Beneficiários efectivos passam a ter rosto

por Isabel Silva, Tax Manager da Conceito.

 

As novas medidas preventivas de combate ao branqueamento de capitais  ao financiamento do terrorismo criam obrigações para as empresas, impondo o dever de identificação do beneficiário efectivo.

 

A Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que entrou em vigor em 17 de Setembro de 2017, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, impondo o dever de identificação do beneficiário efectivo e de consulta periódica das informações constantes do registo central desse beneficiário, bem como de comunicação de quaisquer desconformidades ao Instituto de Registo e Notariado.

 

Quem é o beneficiário efectivo?

 

Os beneficiários efectivos são a pessoa ou pessoas singulares que, em última instância, detêm a propriedade ou o controlo do cliente e/ou a pessoa ou pessoas singulares por conta de quem é realizada uma operação ou actividade, de acordo com os critérios especificamente previstos na lei.

 

Consideram-se beneficiários efectivos das entidades societárias, quando não sejam sociedades com acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, as seguintes pessoas:

 

  • A pessoa ou pessoas singulares que, em última instância, detêm a propriedade ou o controlo, directo ou indirecto, de uma percentagem suficiente de acções, ou dos direitos de voto ou de participação no capital de uma pessoa colectiva;
  • A pessoa ou pessoas singulares que exercem controlo por outros meios sobreessa pessoa colectiva;
  • A pessoa ou pessoas singulares que detêm a direcção de topo, se, depois de esgotados todos os meios ossíveis e na condição de não haver motivos de suspeita (i) não tiver sido identificada nenhuma pessoa segundo os critérios acima, ou (ii) subsistirem dúvidas de que a pessoa ou pessoas identificadas sejam os beneficiários efectivos.

 

Para aferição da qualidade de beneficiário efectivo, quando o cliente for uma entidade societária, as entidades obrigadas ao dever de identificação consideram, como indício de propriedade directa, a detenção de participações representativas de mais de 25% do capital social do cliente, por uma pessoa singular, entidade societária que esteja sob o controlo de uma ou várias pessoas singulares, ou várias entidades societárias que estejam sob o controlo da mesma pessoa ou das mesmas pessoas singulares.

No que respeita aos fundos fiduciários (trusts), consideram-se beneficiários efectivos o fundador (settlor), o administrador ou administradores fiduciários (trustees) de fundos fiduciários, o curador (se aplicável), os beneficiários ou, se os mesmos não tiverem ainda sido determinados, a categoria de pessoas em cujo interesse principal o fundo fiduciário (trust) foi constituído ou exerce a sua actividade ou, por último, qualquer outra pessoa singular que detenha o controlo final do fundo através de participação directa ou indirecta, ou de outros meios.

 

O Registo Central do Beneficiário Efectivo

As informações sobre os beneficiários efectivos são registadas no Registo Central do Beneficiário Efectivo (RCBE), cujo regime jurídico foi criado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de Agosto e que entrou em vigor a 19 de Novembro.

Este registo é constituído por uma base de dados, com informação relativa à pessoa ou às pessoas singulares que, ainda que de forma indirecta ou através de terceiro, detêm a propriedade ou o controlo efectivo das entidades a ele sujeitas, gerida pelo Instituto dos Registos e do Notariado.

A Lei 89/2017 impõe, desde logo, a obrigação de identificação dos beneficiários efectivos nos documentos de constituição de sociedades comerciais.

Obriga também as sociedades comerciais a manter um registo actualizado dos elementos de identificação dos sócios, com discriminação das respectivas participações sociais, das pessoas singulares que detêm, ainda que, de forma indirecta ou através de terceiro, a propriedade das participações sociais, ou de quem, por qualquer forma, detém o respectivo controlo efectivo, e do representante fiscal, quando exista. O incumprimento deste dever constitui contra-ordenação punível com coima de 1.000 a 50 mil euros.

Para a manutenção do registo actualizado os sócios são obrigados a informar a sociedade de qualquer alteração aos elementos de identificação, no prazo de 15 dias a contar da data da mesma. O incumprimento injustificado desta obrigação pelo sócio, depois de interpelado pela sociedade para o fazer no prazo máximo de 10 dias, permite a amortização das respectivas participações sociais.

Para além das sociedades comerciais, ficam também obrigadas ao RCBE as associações, cooperativas, fundações, sociedades civis e outros entes colectivos personalizados, sujeitos ao Direito português ou ao Direito estrangeiro, que exerçam actividade ou pratiquem acto ou negócio jurídico em território nacional, que determine a obtenção de um número de identificação fiscal (NIF) em Portugal, bem como as representações de pessoas colectivas internacionais ou de Direito estrangeiro que exerçam actividade em Portugal, outras entidades que, prosseguindo objectivos próprios e actividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica e os trusts e as sucursais financeiras exteriores registadas na Zona Franca da Madeira.

Admitem-se, no entanto, algumas exclusões do âmbito de aplicação do RCBE, entre as quais se destacam: as sociedades com acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, des de que sujeitas a requisitos de divulgação de informação consentâneos com o Direito da União Europeia ou a normas internacionais equivalentes, os consórcios e os agrupamentos complementares de empresas e os condomínios, quanto a edifícios que se encontrem constituídos em propriedade horizontal, desde que o seu valor patrimonial global não exceda dois milhões de euros e não seja detida uma permilagem superior a 50% por um único titular, por contitulares ou por pessoas singulares que se devam considerar seus beneficiários efectivos.

