendência 2 – A expansão global continuará a ser uma opção para muito poucas empresas
Quase nenhuma empresa era global antes da chegada da pandemia. Um alcance global continuará a ser uma opção para muito poucas empresas na era pós-pandémica. Calculamos que as vencedoras da COVID-19 – muitas delas com poucos activos que aproveitam plataformas digitais – estejam entre as raras empresas que aproveitam oportunidades de crescimento global. Têm recursos financeiros para investir no seu alcance global – como a Spotify. A Spotify aproveitou a dinâmica de crescimento dos serviços de música de streaming pagos desencadeada pela COVID-19 e conseguiu acrescentar um recorde de 30 milhões de assinantes, atingindo 155 milhões de clientes pagantes até ao final de 2020. Isto também foi conseguido com alterações no seu alcance geográfico. Em Junho de 2020, a empresa entrou na Rússia – o mercado mundial de música gravada de mais rápido crescimento em 2019 – e em 13 outros países simultaneamente. Isto representa um forte impulso para satisfazer as ambições globais da empresa, mesmo durante uma pandemia.
Tendência 3 – As tecnologias digitais irão impulsionar a próxima fase da globalização
Antes da COVID-19, as tecnologias digitais já eram importantes motores da globalização, permitindo a inovação, fornecendo acesso à informação e ligando consumidores e fornecedores. A pandemia acelerou ainda mais esta tendência.
A concentração no comércio electrónico não será suficiente para ter sucesso pós-COVID-19. As tecnologias digitais irão impulsionar a próxima fase da globalização e, por conseguinte, determinar a forma como as empresas organizam as suas actividades transfronteiriças. Por exemplo, a Adidas viu o seu negócio de comércio electrónico crescer, com um aumento de 50% nas vendas online em 2020, devido à COVID-19. No entanto, o seu plano de aceleração digital vai muito além do aumento do seu canal de vendas online e inclui o desenvolvimento de novas capacidades digitais para interagir com consumidores de todo o mundo e digitalizar toda a sua cadeia de fornecimento, da concepção à distribuição dos seus produtos. A Adidas revelou recentemente um ambicioso plano de digitalização impulsionado por investimentos de mais de mil milhões de euros até 2025, centrado na concepção 3D e nas capacidades de impressão, tecelagem computorizada e corte robotizado directamente impulsionado por dados sobre perfis de utilizadores específicos. Do lado do cliente, a empresa fará mais investimentos para equipar as próprias lojas de retalho com capacidades digitais omnicanal de forma a criar uma experiência de consumo sem falhas em todos os pontos de contacto. Está a concentrar-se em lojas de algumas cidades identificadas como estratégicas, incluindo a Cidade do México e Seul, para estimular um envolvimento superior do cliente.
Dados sobre as maiores empresas do mundo confirmam o papel dominante que a região de origem desempenhou para as empresas antes da pandemia, bem como a escassez de um verdadeiro alcance global. Antes de decidirem sobre o alcance geográfico das suas empresas num futuro pós-pandémico, os líderes devem analisar os dados – e não ser induzidos em erro por falsas causalidades.
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Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 182 de Maio de 2021