José Gonçalves, Accenture Portugal: As maiores mudanças na Gestão em Portugal
1. Quais os grandes desafios ao nível da Gestão, nestes últimos 15 anos?
Destacaria a evolução do que se entende actualmente por criação de valor e a elevação clara da gestão de talento para a agenda estratégica do CEO e do C-level.
De facto, há 15 anos, a criação de valor estava focada no retorno económico do capital investido pelo accionista, incluindo a distribuição de dividendos resultantes de lucros e a valorização de mercado da empresa.
Este imperativo mantém-se, naturalmente, sendo que nos dias que correm a criação de valor é encarada de forma muito mais abrangente, com orientação a vários stakeholders, incluindo clientes, colaboradores, parceiros e comunidades onde se opera.
Na Accenture designamos este novo paradigma como a criação de valor 360º.
A título de exemplo, quando estabelecemos parcerias com os nossos clientes, está sempre presente a forma como estas irão contribuir para melhorar o seu P&L, aumentando receitas ou reduzindo custos, ou robustecer o seu balanço, através da optimização e rentabilização do capital empregue. Mas passou-se a dar igual importância à forma como melhoramos a experiência dos seus clientes, colaboradores e parceiros, contribuímos para um negócio que adopta as melhores práticas ao nível ambiental, social e de governance, promovemos o reskilling/ upskilling e retenção do seu talento para a economia digital assim como a sua adopção das melhores práticas de inclusão e diversidade.
Adicionalmente, na sociedade digital e aberta em que vivemos, onde o conhecimento está cada vez mais acessível e as melhores práticas disponíveis de forma abundante, ficou muito claro para os gestores que o principal activo das suas organizações são as suas pessoas.
Nunca se deu tanta atenção à capacidade de identificar, atrair, desenvolver e reter o melhor talento como hoje, pois, de uma forma geral, é a principal vantagem competitiva das organizações.
2. Que principais mudanças nas empresas, e no seu sector em particular?
O mundo empresarial português perdeu muita massa crítica, sendo paradigmático a evolução negativa do valor de mercado de empresas de referência de indústrias fundamentais como os da banca, telecomunicações e cimentos, apenas para dar alguns exemplos.
Nos últimos 15 anos a capitalização bolsista das empresas cotadas no PSI 20 reduziu-se para cerca metade, sendo que actualmente o valor de mercado das duas empresas do Grupo EDP é maior do que a soma das restantes empresas que constituem este índice.
Isto cria imensa desafios ao nível da capacidade de Portugal investir em inovação, desenvolver centros de competência que se possam impor à escala global e criar carreiras atractivas para os seus melhores talentos, mitigando a necessidade de emigração.
Necessitamos de desenvolver mais grandes empresas em Portugal, escalando as boas PME, aquelas que encaram o mundo como o seu mercado natural, potenciando a oportunidade única proporcionado pela digital. Exemplos como a Farfetch, Outsystems e Talkdesk têm de ser multiplicados.
Por outro lado, espera-se que as grandes empresas portuguesas possam contribuir mais para desenvolver novos negócios criados de base a pensar no mercado à escala global, sob o paradigma digital, potenciando as suas capacidades diferenciais em termos de talento, níveis de investimento e ecossistema de parceiros. Como é evidente, quanto mais grandes empresas houver em Portugal, com negócios de alto valor, mais oportunidades existem para os serviços prestados pela Accenture.
Face ao contexto empresarial nacional referido, Portugal tem um PIB de cerca de 1/5 do de Espanha, mas a dimensão do mercado de consultoria e serviços de profissionais é de apenas 1/10. Isto coloca naturalmente desafios redobrados a quem actua no nosso País, tanto em termos de crescimento como de rentabilidade.
Na Accenture, a aposta na exportação e o posicionamento reconhecido como parceiro de referência na transformação digital, têm sido o segredo do nosso sucesso, com o contexto desafiante descrito.
3. Em que medida é que a Executive Digest serviu de “ferramenta” para os gestores portugueses?
Para mim a Executive Digest é de leitura obrigatória para me manter actualizado sobre o que se passa no mundo e em Portugal, no âmbito da liderança, gestão e negócios. Destaco os artigos de opinião de personalidades com backgrounds e pontos de vista diversificados, algo que estimula a nossa própria reflexão, assim como os estudos aprofundados sobre assuntos que estão na ordem do dia da gestão empresarial.
É com muito gosto que procuro dar o meu contributo para os temas mais relevantes a tratar como a minha participação no Conselho Editorial da Executive Digest.
Este artigo faz parte do Tema de Capa publicado na Revista Executive Digest n.º 181 de Abril de 2021