Sociedade Ponto Verde: Um futuro sustentável
Em entrevista à Executive Digest, Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, fala sobre os desafios e o futuro desta entidade no tratamento e recuperação de resíduos.
Quais são as principais estratégias da Sociedade Ponto Verde para ajudar a reduzir a pegada ambiental em Portugal?
Estando a missão da Sociedade Ponto Verde ligada à agenda do Ambiente, da Sustentabilidade e da Economia Circular, por termos a responsabilidade na organização, gestão da retoma e valorização dos resíduos de embalagens em Portugal, a nossa estratégia pode ser descrita tendo por base estes três eixos principais de actuação:
- A Colaboração e proximidade, a nível nacional, regional e sectorial com todos os intervenientes desta cadeia de valor, dando apoio na concepção de embalagens mais circulares em todo o seu ciclo de vida e propondo novas soluções que tragam mais eficiência à operação e melhorem o nível de serviço que é prestado aos cidadãos em qualidade e conveniência.
- A Inovação, com uma grande aposta na prevenção de resíduos e na concepção de embalagens mais sustentáveis e circulares, seguindo as melhores práticas de ecodesign, mas também para promovermos a disrupção tecnológica e digital no processo de reciclagem dos resíduos de embalagem. É um compromisso que se materializa, por exemplo, em projectos como a plataforma digital Ponto Verde Lab e o programa Re-Source;
- A Sensibilização e Literacia Ambiental, num trabalho que é desenvolvido junto de todos os cidadãos. O objectivo é explicarmos os benefícios da reciclagem de embalagens e capacitarmos para a correcta separação e deposição destes resíduos nos ecopontos, levando à mudança de comportamentos e à adopção desse gesto no dia-a-dia.
Defendemos que, desta forma, é possível prestar um melhor serviço aos cidadãos e estes passem a ter uma participação mais activa na reciclagem de embalagens, levando ao cumprimento de metas nacionais e a 0% de embalagens colocadas em aterro, e consequentemente, ajudar à redução da pegada ambiental de Portugal.
Que acções a SPV está a desenvolver para aumentar a consciencialização pública sobre a importância da reciclagem e da redução da pegada ambiental?
São várias as acções que desenvolvemos junto dos cidadãos, de todas as idades, sempre com o objectivo de conseguirmos que haja mais e melhor reciclagem de embalagens no nosso país.
A Academia Ponto Verde é uma dessas iniciativas. É o nosso principal programa para a comunidade educativa, que foi criado em 2019 e já este ano lectivo arrancámos com uma nova edição, que será a maior de sempre. O nosso roadshow, em particular, vai passar por mais de 300 escolas, de norte a sul do país e, pela primeira vez, estaremos nos Açores e Madeira, com a expectativa de chegarmos a mais de 13.500 alunos.
Destaco ainda a app da SPV, a Acerta e Recicla, que agrega tecnologia e digitalização a uma componente de gamificação, ou seja, possibilita que todos passem a ter na “palma da sua mão” mais conhecimento sobre a reciclagem de embalagens e quem souber mais é recompensado com prémios; e também o prémio “Junta-te ao Gervásio”, que vai ter em breve a sua segunda edição e voltar a distinguir projectos a nível nacional na área da reciclagem de embalagens e da economia circular.
De forma contínua, continuamos a levar a reciclagem de embalagens a eventos culturais e desportivos, actuando a dois níveis. Asseguramos, por um lado, que cada recinto dispõe de ecopontos e o público está informado para reciclar os seus resíduos de embalagem; e aproveitamos esse contacto, que por vezes chega a milhares de pessoas, para as motivar a reciclar, sempre, em qualquer lugar. Além disso, usamos as nossas redes sociais e plataformas digitais para comunicarmos regularmente as nossas atividades, darmos dicas e informação sobre estes temas.
É, portanto, em proximidade que actuamos junto de todos os cidadãos, levando-lhes conhecimento, numa comunicação que se quer eficiente e, nesse sentido, procuramos criar iniciativas diferenciadoras e experiências atractivas, positivas e relevantes, como as que acabei de mencionar.
Existem programas educativos ou campanhas específicas voltadas para escolas e universidades sobre o impacto ambiental e a necessidade de reduzir resíduos?
