Randstad: Tecnologia ao serviço das pessoas

Ao investirmos no talento, nas pessoas e garantirmos que estas estão preparadas para um mundo de trabalho em constante transformação, estamos a investir no futuro das empresas. Em entrevista à Executive Digest, Gonçalo Vilhena, CIO da Randstad Portugal, explica os principais desafios e oportunidades da transformação digital no mercado laboral.

A disrupção digital está a acontecer a uma velocidade e escala sem precedentes, alterando os modelos comerciais em todas as indústrias e forçando as empresas a adaptarem-se a esta nova realidade. Nesse sentido, consideram que a transformação digital está a mudar rapidamente o mercado de trabalho?

Na qualidade de CIO de uma empresa de recursos humanos, é evidente que o nosso sector, que tradicionalmente tem sido pouco tecnológico, está a passar por uma transformação rápida e profunda. Este ambiente actual oferece uma oportunidade excepcional para acelerar mudanças significativas.

No nosso compromisso de nos tornarmos a empresa de talentos mais equitativa e especializada do mundo, reconhecemos a necessidade de fortalecer as nossas competências humanas e estabelecer uma ligação mais próxima com um número cada vez maior de pessoas.

À medida que o mundo se torna cada vez mais digital, torna-se inevitável que essa transformação atinja todos os sectores. Identifico duas tendências tecnológicas que têm o potencial de impactar profundamente o campo dos recursos humanos: a inteligência artificial (IA) e as plataformas descentralizadas e transparentes, como a Web 3.0 ou blockchains.

No domínio do recrutamento, a IA já desempenha um papel fundamental há algum tempo. Os modelos clássicos envolvem algoritmos de machine learning que são utilizados para analisar currículos e converter informações em documentos estruturados. Além disso, a IA é usada em algoritmos de pesquisa para analisar dados não estruturados.

Um exemplo notável da transformação no recrutamento é a mudança no formato das entrevistas. Antes da pandemia, as entrevistas digitais eram uma raridade e eram usadas apenas em circunstâncias especiais. No entanto, essa dinâmica mudou completamente. Por exemplo, no Brasil, as entrevistas digitais agora representam quase 100% das interacções. A IA também é usada para criar entrevistas de triagem personalizadas, economizando tempo na validação de pré-requisitos.

Outro exemplo relacionado com o processo de entrevista envolve a utilização de algoritmos de IA e estatística para criar rankings, priorizando candidatos com base em características muitas vezes invisíveis a olho nu.

A IA está a começar a ser explorada em outras áreas, como formação, onde é utilizada para criar sugestões e guias personalizados de aprendizagem. Fizemos um piloto com microaprendizagem que apoiou a adopção de novos processos e ferramentas com excelentes resultados.

Outro caso notável é a automação de interacções personalizadas com indivíduos. Isso inclui a produção de anúncios de emprego optimizados para diferentes audiências e o potencial para fortalecer a venda de serviços em grande escala, eliminando a necessidade de uma grande força de vendas. No nosso caso, vemos que isso faz sentido para tarefas administrativas de baixo valor acrescentado, permitindo-nos concentrar mais tempo nas interacções humanas genuínas.

À medida que a tecnologia continua a evoluir, o campo dos Recursos Humanos está a passar por uma revolução que não só melhora a eficiência, mas também promove uma abordagem mais humana e centrada nas pessoas. O futuro do trabalho está a ser moldado pela tecnologia, e como CIO, estou entusiasmado com as oportunidades que isso traz para o nosso sector.

Quais as tendências mais relevantes do mercado de trabalho em tecnologia digital?

No cenário em constante evolução do mercado de trabalho, é fundamental observar como as tecnologias estão a apoiar os EVP (employee value proposition) e a moldar as tendências globais. Destaco duas dessas tendências. A primeira tendência, que está completamente alinhada com a nossa visão, está relacionada com o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, bem como a criação de ambientes profissionais mais agradáveis e inclusivos. O conceito de inclusão de todas as diferenças e a promoção da diversidade têm ganhado destaque. Na HR Tech, a principal conferência de tecnologia do nosso sector, observamos que a maioria das novas startups estão a surgir com soluções voltadas para a diversidade, igualdade e inclusão. Isso reflecte a importância crescente de criar ambientes de trabalho onde todos se sintam valorizados e incluídos.

