José Pedro Dias Pinheiro, GroupM Portugal: As maiores mudanças na Gestão em Portugal
1. Quais os grandes desafios ao nível da Gestão, nestes últimos 15 anos?
Ninguém se pode queixar de falta de acontecimentos em Portugal nestes últimos 15 anos – até ganhámos a Eurovisão e o Europeu de futebol! Se estamos melhor ou pior, já é outra questão, mas não há nenhuma dúvida que o mundo mudou e que nos cabe a tarefa ciclópica de preparar as empresas para um futuro que chocou connosco, sem aviso, para o qual não estamos preparados, nem vamos ficar se dependermos de planos feitos por (e para) um Estado capturado e dependente.
Enfrentámos a crise económica de 2008/2009, para muitos de nós um evento de vida pela dimensão que apresentou. Em 2011 o país faliu. Pela terceira vez em democracia vivemos a experiência de uma intervenção externa.
Enfrentamos agora uma pandemia que está a mudar o mundo, outro evento de vida que ainda não terminou, e que preconiza nova crise económica de dimensão desconhecida.
15 anos é muito tempo. No entanto, o mundo avança todos os dias. Decisões que se tomaram em 2006, ano do relançamento da Executive Digest pela mão da Multipublicações, condicionaram alguns sectores, entre os quais o da media e publicidade. Um exemplo é o investimento então feito na infra-estrutura de cabo pela PT de Zeinal Bava, que assim demostrava a sua ambição de domínio sobre a televisão em Portugal. Mais tarde, o lançamento do serviço IPTV (a “box” que juntou voz, internet e televisão) viria a mudar para sempre o contexto competitivo dos media em Portugal.
Depois, veio o switch-off do sinal analógico da televisão, num processo que favoreceu claramente a proposta dos operadores de cabo, ao “empurrar” os canais abertos para esta solução numa altura em que estes canais tinham quase 80% das audiências.
Tudo se fazia para ganhar quota na subscrição. Diversificava-se a oferta, criavam-se canais, investia-se em conteúdos. Satisfazia-se uma procura crescente dos serviços oferecidos pelos operadores de comunicações. Entre 2006 e 2020 a penetração do cabo nos lares portugueses subiu de cerca de 30% para mais de 70%. Depois dos canais temáticos da SIC, no ar desde 2001, surgiram novos canais e conteúdos suportados total ou parcialmente por investimento directo destes operadores. Benfica TV em 2008, TVI24 em 2009, Canal Q em 2010, Bola TV em 2012 e CMTV em 2013, são alguns exemplos de canais que foram (e são) financiados em parte pelos operadores, e que alavancaram a penetração do cabo, dos serviços, e da televisão por subscrição. No mesmo período, o share de audiências do conjunto de canais fechados subiu de 12,8% (2006) para 34,1% (2021).
2. Que principais mudanças nas empresas, e no seu sector em particular?
E agora? Os ganhos percentuais na subscrição de lares nos últimos anos já são residuais, limitados por um rendimento per capita que teima em não crescer. A mesma limitação aplica-se ao montante que cada família pode gastar em serviços de subscrição.
Do outro lado verifica-se o crescimento da oferta OTT (over the top) que, em conjunto com outras utilizações residuais da televisão (jogos, etc.), representa já 17,5% da audiência. Esta oferta pressiona todo o modelo de negócio, mas sobretudo o negócio de televisão por subscrição, que já perdeu share nos últimos dois anos. Por oposição, a televisão aberta mostra mais resiliência. A pandemia fez aumentar as audiências, porque deixou mais pessoas em casa e refugiaram-se no jornalismo de qualidade durante este período.
Significa isto um fim de ciclo? Será que as ofertas OTT vão abrandar o seu crescimento? Não me parece, nem é o que está a acontecer em lado nenhum do mundo. Parece claro que se vai entrar em contraciclo. E tal significa desinvestimento, eventualmente até a ocupação de territórios adjacentes como o das televisões abertas.
Para o lado dos publishers parece a tempestade perfeita. Depois de um primeiro ano de pandemia com o mercado publicitário a recuar mais de 16%, e este ano a começar lento, com os investimentos publicitários ajustados a uma nova realidade de mercado, a diminuição da procura do lado dos conteúdos constitui mais um desafio, a pôr tudo em causa.
Para todos, mudou o consumidor, mais informado, que pensa e age com ajuda da computação e da data e que procura no digital o que não consegue nos canais tradicionais. E habitua-se. Assistimos a uma aceleração na desmaterialização das vendas, resultado dos períodos em que estivemos retidos em casa, e também das medidas de combate à pandemia, em particular do distanciamento social, que prejudica o comércio físico.
Uma vez mais é hora de desafiar… tudo. Onde há ameaças há oportunidades, e o tempo de agir é agora!
Vamos passar um período de grande ajustamento. O procurement vai voltar a funcionar, mas quem vai ganhar é quem for capaz de encontrar as soluções que resolvam a equação do futuro. E sabemos já que este é diferente, mais global, mais digital. Quem não entender isso vai ficar pelo caminho.
3. Em que medida é que a Executive Digest serviu de “ferramenta” para os gestores portugueses?
Para a Executive Digest, que viva muitos mais anos, que continue a alimentar a discussão e a partilhar opinião. Parabéns!
Este artigo faz parte do Tema de Capa publicado na Revista Executive Digest n.º 181 de Abril de 2021