“Aqui, o problema é que já não há Portugal como espaço político”. As reflexões de um politólogo sobre a Democracia no mundo, no Dia Internacional que a celebra

Este domingo, dia 15 de setembro, assinala-se o Dia Internacional da Democracia e, a propósito da data, a Executive Digest foi falar com José Adelino Maltez, professor universitário, investigador de ciência política, para uma análise e um diagnóstico muito próprio do politólogo em relação ao estado da democracia no mundo, e particularmente em Portugal.

Assinalamos o Dia Internacional da Democracia este ano com um panorama global ‘complicado’… temo guerras e conflitos, os dois maiores na Ucrânia e em Gaza… Temos no horizonte próximo eleições nos EUA, depois de eleições europeias este verão… Qual é o estado atual da Democracia do mundo? Serão as eleições norte-americanas um teste mundial ao estado da Democracia e à força dos regimes democráticos no resto do mundo?

Quando a palavra ‘democracia’ começou a ser dita e pensada, já lá vão 25 séculos, quem for ler os primeiros ditos pensadores da democracia, verificará que ao deste tempo, está exatamente na mesma. Isto é, tem virtudes e tem defeitos, que são assinalados desde nascença. Portanto, nada de estranhar, é um estado de coisas, que como as coisas humanas, umas vão para um lado e outras para outro. O problema principal do nosso tempo é que pegámos numa reflexão surgida ali no Mediterrâneo, na Grécia, e dissemos que todo o mundo tinha de usar o mesmo fato, vivesse no deserto ou no frio do Ártico!

Quando fizemos esta operação de propagação da mesma ideia em todo o lado, não digo que deixou de ter valor, perdeu foi a autenticidade, porque ela tem de ter raízes culturais, raízes comunitários. O que é que estamos a assistir? Estamos a ver um, não é declínio, mas um problema da mistura… Ela tem que se tornar mistura de várias culturas para poder sobreviver. Quanto tempo é que isso demora? 100 anos é pouco… Portanto, o que temos é um caldeamento das ideias gregas, que têm de ser africanas, japonesas, portuguesas…

Agora, dizermos que nas guerras não há democracia… Às vezes, quanto mais democrático é um país, mais guerra ele quer contra outro… Porque sente o dirigente desse país em guerra que é sufragado pelo povo, e o povo quer mais guerra – é isto que se passa entre Ucrânia e a Rússia. O que demonstra que, se a democracia trouxesse a paz, viveríamos há 25 séculos sem guerra: o que não aconteceu nem irá acontecer.

Cada um tem o seu conceito de democracia, e doutrinar que a boa democracia é a que nós pensamos, não é democrático. Apetece repetir o que se infere de algumas palavras de Rousseau, “a democracia nunca existiu nem vai existir”… A democracia é como o melhor regime, é um exercício de procura da perfeição. Nunca se atinge, mas nem por isso não deixa de ser um bom regime, porque é precisamente feito para nunca se atingir. Pelo que podemos sempre, em nome da democracia, criticar a democracia. E não esquecer que é uma coisa ocidental, mediterrânica e do pensamento: outro problema que tem, é passar do pensamento à prática, vivermos como pensamos ou como dizemos pensar.

E em Portugal? Celebrámos este ano os 50 anos do 25 abril. Qual é o Estado das coisa no nosso ‘cantinho? Temos um Governo minoritário que vai tentar aprovar um Orçamento… Será o maior desafio democrático que enfrentar´(até agora)?

A democracia não rima com contabilista [risos], e não se instalou um dia no Largo do Carmo com um Cravo… A Democracia em Portugal de certa maneira existe, e talvez seja o melhor regime que temos desde 1820, mas não foi feita nesse dia, nem nesse ano. Lembro-me que os piores atentados que vi à democracia, além da ditadura, foi depois do 25 de Abril. Portanto, ela conseguiu, como a entende o mundo ocidental, uma conquista à posteriori. Consegue-se quando se desenha uma constituição, quando se elege um presidente, quando há eleições livres e competitivas…

É bom dizê-lo e repeti-lo: há muita gente que acha que a democracia veio em cima de uma metralhadora ou de um chaimite. Qualquer coisa como o 25 de Abril é um ato de força, tinha lá uma metralhadora, de facto, mas só depois é que a liberdade emergiu e foi medida, pelo voto. Só com o pós-revolução, a partir de 1976. Eu nisso sou teimoso, e não gosto de revoluções, porque acho que as democracias não se dão bem com revoluções.

A democracia, na sua dimensão de liberdade, é um ato pessoal e intransmissível.

Passados este anos, quais os principais desafios que ainda enfrenta a democracia, na sua construção plena em Portugal?

Este é o melhor regime que o Portugal teve, e não consta que haja presos políticos, que as proibições de pensar sejam muitas… Há uma certa previsibilidade, há fronteiras abertas, tudo passa, os presos fogem… Pela experiencia a malta gosta mais disto do que outras coisa.

Aqui, o problema é que já não há Portugal como espaço político. A democracia de Portugal é parte integrante da democracia europeia e da liberdade ocidental. É uma virtude e um defeito. Estamos num espaço que tem e exige democracias. E esse espaço vai além de Vilar Formoso. Que é alguma coisa que consolida a democracia, e nos faz comungar dos mesmos valores dos vizinhos e amigos. E neste sentido é mais ampla do que a fronteira de uma nacionalidade, é um valor comum.

É uma questão de equilibro identitário e de espaços maiores do que as nações, da Europa e do Ocidente.

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