(R)evolução da indústria financeira
Com a entrada de novos players em anos recentes, desde as fintechs até às bigtechs, as atenções viraram- se para a capacidade de adaptação de um sector tradicional e preponderante do ponto de vista económico e social. A tecnologia mudou, de facto, as expectativas dos consumidores sobre a forma como se comprometem com as marcas, estando cada vez mais interessados nas opções que passaram a existir no mercado.
Para Adam Khalifa, head of EMEA Financial Partnership Solutions da Google, «os consumidores portugueses, por exemplo, são muito curiosos sobre as novas oportunidades que estão disponíveis ». Este responsável da Google, um dos oradores do Digital Business Breakfast “O Futuro do Setor Financeiro”, promovido pela APDC, refere inclusive que «a tecnologia elevou a fasquia do que precisamos de entregar em termos de produtos e serviços».
«Já não se trata apenas de estar online », diz Adam Khalifa, «mas sim o que se faz online e como se utiliza a internet. Chamamos-lhe a época da assistência e a questão é como alavancamos esta época nos serviços financeiros».
De acordo com Adam Khalifa, há três alavancas que vão impulsionar a época da assistência para os serviços financeiros: a aceleração do machine learning, a forma pessoal e responsável de como comunicam com os consumidores e a forma como nos tornamos mais relevantes para todos os clientes – e não só os millennials – na era digital.
ECOSSISTEMAS DE SERVIÇOS
Tornar os produtos melhores e mais rápidos para os consumidores é um dos pilares do desenvolvimento tecnológico do sector financeiro e a Inteligência Artificial tem aqui um papel importante de catalisador. «A promessa da Inteligência Artificial é trazer melhores produtos para os consumidores, melhores experiências e potencialmente criar novas indústrias que não eram possíveis », refere Adam Khalifa. «O futuro dos serviços financeiros passa por se expandir para ecossistemas de serviços, sejam eles o imobiliário, os serviços automóveis ou a saúde», acrescenta.
Para isto, «há três coisas em que as empresas têm de focar a sua estratégia: um plano tecnológico, um de dados e um de pessoas e capacidades», de forma a acelerar a maturidade digital.
Em Portugal já existem várias soluções tecnológicas destinadas a facilitar e criar proximidade com o cliente, sendo uma das mais utilizadas o MB WAY – desenvolvido pela SIBS, que tem como accionistas os bancos nacionais –, com cerca de dois milhões de clientes.
Para Ricardo Chaves, chief comercial officer da SIBS, «o MB WAY reflecte três palavras-chave que estão presentes hoje em qualquer solução: colaboração, tecnologia e foco no cliente». Colaboração, na medida em que o MB WAY é uma solução de rede, pensada para ser disponibilizada a todos os bancos e em que todos disponibilizam um conjunto de serviços uniformizados. Tecnologia, porque a SIBS defende a inovação by design, ou seja, pegar em tecnologia existente como os cartões físicos e utilizá- los numa lógica de wallet. Foco no cliente, porque «procurámos essencialmente que o MB WAY tivesse use cases cada vez mais amplos, mas que resolvessem problemas concretos, por vezes de muitos clientes, por vezes de alguns», refere Ricardo Chaves.
MODELO COLABORATIVO
O modelo de inovação da banca tem muito a ganhar com as fintechs e com as bigtechs. A afirmação é de Francisco Barbeira, membro da comissão executiva do BPI. «Temos um conjunto de fintechs que são colaborativas e essas, por natureza, estão muito próximas de nós. E depois, mesmo aquelas que não são colaborativas, que são competitivas, vêm de facto esticar o campo da inovação, e não apenas para os bancos. Também a própria regulação está a aprender com as fintechs e a esticar as suas barreiras», acrescenta.