Sim, a Academia Ponto Verde da Sociedade Ponto Verde é um dos principais programas em Portugal para promover a reciclagem de embalagens e a Educação Ambiental nas escolas. Globalmente, e sobretudo através da plataforma da Academia Ponto Verde, proporcionamos o acesso a várias actividades adequadas para crianças desde os 3 anos até jovens do ensino profissional e para os educadores e professores disponibilizamos ferramentas e conteúdos didáticos para serem usados nas salas de aula ou em atividades no exterior.
Já para as universidades seguimos um modelo diferente que passa, sobretudo, pela criação de protocolos de cooperação que nos permitem promover projectos específicos à medida de cada um destes estabelecimentos.
Com a Universidade NOVA de Lisboa, por exemplo, lançámos o CIRCULAR inNOVA(tion), que é um programa de empreendedorismo, ideação e inovação. Juntamos equipas multidisciplinares para desenvolverem novos produtos, modelos de negócio ou soluções inovadoras na cadeia de gestão de resíduos, com o objectivo de ajudar na separação e recolha selectiva de embalagens.
Já em parceria com a Universidade de Lisboa, a SPV está a trabalhar para serem implementadas acções de melhoria do sistema de gestão de resíduos das suas 18 escolas, nos serviços centrais e Serviços de Acção Social, mas também para se realizarem workshops e formações temáticas dirigidas aos alunos, e eventos para toda a comunidade académica.
Como é que a SPV incentiva as empresas a adoptarem práticas mais sustentáveis, como a diminuição do uso de plástico e outros materiais nocivos ao ambiente?
Para a SPV é fundamental trabalhar em proximidade com todos os agentes da cadeia de valor, nomeadamente com os nossos clientes e parceiros, disponibilizando-lhes soluções e ferramentas inovadoras e tecnológicas que os ajudem a colocar embalagens mais sustentáveis e recicláveis no mercado.
É a nossa estratégia de Inovação a funcionar e que integra projectos como o Ponto Verde Lab e o Re-Source para os quais a SPV mobiliza financiamento. O primeiro, o Ponto Verde Lab, promove medidas de prevenção na gestão de resíduos, tendo por base a adopção das melhores práticas de ecodesign e design for Recycling. Já o Re-Source é o nosso programa de inovação colaborativa, que conta já com três edições, e que junta embaladores e startups para trazer soluções mais eficientes para o sistema.
Integrado nesta estratégia disponibilizamos também Relatórios de Medidas de Prevenção aos nossos clientes embaladores, que dão acesso a uma sistematização do trabalho que estes desenvolvem no que diz respeito à redução, reutilização e reciclabilidade dos materiais de embalagem. Ou seja, ajudamos a monitorizarem o progresso das suas práticas e com base nessa informação estatística podem verificar o que é possível fazer para melhorarem o desempenho das suas embalagens. No fundo, estamos a fazer com que cumpram também os requisitos e das normas locais e europeias.
Quais são os maiores desafios enfrentados pelas empresas portuguesas no cumprimento das metas de redução de resíduos e como a SPV pode ajudar a superá-los?
Há vários compromissos, directrizes e metas europeias transpostas para Portugal que é preciso cumprir e as empresas têm a sua responsabilidade, devendo continuar a incorporar a Sustentabilidade nas suas estratégias e a introduzir as melhores práticas ESG na sua organização, sem prejuízo de valor para o seu futuro.
Tudo isto implica que as empresas tenham capacidade de investimento em I&D e Inovação, pois só assim se vai conseguir repensar as cadeias de valor e os ciclos de vida de produtos e serviços, encontrar soluções inovadoras que reduzam o consumo de matérias-primas e promovam a reciclabilidade e a reutilização dos materiais.
Operando no sector do Grande Consumo soma-se a importância de se conseguir criar embalagens cada vez mais sustentáveis, tendo em atenção as ferramentas do ecodesign e o design for recycling, e a necessidade de dar a conhecer aos consumidores as características ambientais dos seus produtos e o uso que deve ser dado às embalagens no fim de vida.
No que diz respeito à nossa intervenção, a SPV trabalha com todos os intervenientes do sector, mas para nós é fundamental sermos o parceiro de jornada para a Sustentabilidade dos nossos clientes e embaladores em critérios como ESG, compliance ambiental, inovação e ecodesign.
