Não finjam que a IA não destrói empregos
Independentemente do que dizem, há empresas e trabalhadores que não estão prontos para as enormes convulsões sociais que se aproximam.
Por Kai-Fu-Lee, colaborador da MIT Techonology Review
Os EUA estão, e têm estado, à frente em IA. Mas a China está a ganhar terreno e essa rivalidade garante que a IA está a caminho. A China terá pelo menos 50% de hipóteses de ganhar a corrida, e há várias razões para tal.
Primeiro, tem um enorme exército de jovens a chegar à IA. Na última década, o número de publicações sobre IA por autores chineses duplicou. Jovens engenheiros de IA da Face++, uma startup chinesa de reconhecimento facial, ganharam recentemente o primeiro lugar em três desafios de visão de computador – ficando à frente de equipas da Google, Facebook e da Universidade Carnegie Mellon.
Segundo, tem mais dados do que os EUA. E os dados são o combustível da IA. A China tem mais telemóveis e utilizadores de internet do que qualquer outro país do mundo, mas a disparidade é ainda maior do que isso por causa da forma como as pessoas usam os seus aparelhos. Ninguém anda com dinheiro. Pagam todas as contas com os seus telemóveis. Na China, as bicicletas partilhadas geram 30 terabytes de dados de sensores nas suas 50 milhões de viagens pagas por dia – cerca de 300 vezes mais dados do que os gerados nos EUA.
Terceiro, as empresas chinesas de IA já passaram a fase de copiarem tudo. Há 15 anos, quase todas as startups decentes da China estavam a copiar as funcionalidades, aspecto e toque dos produtos oferecidos nos EUA. Mas copiar ajudou os empreendedores chineses a tornarem- -se bons gestores de produto e agora eles estão na etapa seguinte: ultrapassar os seus homólogos estrangeiros. Ainda hoje, o Weibo é melhor que o Twitter. O WeChat oferece uma experiência muito melhor do que o Facebook Messenger.
E quarto, as políticas dos EUA estão a acelerar a AI na China. O plano do governo chinês é acompanhar os EUA na tecnologia e aplicações de IA até 2020 e tornar o país num centro global de inovação na IA até 2030.
Em comparação, o sector abrandou nos EUA. A ascensão da China como uma superpotência na IA não é importante apenas para a China. A competição entre os EUA e a China criou enormes avanços na IA que será impossível parar. A mudança será enorme, e nem toda positiva. As desigualdades irão aumentar. A IA irá acabar com um grande número de empregos, o que criará descontentamento social. Vejamos o progresso do software AlphaGo da Google DeepMind, que bateu os melhores jogadores humanos no jogo de tabuleiro Go no início de 2016. Acabou por ser ultrapassado pelo AlphaGo Zero, lançado em 2017, que aprendeu a jogar contra si próprio e que em 40 dias se tornou superior a todas as versões anteriores. Agora imagine-se estas melhorias a serem transferidas para áreas como serviço ao cliente, telemarketing, linhas de montagem, recepções, condução de camiões e outros empregos mais rotineiros. Em breve tornar-se-á óbvio que metade dos nossos empregos pode ser feita melhor e quase a custo zero por IA e robôs.
Nem todos concordam. Algumas pessoas argumentam que demorará mais tempo do que pensamos até os empregos desaparecerem, já que muitos serão apenas parcialmente substituídos. Mas mesmo que isso seja verdade, não irá impedir o inevitável. Outros lembram- -nos que todas as revoluções tecnológicas criaram novos empregos à medida que destruíram os antigos. Mas é perigoso assumir que isto acontecerá de novo.
Depois há os optimistas simbióticos, que acreditam que a combinação de IA com humanos deve ser melhor do que qualquer um deles em separado. Isto será verdade para certas profissões – doutores, engenheiros – mas a maioria dos empregos não cai nessa categoria. Em vez disso, a maior parte são empregos rotineiros onde a IA ultrapassa os humanos por uma grande margem.
Outros acreditam que seremos salvos por um rendimento básico universal. Mas o rendimento básico universal não trata da perda de dignidade das pessoas ou da sua necessidade de se sentirem úteis.
E, por fim, há aqueles que negam as desvantagens da IA – a posição tomada por muitas das grandes empresas de IA. É pena que os especialistas em AI não estejam a tentar resolver o problema. Pior ainda, e incrivelmente egoísta, é recusarem-se a reconhecer que o problema existe sequer. Estas mudanças estão a caminho, e precisamos de dizer a verdade.
Precisamos de encontrar empregos que a IA não consegue e formar pessoas para eles. Precisamos de reformulara educação. Estes serão os melhores tempos e os piores. Se agirmos racional e rapidamente, podemos aproveitar o em vez de cismar no pior.