Massachusetts Institute of Technology: Maçãs podres ou líderes podres?

A nossa pesquisa sugere que, surpreendentemente, esta visão do desvio no local de trabalho é, muitas vezes, falaciosa. Descobrimos que os líderes têm um forte efeito sobre se os colaboradores se envolvem em comportamentos desviantes. Assim, quando os colaboradores agem mal, os seus líderes deveriam dar um passo atrás e considerar se e como podem ser cúmplices desse comportamento.
Os desvios no local de trabalho incluem comportamentos dos colaboradores que violam as normas organizacionais, ameaçando o bem-estar das empresas e dos seus trabalhadores. Por vezes, estes comportamentos são dirigidos a indivíduos, como quando um colaborador é física ou verbalmente atacado por um colega, ou quando coscuvilha com colegas de trabalho. Outras vezes, estes comportamentos desviantes são dirigidos a uma organização, como quando um colaborador rouba bens do local de trabalho, ou divulga informações confidenciais da empresa. As consequências do desvio no local de trabalho incluem perda de produtividade e de inventário, bem como uma série de outras despesas que acabam por custar às organizações milhares de milhões de euros anualmente.
Alguns líderes desvalorizam o desvio no local de trabalho como um efeito secundário inevitável de colaboradores apáticos ou rebeldes que não se preocupam ou não gostam activamente dos seus colegas ou empregadores. Estas maçãs podres existem de facto. A pesquisa mostra que os colaboradores com baixos traços de personalidade, consciência e agradabilidade são mais propensos a desvios no local de trabalho. Tal como os colaboradores que exibem marcadores de personalidade socialmente malévolos, referidos como a tríade negra: maquiavelismo, narcisismo e psicopatia.
Dadas estas descobertas, é fácil concluir que o argumento da “maçã podre” faz sentido. O problema é que as pesquisas sobre o papel da personalidade no desvio no local de trabalho não tem em conta o papel que os líderes desempenham no comportamento dos colaboradores.

CHEGAR À RAIZ DO PROBLEMA

Para investigar mais amplamente os indicadores de desvio no local de trabalho, realizámos uma meta- -análise abrangente da pesquisa sobre o desvio no local de trabalho. O nosso estudo baseou-se em dados de 235 estudos individuais com um total de 66 990 inquiridos para examinar a multiplicidade de relações que os investigadores identificaram entre o desvio no local de trabalho e os vários factores que contribuíram para isso. Conseguimos usar estes dados para avaliar os efeitos tanto da personalidade como dos comportamentos de liderança para compreender melhor como cada um é indicador de desvios no local de trabalho.
As nossas conclusões indicam que a supervisão abusiva – uma das muitas formas de liderança destrutiva que prevalecem no local de trabalho – é, pelo menos, um indicador tão forte de desvio no local de trabalho como a personalidade do colaborador. A supervisão abusiva é definida como a percepção, por parte dos subordinados, de uma hostilidade na supervisão, excluindo o contacto físico. Como conjunto de comportamentos, a supervisão abusiva inclui líderes que recordam aos subordinados os seus fracassos passados, que os humilham à frente dos outros, e que lhes mentem.
Além disso, tal como os actos de desvio no local de trabalho dos colaboradores aumentam à medida que os líderes se tornam mais destrutivos, os comportamentos benéficos de cidadania começam a diminuir. Ou seja, os colaboradores caracteristicamente bons podem enveredar pelo “quiet quitting” – retendo comportamentos positivos, tais como ajudar os outros e executar tarefas fora da sua descrição imediata de funções – quando pensam que trabalham com supervisores abusivos.
Adicionalmente, embora alguma percentagem de colaboradores possa ser inerentemente propensa a desvios no local de trabalho, suspeitamos que seria raro encontrar grandes grupos destes colaboradores num único local em qualquer altura. É lógico que quanto maior for o número de colaboradores a comportarem-se mal, maior é a probabilidade de os seus líderes serem a raiz do problema, principalmente devido a comportamento abusivo.
Sabendo tudo isto, os líderes astutos deveriam questionar-se sobre o papel que desempenham, por mais involuntário que seja, no incentivo aos colaboradores para se envolverem em desvios no local de trabalho.