A segunda grande tendência continua a ser a procura de soluções que optimizem o recrutamento. O recrutamento eficiente é um desafio global e permanecerá em destaque no cenário actual.

Quando abordamos o EVP relacionado a salários e benefícios atractivos, é importante notar que não se resume apenas ao salário. No que diz respeito aos benefícios, é onde podemos diferenciar verdadeiramente o nosso EVP. Nesse aspecto, temos visto uma proliferação de opções e tecnologias que podem apoiar as empresas na criação de propostas de valor adicionais. Na Randstad, aproveitamos essas parcerias para oferecer benefícios adicionais aos nossos colaboradores.

Lidar com a escassez de talentos é uma preocupação que deve fazer parte da nossa agenda diária. O investimento neste domínio é fundamental, assim como o fazemos com a inovação. Neste sentido, estamos equipados com o poder da tecnologia, mas, acima de tudo, com o melhor talento para auxiliar as empresas a atingir os seus objectivos.

Em resumo, a tecnologia desempenha um papel fundamental na promoção de EVP que valorizam a diversidade, a inclusão, a eficiência no recrutamento e a diferenciação por meio de benefícios extra salariais que aumentem a atractividade. Investir em talento e tecnologia é o caminho para enfrentar os desafios do futuro do trabalho e alcançar a excelência nas organizações.

Quais os pilares fundamentais para acelerar a transformação digital das empresas portuguesas?

A importância da progressão de carreira e da transformação digital nas empresas é inegável. Um estudo independente realizado pela Randstad, que abrange 31 mercados representando 70% da economia mundial, revela que a progressão de carreira é um dos principais factores de valorização para os profissionais. No entanto, apenas 53% dos portugueses acreditam que as empresas oferecem oportunidades para desenvolvimento.

A autoaprendizagem é crucial para se manter competitivo em um mercado em constante evolução. Um dado interessante do estudo da Fundação José Neves revela que um em cada três portugueses procura formação online, um número promissor, embora ainda tenhamos muito a crescer. Além da progressão de carreira, outros factores de valorização incluem salários mais atractivos, equilíbrio entre vida profissional e pessoal, ambiente de trabalho e estabilidade no emprego.

A transformação digital frequentemente impulsiona a progressão de carreira, já que exige a aquisição constante de novas competências. Isso pode ocorrer por meio da contratação de novos talentos ou do desenvolvimento e adaptação dos talentos existentes, usando práticas de upskilling e reskilling.

Nesse processo, a liderança desempenha um papel crucial. Os líderes devem demonstrar compromisso com a transformação digital e servir como modelos. A presença, orientação clara e disposição para ouvir os colaboradores (liderança servente) são essenciais para inspirar e criar entusiasmo.

Um exemplo notável é a adopção de processos digitais na Randstad, que se tornou a primeira empresa de RH de grande porte a ter 100% dos colaboradores com um onboarding totalmente digital. Essa transformação não exigiu apenas tecnologia, mas formação e reconversão, ensinando novos processos e maneiras de trabalhar.

É crucial promover o desenvolvimento contínuo. A Randstad oferece diversos estudos no Randstad Research, que estão disponíveis no nosso site, para auxiliar as empresas nesta jornada.

No site da Randstad, no menu “Carreiras”, é possível obter informações detalhadas sobre 111 carreiras, incluindo funções, formação, salários e outros dados relevantes para orientar o desenvolvimento das carreiras. É de acesso gratuito e regularmente actualizado.

Investir na educação e formação dos talentos é investir no futuro das organizações e no desenvolvimento do país. O investimento em recursos humanos é tão importante quanto o investimento em tecnologia. Juntos, podemos impulsionar uma transformação digital significativa e bem-sucedida, ganhando assim em competitividade.

Para serem competitivas e bem-sucedidas num mundo dominado pelo digital, o que devem as empresas ter em consideração para os próximos anos?

Continuar a apostar na formação das lideranças, capacitando-as de novas ferramentas de gestão. Ao mesmo tempo, investir no talento interno, dando-lhes ferramentas e acesso a programas de formação que lhes permitam adquirir novas skills e, assim, manterem-se relevantes no mercado de trabalho.

