A Finlândia lidera há vários anos consecutivos o World Happiness Report, um relatório anual que avalia a satisfação com a vida em mais de 150 países. Enquanto muitas nações lutam com o equilíbrio entre trabalho e bem-estar, os finlandeses parecem ter encontrado uma fórmula única para viver com mais serenidade — mesmo enfrentando meses sem luz solar, temperaturas negativas e invernos longos.
De acordo com o HuffPost, essa felicidade não se baseia em euforia ou optimismo forçado, mas sim numa sensação duradoura de contentamento e equilíbrio, profundamente enraizada nos valores e práticas do dia a dia dos cidadãos.
1. Felicidade sem obrigatoriedade de sorrisos
Ao contrário de países como os Estados Unidos, onde a resposta esperada a um “como estás?” é invariavelmente “bem” ou “ótimo”, na Finlândia impera a autenticidade emocional. Não há problema em admitir que não se está bem — pelo contrário, isso é visto como sinal de maturidade e humanidade.
Meri Larivaara, diretora de assuntos estratégicos da MIELI Mental Health Finland, explica que há maior tolerância para expressar emoções negativas: “É aceitável dizer ‘não estou bem’ ou ‘não me sinto bem’. Não há a mesma pressão para manter uma fachada positiva.”
Essa honestidade, segundo Larivaara, pode ser um dos pilares da saúde mental finlandesa. Estudos indicam que reprimir emoções pode levar a sentimentos de isolamento, aumentar o stress e até reduzir a esperança de vida. A liberdade para dizer a verdade sobre como se sente pode ser, afinal, um antídoto poderoso contra o mal-estar emocional.
2. O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é uma prioridade
Embora o povo finlandês trabalhe com empenho, os horários laborais tendem a ser mais equilibrados do que em muitos outros países, permitindo mais tempo livre e descanso.
“Isso dá-te tempo para relaxar e cuidar de ti mesmo”, afirma Larivaara. Já Mirka Hintsanen, professora de psicologia na Universidade de Oulu, reforça que os finlandeses conseguem reservar tempo para atividades fora do trabalho — um fator essencial para o bem-estar.
Juho Saari, diretor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Tampere, acrescenta que as deslocações diárias para o trabalho também são curtas para a maioria da população, o que deixa mais tempo livre e menos desgaste mental.
3. A ligação com a natureza faz parte da vida quotidiana
A natureza está por todo o lado na Finlândia — mesmo nos grandes centros urbanos — e o seu acesso é facilitado por um princípio legal conhecido como Everyman’s Right. Esta norma permite a qualquer pessoa usufruir livremente de florestas, lagos e zonas costeiras, desde que o faça com respeito pelo ambiente.
“Pode-se acampar, nadar, colher cogumelos ou bagas, fazer caminhadas, andar a cavalo ou esquiar — tudo gratuitamente nestes espaços públicos”, explica Saari.
Hintsanen sublinha que esta proximidade constante à natureza tem um efeito terapêutico real: “Há estudos que mostram que o contacto com a natureza reduz o stress — e menos stress está diretamente ligado à felicidade.”
4. Aprender algo novo é um hábito cultural
A vontade de aprender não está reservada apenas ao contexto profissional. “Estamos realmente motivados para nos desenvolvermos”, afirma Larivaara. “Aprender algo novo é bom para a saúde mental.”
Este espírito aplica-se tanto a experiências simples como experimentar uma receita nova como a frequentar aulas de cerâmica, yoga ou vela. Segundo Saari, existem na Finlândia inúmeras associações que oferecem atividades acessíveis a todos, promovendo a aprendizagem contínua e a socialização.
Além disso, aprender novas competências contribui para uma perceção de tempo mais rica e preenchida. “Quando sais da rotina e olhas para trás, tens a sensação de que o tempo passou de forma mais significativa”, referiu anteriormente ao HuffPost o professor Adrian Bejan, da Universidade Duke.
5. A confiança social é elevada
Outro aspeto determinante é a elevada confiança entre cidadãos. Saari refere que na Finlândia há uma forte rede de ligações interpessoais e o que se chama de “força dos laços fracos” — ou seja, mesmo entre pessoas que não se conhecem intimamente, existe um sentimento de fiabilidade.
Embora países maiores, como os EUA, enfrentem maiores obstáculos a esse nível, os especialistas sugerem que cada um pode cultivar círculos de confiança mais próximos e significativos. “Investir nas relações sociais é essencial para a felicidade”, defende Saari.
A investigação apoia esta ideia. Um estudo de 2021 concluiu que “a solidão é um dos mais fortes preditores negativos da satisfação com a vida.” Ter relações próximas e sentir-se ligado aos outros é, portanto, um componente vital da felicidade.
6. Contentamento silencioso em vez de euforia constante
Na cultura finlandesa, a felicidade não é encarada como um estado de exaltação constante. Pelo contrário, trata-se de uma sensação tranquila de contentamento com a vida.
“Não temos a expectativa de que a felicidade seja uma emoção intensa”, diz Larivaara. “É mais uma sensação estável de satisfação com o que se tem.” Esta abordagem mais contida pode tornar a felicidade mais alcançável, ao invés de se procurar constantemente momentos de êxtase.
Saari concorda e lembra que o World Happiness Report não pergunta se as pessoas estão felizes, mas sim se estão satisfeitas com a sua vida. E é precisamente essa satisfação — profunda, estável e realista — que coloca a Finlândia no topo do ranking mundial.
A felicidade não é apenas uma responsabilidade individual
Apesar do foco em hábitos individuais, os especialistas alertam que o contexto social e político tem um peso enorme no bem-estar das pessoas.
“Na cultura ocidental, muitas vezes responsabilizamos apenas o indivíduo pela sua felicidade — como se bastasse fazer tudo certo para ser feliz”, afirma Hintsanen. “Mas isso é uma ilusão. O ambiente, as circunstâncias de vida e as decisões da sociedade também contam.”
Se, por exemplo, um professor vê o seu salário ser cortado por decisão política, o impacto na sua felicidade será inevitável — mesmo que essa decisão esteja fora do seu controlo.
“Não podemos colocar todo o peso no indivíduo. É importante que todos se lembrem de que existem fatores externos que também influenciam a felicidade”, conclui Hintsanen.