LIGAR ALVOS A MOTIVAÇÕES

Os líderes podem acreditar que estão isentos de culpa se o desvio dos seus colaboradores não for dirigido directamente a eles, mas não é esse o caso. Os colaboradores podem agir contra os líderes, organizações ou colegas (ou uma combinação deles). Os alvos do seu mau comportamento são geralmente bastante fáceis de identificar: envolver-se em insubordinação e não seguir instruções sugere que os líderes são o alvo; roubar material de escritório e sabotar equipamento da empresa sugere que a organização é o alvo; e insultar ou embaraçar colegas de trabalho sugere que os colegas são o alvo.
De facto, por vezes, o alvo óbvio é a verdadeira fonte de qualquer problema contra o qual o colaborador age. Numa meta-análise separada em que examinámos a supervisão abusiva e o desvio no local de trabalho de forma mais ampla, constatámos que esta relação é particularmente forte quando o alvo do desvio no local de trabalho é o líder.
No entanto, é possível que os colaboradores vejam os seus líderes como representantes da organização e, consequentemente, actuem contra a organização por tolerar, permitir ou promover um líder abusivo. É também possível que alguns colaboradores estejam demasiado nervosos para considerarem agir contra os seus líderes ou organizações, por medo de sofrerem mais abusos ou serem despedidos, entre outras consequências potenciais. Estes indivíduos podem aceitar todos esses abusos e depois deslocar as suas respostas negativas, atacando em vez disso os colegas.
A questão é que, independentemente do alvo do desvio no local de trabalho, é ainda possível que os líderes sejam a causa principal. De facto, noutra meta-análise, descobrimos que a supervisão abusiva estava quase igualmente associada a desvios no local de trabalho dirigidos a pessoas e organizações.
Isto não significa que os líderes estejam sempre por detrás das motivações ilícitas dos colaboradores, mas desempenham um papel mais frequentemente do que pensam – ou do que admitem. Os líderes experientes compreendem que não podem ignorar o papel que podem desempenhar no desvio dos seus colaboradores, simplesmente porque os colaboradores não os visam directamente.

ENCONTRAR O PONTO DE INFLAMAÇÃO

Os líderes que queiram compreender melhor o papel que, caso o façam, podem estar a desempenhar para provocar desvios no local de trabalho, podem dar dois passos iniciais. Primeiro, devem deixar de generalizar o mau comportamento como sendo indicativo de uma maçã podre. Em segundo lugar, devem parar um momento antes de responder a actos de desvio. Nessa pausa, devem tentar identificar exactamente o que motivou o comportamento do colaborador. Qual foi o ponto de inflamação? Houve alguma discussão? O colaborador sentiu-se menosprezado ou envergonhado pelo líder?
Lembre-se de que a percepção de abuso de um colaborador pode ser tão poderosa como a sua realidade. Cada colaborador determina o que considera abusivo, pelo que existe um problema inerente à tentativa de o definir: os comportamentos dos líderes não podem ser considerados universalmente positivos ou negativos, porque os colaboradores filtram e julgam cada comportamento de forma independente. Mas o problema da percepção também comporta um benefício: reforça a noção de que os líderes devem desenvolver relações individuais com os seus subordinados, e não liderar uma organização de colaboradores sem rosto que agem e se comportam da mesma forma.
Assim, é imperativo que os líderes considerem se os seus subordinados poderiam ter interpretado as suas palavras ou acções como abusivas. Em vez de se assegurarem de que nenhum colaborador se deve sentir magoado pelo que fizeram ou disseram, o líder deve perguntar ao colaborador o que motivou o mau comportamento.
É claro que é possível que o ponto de inflamação não esteja relacionado com o líder e possa ter resultado de uma decisão ou política organizacional, ou de acções de colegas de trabalho.
É igualmente importante determinar estes pontos de inflamação; mesmo políticas que são decretadas de boa-fé podem ser mal orientadas e vistas como prejudiciais pelos colaboradores. Quando os líderes procuram pontos de inflamação, têm mais hipóteses de chegar ao fundo do desvio no local de trabalho e talvez impedi-lo no futuro.
É fácil pôr as culpas do desvio no local de trabalho nas maçãs podres, mas a nossa pesquisa sugere que, ao fazê-lo, descarta outra causa provável: os próprios líderes. Os grandes líderes inspiram os colaboradores a terem um bom desempenho. A redução da frequência e do impacto dos desvios no local de trabalho é uma parte importante desse trabalho.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 203 de Fevereiro de 2023

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