Como as gerações anteriores influenciam as nossas decisões
Os investigadores sabem muito sobre a forma como as pessoas se comportam com gerações futuras, e porquê. Se continuar a ler vai ficar a saber como gerir melhor os dilemas geracionais
Nos últimos 18 anos, estudos identificaram as barreiras psicológicas que definiram dilemas geracionais, como a altura em que uma geração actual tem de desistir de benefícios em nome das futuras gerações. Descobrimos que a questão da gestão e do legado, por exemplo, pode guiar o modo como os cidadãos demonstram generosidade para com as gerações futuras.
Mas não sabemos o suficiente sobre a forma como as gerações anteriores influenciam as nossas decisões actuais.
Eis a sua importância: muitas histórias dos nossos antepassados foram criadas para fazer com que os novos ouvintes não cometessem erros do passado. Contudo, numa era em que o mais aproximado dos contos modernos são as TED Talks, será que as organizações correm o risco de perder o contacto com as lições do passado? Numa altura de grandes mudanças tecnológicas, que exigem reflexão e uma cultura empresarial clara, além de propulsão criativa, é uma pergunta fundamental.
O EFEITO HERDADO E O PODER EMOCIONAL DA NARRATIVA
Para examinar esta questão e compreender melhor como as empresas podem usar as suas próprias narrativas para fortalecer as suas culturas, eu e Cat Owsik, minha aluna de doutoramento, andamos a explorar aquilo a que chamamos de “efeito herdado” – o estado emocional quando pensamos nas acções das gerações anteriores.
Antes de Cat Owsik ter vindo trabalhar comigo na Iniciativa de Ciências Comportamentais Convergentes, na Universidade da Virgínia, trabalhou com grupos autóctones no Canadá, o que se tornou uma experiência particularmente apta para estudar o efeito herdado tendo em conta o poderoso efeito que as tradições orais têm na forma como os membros das Primeiras Nações se comportam. Nestes grupos, as histórias do passado tendem a apoiar uma profunda ligação à terra e ao ciclo fundamental da vida humana. O que faz sentido, tendo em conta a relevância dos factores naturais na sobrevivência dos grupos indígenas.
Essencialmente, o efeito herdado não só implica o valor de lições específicas, como também liga gerações ao longo do tempo para um fim comum, como a sobrevivência. Transmite a sensação de reciprocidade e de parceria intergeracional que maximiza o bem-estar colectivo.
Esse processo é tão essencial para a promoção de sobrevivência humana que todas as culturas têm narrativas que foram tradicionalmente passadas das gerações anteriores até aos dias de hoje – Ícaro a voar demasiado perto do sol e a derreter as asas; a criança holandesa que colocou o dedo no dique e salvou a Holanda com os seus esforços solitários; o imperador sem roupas a que apenas uma criança teve a coragem de dizer “o rei vai nu”.
Estas são histórias que transmitem verdadeiras lições para as gerações futuras: sigam o conselho dos mais velhos e não sejam imprudentes. Assumam a responsabilidade, mesmo que pensem ser demasiado pequenos para serem importantes. Lembrem-se que nem tudo o que é contado é real. As histórias do passado, verdadeiras ou míticas, afectam o nosso comportamento e forma de pensar actuais, o que por sua vez molda o nosso futuro colectivo.
AS HISTÓRIAS ORIGINAIS MOLDAM A NOSSA CULTURA
Algumas empresas aproveitam a prática das narrativas usando as origens dos seus fundadores como ferramenta para fortalecer culturas organizacionais. Richard Branson, fundador da Virgin, reconta a história de a sua mãe o ter atirado fora do carro quando tinha seis anos por se estar a portar mal, um momento que lhe ensinou o valor da independência e do risco. Elon Musk, co-fundador e CEO da Tesla, relembra ler livros de ficção-científica durante mais de 10 horas por dia quando tinha oito anos de idade, além de construir foguetões e explosivos (com pouca supervisão de adultos). Tal como acontece no mundo dos super-heróis, uma história sobre as origens é parte do que guia uma pessoa a tomar decisões ao longo do tempo e para um final significativo.