Ainda assim, Francisco Barbeira refere estar mais preocupado com o assunto das bigtechs, onde se joga o tema do preço. «Quando uma bigtech trabalha um cliente nas suas múltiplas dimensões e quer acrescentar a dimensão dos serviços financeiros, não está preocupada com o preço, mas sim em rentabilizar os serviços financeiros que ali está a colocar. Está preocupada com o seu papel de ecossistema e em aumentar a quantidade de informação que tem sobre o cliente e em conseguir tirar valor dessa informação. Este é um tema absolutamente crítico», afirma. O futuro da banca «passa seguramente por assumir o seu papel de ecossistema em duas dimensões». Por um lado, tem a grande vantagem de ser uma das indústrias com mais pontos de contacto – cada vez que realiza um pagamento está a ir ao banco – «pelo que os bancos têm de estar disponíveis para serem participantes activos em ecossistemas que não controlam, que são feitos por parceiros para os quais o serviço financeiro faz parte da sua própria jornada de cliente, mas também de serem capazes de encabeçar esse ecossistema da jornada de cliente», refere Francisco Barbeira.
As indústrias que mais foram disrompidas criaram as suas jornadas muito para além daquilo que era o seu foco inicial. «O cliente não quer pagar, quer comprar. Portanto, no fim do dia, o cliente não quer um crédito à habitação, mas sim uma casa; não quer um financiamento automóvel, mas sim um carro fantástico para não ter problemas e, se possível, com tudo incluído. E os bancos querem oferecer ao cliente exactamente aquilo que ele quer», adianta. «Não é nada confuso que um cliente possa, no futuro, chegar ao site ou app de um banco e ter uma área onde pode adquirir as experiências que quer, tendo lá o seu tema financeiro resolvido», refere.
Questionado sobre a razão pela qual a inovação feita dentro de um banco incumbente é diferente da inovação dentro das fintechs, Francisco Barbeira é peremptório. «Há três ou quatro motivos principais. O primeiro é que os bancos têm um legado – não troco a minha relação histórica e de confiança com dois milhões de clientes por um sistema novo sem legado». Depois, e desde logo, «a própria regulação não é igual, o que é natural numa fase de transformação como esta», acrescenta. Não é que os bancos não tentem inovar, «mas a própria regulação está a fazer o seu caminho». O terceiro motivo, refere, é o modelo de risco para a inovação. «Se, amanhã, uma das fintechs de agora fechar porque continua a ter prejuízo em cima de prejuízo, há um conjunto de clientes que fica um pouco aborrecido porque gostava daquela solução. Mas se um banco de repente desaparecer, há um trauma. Portanto, o modelo de risco para a inovação é necessariamente diferente entre estes dois players.» O quarto ponto são as próprias expectativas do capital. «Nós continuamos a inovar, queremos inovar muito, mas o capital continua a pedir-nos um determinado nível de rentabilidade. As fintechs, por outro lado, continuam a engolir capital e não têm que entregar rentabilidade no momento actual porque estão a trabalhar em expectativas. Portanto, há aqui, de facto, dois modelos diferentes», afirma. Ainda assim, «as primeiras soluções que utilizaram as infra-estruturas de open banking para dar serviço a clientes foram os bancos. Não foram as fintechs. Estamos a investir imenso em tudo aquilo que é inovação», adianta.
Para Paulo Figueiredo, membro da comissão executiva do Banco BiG, é importante perceber que quando uma organização não é capaz de acompanhar o ritmo de inovação e faz outsourcing da inovação, está basicamente a ditar a sua morte no mercado. «O regulador, nesse capítulo, tem um papel muito importante, porque deve impor regras comportamentais, éticas, numa actividade tão crítica como é a bancária, mas também deve compreender que esta mesma actividade necessita de equilíbrio e de sobreviver », refere.
MACHINE LEARNING
O machine learning está hoje no centro da atenção de todos os bancos, diz Francisco Barbeira. «A grande diferença entre o que estamos a viver hoje e o que vivemos há 10 anos tem a ver com a capacidade de estar mais online, de ser mais imediatista, de aproximar aquilo que estamos a fazer do que conseguimos oferecer e do que o cliente quer», refere. O que os bancos estão a fazer é a melhorar a capacidade de perceber a informação do cliente, de apresentar essa informação de forma estruturada, de antever as suas necessidades e de incluir também informação de contexto. «Por exemplo, na app do BPI, a primeira página é um feed comunicacional, e nesse feed passamos muita informação financeira, como recordar que no dia seguinte vai cair a conta da água e que esse valor é bastante superior ao habitual, etc. E o trabalho que estamos a fazer permanentemente é aproximar cada vez mais com informação de contexto», acrescenta. O machine learning consegue organizar a informação do cliente sem intervenção humana, além da tradicional informação mais estática, e aproximar aquilo que é o gestor de um gestor virtual.