É neste contexto colaborativo e de proximidade que partilhamos conhecimento e ajudamos a identificar soluções inovadoras e digitais, mais justas e equilibradas, para tornar a cadeia de valor do grande consumo e do pós-consumo mais “verde”, mais inclusivo e mais responsável. Este é o caminho que deve continuar a ser feito para se fazer mais e melhor no sector da reciclagem de embalagens e tratar a pegada ambiental.
Que inovações tecnológicas estão a ser exploradas para melhorar a gestão de resíduos em Portugal?
O sector dos resíduos tem tido uma evolução notável e a nossa expectativa é que esteja significativamente diferente daqui a dois, três anos. O investimento em tecnologia continua a ser fundamental para acelerar a mudança e ajudar o país a cumprir com as metas que são muito ambiciosas: chegar, em 2025, a 65% de recolha de todas as embalagens que são colocadas no mercado. Este fluxo é o único que cumpre, mas o que verificamos é que o ritmo de crescimento da recolha selectiva está a ser insuficiente para alcançar esta meta e, portanto, a SPV defende mesmo um “choque tecnológico” que evite que o país entre em incumprimento.
Projectos como o “Mafra Reciclar a valer + Rua a Rua”, que a SPV apoia através da participação no Re-Source, são muito relevantes. Está, neste momento, a ser implementado em formato piloto, mas as nossas expectativas são muito positivas e seria desejável que ganhasse escala. De forma resumida, é usada a tecnologia RecySmart nos ecopontos verde e amarelo que passam a dispor de um dispositivo que reconhece as embalagens por tipologia (plástico, embalagens de cartão para bebidas, metal ou vidro) e conta o número de embalagens depositadas. Adicionalmente, são oferecidos pontos aos cidadãos que colocam correctamente as embalagens nos ecopontos que por sua vez são convertidos num valor monetário no cartão Mafra Mais para ser usado em lojas de comércio local. Enquanto se aumenta a capacidade de recolha de resíduos de embalagem no local, analisa-se o comportamento da população quando a opção de reciclagem se torna monetariamente vantajosa, o que é muito interessante.
A tecnologia tem estado no cerne de muitos dos projectos do Re-Source e posso mencionar outros dois que, neste caso, recorrem à área da robótica. Um deles é o projecto da start-up DANU ROBOTICS, em parceria com a ALGAR, que propõe a criação de um braço robótico na triagem de embalagens. Este é alimentado por um sistema de inteligência artificial na linha de triagem de planos da unidade de triagem do Sotavento e irá realizar a separação dos resíduos de embalagem de acordo com os requisitos que a ALGAR é obrigada a cumprir.
Também a Valorsul, em colaboração com a SPV e a Tetrapak, está a investir na instalação de uma inédita tecnologia de triagem robotizada em Portugal. Trata-se da solução da Recycleye que permite detectar e separar automaticamente os resíduos, e melhorar a recuperação das embalagens de cartão para bebidas. Isto permite que a Valorsul forneça um maior volume de recicláveis a partir da fábrica e assegurando que mais resíduos de embalagens de Lisboa são reciclados.
São alguns exemplos que mostram como o futuro do sector passa inevitavelmente pelos novos avanços tecnológicos e por Inteligência Artificial. Globalmente, a SPV defende a possibilidade de o consumidor poder vir a pedir a recolha dos resíduos no seu domicílio, correspondendo a uma “uberização” do sistema porta a porta ou aos sistemas pay as you throw, mas também a criação de um BI da embalagem, factores que seriam muito relevantes para ajudar à modernização do sector com impacto nos resultados e nas metas da reciclagem de embalagens.
Como a SPV mede o impacto ambiental das suas acções e projectos ao longo do tempo?
Adoptamos várias abordagens e metodologias para medir o impacto de todas as nossas acções, nomeadamente ao nível ambiental, pois para nós é extremamente importante garantir a transparência e termos acesso a dados concretos que permitam melhorar processos e procedimentos, que levem a mais e melhores resultados na nossa área de intervenção.
É visível no apoio que a SPV dá na gestão sustentável de embalagens em empresas, organismos públicos e Academia, acompanhando os resultados daí decorrentes, assim como também seguimos de perto os projectos que financiamos, nomeadamente integrados no programa Re-Source, vários já com aplicabilidade no país.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Redução da pegada ambiental”, publicado na edição de Outubro (n.º 223) da Executive Digest.