Nos negócios, isto traduz-se na utilização de objectivos e investimentos de longa data que se alinham com os principais valores. Mas cada vez é mais difícil fazer com que histórias e objectivos claros sejam transmitidos nas organizações. Os colaboradores movem-se mais depressa entre empresas do que acontecia há décadas, deixando pouco tempo para transmitir a mitologia organizacional. As tradições orais arriscam-se a ficar submergidas pela comunicação digital informal, como os textos e os chats.
Manter os olhos no passado é crucial, principalmente para empresas que passaram por restruturações substanciais devido a fusões ou aquisições, ou por alterações dramáticas nos mercados devido a desregulação, choques económicos ou o risco de se tornar tecnologicamente obsoleta. Sem ligações ao passado, a organização não tem qualquer objectivo que a guie. Pior, pode prejudicar o bem-estar colectivo.
AS NARRATIVAS PODEM DAR ORIGEM A INDIGNAÇÃO MORAL OU A AFECTO
Ao explorar este tópico, comecei a pensar profundamente no efeito das gerações anteriores ao ter em conta como as pessoas reagem ao mau trato. Vejamos o exemplo das praxes. Escândalos proeminentes nas últimas décadas levaram à condenação geral dos rituais de iniciação que incutem humilhação e desgaste físico. Em particular, a indignação moral que nasceu dessas práticas mudou a forma como as instituições avaliam e controlam o tratamento dos recém- -chegados, como os caloiros universitários ou os cadetes militares.
Com efeito, as gerações anteriores, através da descrição das suas acções, fizeram com as actuais gerações se sentissem moralmente indignadas. Esta emoção, por sua vez, influenciou o modo como as pessoas agem com as futuras gerações. Sabemos também a partir de pesquisas existentes que as intenções das gerações anteriores são importantes. Quando sabemos que as gerações anteriores tencionavam agir generosamente, tendemos a fazer o mesmo e agimos generosamente com futuras gerações. Curiosamente, isto ocorre independentemente do resultado real que herdamos.
Em conjunto, estas descobertas são intrigantes: implicam que aprender sobre o comportamento e as intenções de gerações anteriores pode dar origem a emoções duradoiras e catalisar trajectórias de acção sustentáveis. A lição para as empresas é que as histórias têm o seu valor para moldar comportamentos.
A Amazon, por exemplo, tentou proteger a natureza distinta da empresa de calçado Zappos, que adquiriu em 2009, ao mantê-la por perto. A Zappos permaneceu uma entidade independente e manteve o seu instinto para a peculiaridade e o amor aos seus clientes. Através de histórias, como a do colaborador do apoio ao cliente que esteve com um cliente ao telefone durante mais de 10 horas, os colaboradores transmitem os valores da empresa e a forma como se sentem em relação a eles. A Zappos aproveitou esta tradição ao desenvolver publicidade com base em histórias verdadeiras envolvendo os clientes. À semelhança de outras empresas como a Nordstrom e a Southwest, que têm tradições narrativas, a Zappos usou histórias do passado para revigorar a sua capacidade de criar um futuro brilhante.
Mais empresas deveriam tornar-se contadoras de histórias. A Zappos, a Nordstrom e a Southwest são bons exemplos. Se olharmos para as histórias como sistemas de comunicação que conseguem transmitir a mais benevolente das intenções é fácil compreender porque é que o efeito herdado pode afectar o comportamento actual. Aquilo que sentimos sobre as acções das pessoas que viveram antes fazem-nos agir com compaixão para com as gerações futuras. Na ausência de narrativas intergeracionais, ficamos a pensar no que nos deixaram as gerações anteriores sem as ferramentas emocionais para abordar o futuro com propósito e generosidade.