Por outro lado, refere Francisco Barbeira, «podemos falar da utilização do machine learning um pouco menos visível para o cliente, que é toda a capacidade de aumentar em muito o diagnóstico que o banco faz dos clientes. Uma das áreas em que o machine learning mais vai disromper é tudo aquilo que seja diagnóstico, seja na saúde ou na banca». No caso da banca, por exemplo, o diagnóstico é a análise de crédito, do risco de crédito, ser ou não capaz de apresentar ao cliente uma determinada proposta, ser capaz de melhor adequar o preço do crédito que está a ser atribuído ao cliente de acordo com o seu nível de risco. «Todas essas áreas vão aumentar imenso a capacidade que o banco vai ter de muito rapidamente oferecer ao cliente tudo aquilo que ele precisa», adianta.
Se há área onde as fintechs dificilmente já conseguem chegar é à atribuição de crédito à habitação. «As fintechs estão essencialmente a inovar em processos mais massificados e mais rápidos e com menos complexidade», diz Francisco Barbeira. «Não quer dizer que não cheguem lá, porque chegam lá seguramente e nós também. Mas discutir a atribuição do crédito pessoal é muito menos complexo do que discutir a atribuição do crédito à habitação», adianta.
Ricardo Chaves indica que, «por vezes, temos a tendência para pensar que tudo o que é digital é espectacular e que o mundo financeiro, precisamente porque as fintechs estão cá, poderá não estar na vanguarda da inovação. O que é fundamental que o digital faça é resolver problemas aos consumidores», afirma. Para o chief comercial officer da SIBS, o sistema financeiro está de boa saúde no que toca à inovação. «No open banking há uma oportunidade tremenda para o sistema financeiro português e, em geral, europeu», comenta, acrescentando que «há duas formas de olhar para o open banking: uma é o acesso a dados, que é a forma como as fintechs estão a olhar, e há uma oportunidade enorme de criatividade sobre o que se pode fazer de serviços novos com o acesso aos dados pelos bancos e com a possibilidade de iniciar pagamentos que estão nos bancos. Além disso, há também uma oportunidade tremenda de distribuição, nomeadamente no crédito ao consumo ou automóvel».
O FUTURO DA BANCA
Para Ricardo Chaves, há vários catalisadores da banca do futuro: o «mobile first – um caminho que já se iniciou, mas que vai acentuar-se tremendamente com todos a puxar em sectores diferentes, de formas diferentes, o que permite acelerar a penetração dos serviços uns dos outros; a resiliência – quando se passa para front ends digitais e mobile, a resiliência do serviço para estar sempre preparado para não falhar 24h/7 é um desafio; a segurança – o smartphone vai passar a ter acesso a tanta informação, a tantos serviços que é preciso garantir soluções de segurança».
Já para Francisco Barbeira, o futuro da banca passa pelo machine learning «por ser a tecnologia que mais pode trazer valor acrescentado à banca. Depois há uma segunda que até pode pôr em causa o mobile first, que é a voz no interface». De facto, «a voz é a interface natural e só não é a nossa interface com as coisas por uma dificuldade tecnológica. Hoje essa dificuldade já não existe, mas obviamente que em Portugal andamos sempre uns anos atrás, porque a língua não tem a dimensão de utilizadores finais que façam com que as tecnológicas invistam tanto como investiram noutras línguas, e é aquilo que vai permitir que a banca esteja em todo o momento e em todo o lado. Amanhã tenho de ser capaz de virar-me para o meu interruptor de casa e perguntar- -lhe o meu saldo bancário».