A mentira no investimento (ou “despesa”) com medicamentos!

Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Fico algo surpreso com os dados que vêm a público sobre a despesa com medicamentos, nomeadamente em relação à posição silenciosa do regulador do setor. Compreendo que o Sr Ministro da saúde não conheça estes dados em detalhe quando vê um jornal nacional, reportar há alguns dias, que os “Hospitais do SNS batem recorde de gastos em medicamentos: 1.850 milhões de euros nos primeiros 11 meses de 2023”. Só que estes dados não são reais. São valores sobredimensionados que não refletem a totalidade do valor dos contributos das empresas para a sustentabilidade do SNS.

Quem está no setor sabe, que de forma a garantir a “sustentabilidade do SNS”, o Sr Dr Manuel Pizarro, na prossecução do superior interesse público,  assinou em 2023 (assim como em anos anteriores) um protocolo com a Indústria farmacêutica (IF) em que esta paga (devolve ao estado) uma contribuição extraordinária (percentagem pela despesa pública com medicamentos). Percentagem essa elevada do investimento (“gastos”) reportado acima de -18% do valor que deva ser retirado ao valor acima referido.

A este valor acresce outro, que tem a ver com os contratos de financiamento assinados com a autoridade do medicamento quando este é aprovado. Estes contratos estabelecem um número de doentes que o estado está disposto a tratar por ano. Mas a todos os doentes a quem os profissionais de saúde prescrevem estes medicamentos, são administrados. Se se ultrapassar o número definido pelo contrato que o estado está disposto a pagar, quem paga os custos totais do medicamento é a IF. Estimo este valor em -14% do valor acima referido, valor  que deveria ser retirado aos ditos “gastos”.

Acresce ainda que a legislação exige que exista acesso à inovação terapêutica de imediato quando esta é submetida para aprovação na autoridade do medicamento. Mesmo sem existir acordo de financiamento, os doentes têm acesso aos mesmos. Quem suporta este programa (Programas de Acesso Precoce – PAPs) e os custos dos tratamentos é a IF. No acumulado em 2023 estariam ativos cerca de 140 processos de PAPs, que abrangem cerca de 1.600 doentes (cerca de 75% destes processos já com custos).  Ou seja há 1.600 doentes com tratamentos inovadores de valor elevado cujo tratamento é suportado na integra pela IF. Se estimarmos um valor médio por doente, diria que este valor corresponde a cerca de -3% do valor acima referido.

Só até aqui já podemos retirar -35% ao valor acima referido (cerca de -640 milhões de euros). Nem estamos a considerar o financiamento completamente coberto por taxas pagas pela IF e outras entidades que atuam neste setor ao regulador em cerca de 65 milhões de euros anuais (ano de 2022). Ou seja são -4% do valor acima referido.

Finalmente o aumento da atividade assistencial com mais custos naturalmente face a 2022: +13% de consultas nos cuidados de saúde primários, +9% de consultas em ambiente hospitalar e +23% de cirurgias programadas. Esta recuperação da atividade assistencial implica mais tratamentos e mais investimento com medicamentos.

Portanto existe aqui uma “mentira” e desconhecimento total do que faz a IF e do investimento no setor do medicamento. Desconhecimento total da importância que o Sr Ministro da saúde teve no seu papel de promover um protocolo em 2023 com a IF de forma a garantir a sustentabilidade do SNS e fazer poupanças gigantescas no orçamento com medicamentos.

Em paralelo a IF defende um sistema de “Pay per Performance” em que o estado apenas pagaria pelos resultados atingidos com os medicamentos financiados. Mas infelizmente não existe um sistema informático que permita ter estes dados, responsabilidade essa do estado.

Finalmente só em 2021 é que o investimento com medicamentos no SNS (deduzida) ultrapassou o valor registado há 12 anos (no tempo da “Troika”). Sem este protocolo e acordo, não existiria equilíbrio e em paralelo, quem ficaria prejudicado é sempre o cidadão!

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