Covid-19: Impacto económico ainda por apurar mas PIB pode cair mais de 5% em 2020
Com base nas medidas drásticas que estão a ser tomadas e que terão implicações sérias sobre as economias a nível global, europeu e nacional, é possível estimar vários cenários que podem levar a uma queda do PIB da dimensão da crise financeira de 2009 ou mesmo superior, dependendo da evolução epidemiológica e das medidas de política económica.
Nestes cenários, avançados por Abel Mateus para o Observador, as medidas que estão agora a ser tomadas “são fundamentais para aliviar a situação durante a crise (que pode durar entre um e três trimestres, dependendo do setor económico) e das políticas para acelerar o processo de recuperação”, reforça o economista.
Segundo Abel Mateus, “os cenários sobre a economia global e europeia apontam para uma recessão global que poderá ser tão ou mais grave como a crise financeira de 2009”. Os principais trabalhos publicados até agora sobre os impactos do COVID-19 na economia global são da Universidade Nacional da Austrália/Brookings e da McKinsey.
A McKinsey constrói três cenários: um cenário de recuperação rápida, em que a recuperação da China estaria quase completa no segundo trimestre de 2020 e que a Europa só experimentaria a desaceleração económica até finais do primeiro trimestre – este cenário parece atualmente totalmente ultrapassado.
O segundo cenário é de desaceleração global, baseado na hipótese de que o vírus é sazonal e que a desaceleração na Europa seria até cerca de maio 2020, com setores como a aviação e hotéis, restaurantes e turismo fortemente afetados, incluindo a estação estival, e os outros setores a recuperarem até finais do segundo trimestre. O terceiro cenário é de pandemia e recessão globais, no qual a China só recuperaria no terceiro trimestre, com forte impacto na Europa e EUA, e com a confiança dos consumidores só a recuperar depois do terceiro trimestre.
Cenários para a Economia Portuguesa
Na análise setorial, verifica que o setor do turismo é o mais profunda e duradouramente afetado. Ora, Portugal é o país desta Zona com maior peso do turismo. Partindo das contas satélite do INE, o peso do turismo no PIB em 2019 deveria rondar os 14,5%, em termos de consumo dos nacionais e estrangeiros. Esta é uma estimativa do impacto direto. Mas em termos de impacto direto e indireto estima-se que deve rondar os 21% a 25%.
Este diferencial terá crescido desde aquele ano. Tomando o valor de 6 pontos percentuais verificamos que uma redução do turismo entre 30% e 60% tem um impacto diferencial na economia portuguesa de 1,8 a 3,6 pontos percentuais, que são os valores negativos a adicionar a um cenário negativo de evolução do PIB da zona Euro.
Assim, adicionando este diferencial aos cenários acima indicados, obtém-se uma queda do PIB de 5,4% (3,6+1,8=5,4%) para o cenário de base, podendo ser ainda mais grave. Esta taxa de -5,4% seria a maior queda do PIB desde 1975. Em relação à projeção do Governo para 2020, que era de cerca de 1,9% positivos, o efeito da pandemia estima-se em cerca de 7,3 pontos percentuais. Para comparação, o PIB caiu 3,1% por efeito da crise financeira global de 2009 e, em 1975, por efeito das ruturas económicas que se seguiram ao 25 de abril, houve uma queda de 5,1%. Evidentemente que o que se calcula aqui é apenas um cenário: o valor real que se verificará vai depender das políticas epidemiológicas e económicas tomadas por Portugal e pela União Europeia.
Quais os efeitos sobre o emprego?
Perante este cenário do PIB, o desemprego vai aumentar de forma significativa. Para um impacto de cerca de 7 pontos percentuais sobre o PIB, este traduz-se no caso da economia portuguesa em cerca de 5 a 7,5 pontos percentuais de aumento da taxa de desemprego. Desta forma, a taxa de desemprego pode subir rapidamente este ano e dentro de 2 a 3 anos ultrapassar os 10%, caso não sejam tomadas medidas apropriadas. Os efeitos são apenas de curto prazo, mas haverá outros efeitos como o impacto na dívida pública. Será previsível um aumento substancial nas taxas de juro da dívida.
E os efeitos sobre o orçamento do Estado?
O primeiro efeito é a redução da receita por via dos impostos, porque cai o nível de atividade económica, e de subida da despesa pública, porque aumenta, por exemplo, o subsídio aos desempregados: é o chamado estabilizador automático. A estes efeitos juntam-se os efeitos discricionários das medidas excecionais adotadas (e já anunciadas) de aumento da despesa pública para combater a pandemia e sustentar a atividade económica. Estimativas anteriores mostram que, para cada ponto percentual de redução do PIB, o défice orçamental sobe de cerca de 0,3 a 0,4 pontos percentuais, sem medidas excecionais. Assim, para o impacto dos 7 pontos percentuais do PIB pode estimar-se a deterioração do défice para cerca de 2 a 3% do PIB. Mas a este valor teríamos de adicionar as despesas excecionais já anunciadas e cujo impacto sobre o défice está sujeito a grande incerteza. Mas, se este fosse entre 1 a 2 pontos percentuais do PIB, atiraria com o défice para níveis claramente superiores ao limite dos 3% do Tratado Orçamental. É evidente que, dadas as circunstâncias em que estamos, esta subida do défice não implica o acionamento do mecanismo dos défices excessivos.
“Um outro ponto a que temos chamado a atenção é a situação de fragilidade em que se encontra ainda o ajustamento orçamental, mesmo antes desta crise, pelo que serão postas à prova os seus fundamentos. Os efeitos que estamos a estudar são apenas de curto prazo, mas haverá outros efeitos como o impacto na dívida pública. Será previsível um aumento substancial nas taxas de juro da dívida que deriva da subida do prémio de risco acima referido nas simulações, e que perdurará por mais tempo”, termina, frisando, Abel Mateus.