A declaração da informação relativa aos beneficiários efectivos cabe aos membros dos órgãos de administração das sociedades e à pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de administrador fiduciário ou, quando este não xista, ao administrador de direito ou de facto. Estas entidades podem fazer-se representar por advogados, notários e solicitadores e por contabilistas certificados, em decorrência da declaração de início de actividade, ou no âmbito da obrigação de entrega da Informação Empresarial Simplificada.

A primeira declaração inicial relativa ao beneficiário efectivo deve ser efectuada no prazo a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça. Relativamente aos instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira, outros fundos fiduciários sujeitos ao RCBE e centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares àqueles fundos fiduciários, além da informação sobre a entidade e o declarante, também deve ser objecto de declaração a de outras informações (ver caixa).

 

Beneficiário Efectivo

A declaração do beneficiário efectivo deve conter a informação relevante sobre:

  • A entidade sujeita ao RCBE;
  • No caso de sociedades comerciais, a identificação dos titulares do capital social, com discriminação das respectivas participações sociais;
  • A identificação dos gerentes, administradores ou de quem exerça a gestão ou a administração da entidade sujeita ao RCBE;
  • Os beneficiários efectivos;
  • O declarante.

 

Instrumentos de Gestão Fiduciária

 

  • Os fundos fiduciários, além da informação sobre a entidade e o declarante, também deve ser objecto de declaração a informação sobre:
  • O fundador ou instituidor;
  • O administrador ou os administradores fiduciários e, se aplicável, os respectivos substitutos, quando sejam pessoas singulares;
  • Os representantes legais do administrador ou dos administradores fiduciários, quando estes sejam pessoas colectivas;
  • O curador, se aplicável;
  • Os beneficiários e, quando existam, os respectivos substitutos;
  • Qualquer outra pessoa singular que exerça o controlo efectivo.

Os dados a recolher na declaração do beneficiário efectivo são vastos, e variam em função da natureza da entidade.

Nos casos em que o beneficiário efectivo seja não residente, deve também ser indicado o nome, morada completa e NIF do representante fiscal, quando exista.

A obrigação declarativa é cumprida através do preenchimento e submissão de um formulário electrónico, ou, alternativamente, num serviço de registo, mediante o preenchimento electrónico assistido, juntamente com o pedido de registo comercial ou de inscrição de qualquer facto no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas. A declaração inicial do beneficiário efectivo é sempre efectuada com o registo de constituição da sociedade ou com a primeira inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, consoante se trate ou não de entidade sujeita a registo comercial.

A informação constante no RCBE deve ser actualizada no mais curto prazo possível, sem nunca exceder 30 dias, contados a partir da data do facto que determina a alteração, e deve ser confirmada anualmente, através da Informação Empresarial Simplificada até ao dia 15 do mês de Julho.

Parte da informação recolhida no RCBE será disponibilizada publicamente em página electrónica, com níveis de acesso diferenciados em função da natureza do utilizador.

 

Consequências por Incumprimento

 O incumprimento das obrigações inerentes ao RCBE impede as entidades de:

 

  • Distribuir lucros do exercício ou fazer adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício;
  • Celebrar contratos de fornecimentos, empreitadas de obras públicas ou aquisição de serviços e bens com o Estado e entidades públicas;
  • Concorrer à concessão de serviços públicos;
  • Admitir à negociação em mercado regulamentado instrumentos financeiros representativos do seu capital social;
  • Lançar ofertas públicas de distribuição de quaisquer instrumentos financeiros por si emitidos;
  • Beneficiar dos apoios de fundos europeus estruturais e de investimento e públicos;
  • Intervir como parte em qualquer negócio que tenha por objecto a transmissão da propriedade de bens imóveis a título oneroso ou gratuito;
  • A prestação de falsas declarações para efeitos de registo do beneficiário efectivo faz incorrer em responsabilidade criminal por crime por falsas declarações, bem como em responsabilidade civil pelos danos causados.

 

DECLARAÇÃO DO BENEFICIÁRIO EFECTIVO

 

Entidade ou Titulares das Participações Sociais que Sejam Pessoas Colectivas

 

  • Número de identificação de pessoa colectiva (NIPC) atribuído em Portugal.
  • Para entidades não residentes o NIF ou número equivalente emitido pela autoridade competente da jurisdição de residência.
  • Firma ou denominação.
  • Natureza jurídica.
  • Sede, incluindo a jurisdição de registo, no caso das entidades estrangeiras.
  • Código de actividade económica (CAE).
  • Identificador único de entidades jurídicas (Legal Entity Identifier), se aplicável.
  • Endereço electrónico institucional.

 

Beneficiário Efectivo e Fundadores, Instituidores, Administradores Fiduciários, Representantes Legais que Sejam Pessoas Singulares

 

  • Nome completo.
  • Data de nascimento.
  • Nacionalidade(s).
  • Morada completa de residência permanente, incluindo o país.
  • Dados do documento de identificação.
  • NIF, se aplicável.
  • NIF emitido pelas autoridades competentes do Estado(s) da sua nacionalidade, no caso de cidadão estrangeiro.
  • Endereço electrónico de contacto, se existir.

 

Declarante

 

  • Morada completa de residência permanente ou do domicílio profissional, incluindo o país.
  • Dados do documento de identificação ou da cédula profissional.
  • NIF, se aplicável.
  • Qualidade em que actua.
  • Endereço electrónico de contacto, se existir.

Artigo publicado na revista Risco n.º 7 de Dezembro 2017/Janeiro 2018