Por isso respondendo à pergunta, onde podem as empresas aproveitar este investimento? Focar o investimento nas pessoas. Já demonstramos a nossa capacidade de adaptação durante a pandemia e os próximos tempos irão trazer novos desafios. Ao investirmos no talento, nas pessoas e garantirmos que estas estão preparadas para um mundo de trabalho em constante transformação, estamos a investir no futuro das empresas. Estamos a criar empresas future-proof, onde conjugamos o melhor dos dois mundos, pessoas e tecnologia, nunca esquecendo que é a interacção humana que faz a verdadeira diferença.

A chegada e generalização das tecnologias e as exigências de empresas e consumidores que pedem novas experiências. Neste cenário, as ferramentas digitais e a transformação digital serão fundamentais?

Em primeiro lugar há que entender que a tecnologia não é mais que uma ferramenta que nos deve ajudar a resolver problemas reais dos nossos clientes. Ela só existe aliada aos processos e principalmente aliada às pessoas.

Falar de transformação digital acreditando que a tecnologia só por si resolve todos os problemas das empresas é uma utopia, a tecnologia deve servir as pessoas e os processos. Se estivermos reféns da tecnologia, não seremos certamente mais produtivos nem seremos mais humanos.

A estratégia da Randstad é exactamente essa, trazer a tecnologia ao serviço das pessoas, ajudando a automatizar efectivamente o que é relevante deixando todo o tempo humano para satisfazer efectivamente aquilo que somos bons, potenciar relações humanas.

Como é que as tecnologias disruptivas como a IA, big data, blockchain ou realidade virtual e aumentada podem marcar a diferença na transformação tecnológica?

Os algoritmos de selecção automática serão claramente uma tendência para os próximos tempos. Estes algoritmos apresentam problemas, pois têm erros, são discriminatórios, e não se conseguem focar no potencial futuro do talento.

No entanto, devemos parar de inovar ou trabalhar para superar esses desafios? Não, pelo contrário. Ainda não alcançamos o ponto ideal porque não temos as variáveis e os dados certos – dados que são produzidos através da nossa capacidade de interpretar cada indivíduo como único. É fundamental continuar à procura de soluções inovadoras, mas com a consciência de que a humanização e a compreensão das necessidades individuais são essenciais. A tecnologia deve ser uma aliada, não uma substituta das interacções humanas significativas. Somente assim poderemos verdadeiramente utilizar a tecnologia em benefício das pessoas, promovendo o progresso e alcançando resultados mais satisfatórios para todos.

À medida que o mundo se torna cada vez mais digital, é inevitável que surjam grandes tendências que irão moldar o futuro das empresas e da sociedade. Duas dessas tendências cruciais são a regulamentação da IA e a necessidade de uma plataforma descentralizada e transparente (Web 3.0).

A IA tem o potencial de revolucionar diversos sectores, desde a saúde, a indústria até a educação. É importante garantir que o seu desenvolvimento e aplicação à realidade são éticos e responsáveis. A regulação da IA torna-se uma prioridade urgente para evitar riscos significativos à humanidade. Devemos estabelecer directrizes e padrões claros que protejam os direitos humanos, minimizem a discriminação e garantam a transparência e a explicabilidade dos algoritmos. A governança efectiva da IA é fundamental para podermos aproveitar todo o seu potencial de forma segura e benéfica. A IA representa tanto riscos quanto oportunidades reais. Num instante, pode impulsionar-nos para um salto quântico, assim como pode ser a nossa sentença de destruição massiva.

Outra tendência em grande destaque é a evolução da Web 3.0. Com a crescente preocupação com a privacidade dos dados e a concentração de poder nas mãos de poucas empresas e organismos, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de uma internet mais descentralizada e transparente. Para que essas tendências se tornem uma realidade, é necessário um esforço conjunto de governos, empresas e sociedade.

À medida que as diferentes tecnologias moldam o mundo do trabalho, devemos manter um olhar atento ao impacto nas pessoas e no seu bem-estar. Devemos cultivar um ambiente em que a tecnologia está ao serviço do progresso, do sucesso e principalmente da felicidade humana.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Transformação Digital”, publicado na edição de Novembro (n.º 212) da Executive Digest.

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