A ciência de dados ao serviço do sector financeiro

A implementação de algoritmos de machine learning (ML) e de inteligência artificial (IA) no cenário financeiro já é uma realidade e possui um enorme potencial para transformar o sector.

por Jorge Baião, CIO do Grupo Crédito Agrícola

As soluções baseadas em IA estão focadas nas necessidades cruciais do sector financeiro moderno, em matérias como automação de processos, risco operacional, risco de crédito, integração de dados em tempo real e aplicações em cibersegurança e fraude, entre outras. A adopção de IA e suas aplicações permite à indústria criar um ambiente financeiro melhor e mais envolvente para os seus colaboradores e, mais importante ainda, para os seus clientes.

Podemos entender ML como um subconjunto das ciências de gestão e exploração de dados que usa modelos estatísticos para extrair insights e fazer previsões. A magia das soluções de ML é que aprendem com a experiência sem serem explicitamente programadas. Para simplificar, é necessário seleccionar os algoritmos e alimentá- -los com dados. Em seguida, o modelo ajusta automaticamente os seus parâmetros para melhorar os resultados. O modelo funciona como um processo e automaticamente fornece resultados baseados no conjunto de dados utilizados e na forma como foi treinado. Os especialistas em ciência de dados podem desenhar modelos ou algoritmos com a frequência necessária para mantê-los actualizados e eficazes.

O sucesso de um projecto de ML apresenta enormes desafios e, para além da dependência da construção de uma infra-estrutura tecnológica eficiente, da recolha de conjuntos de dados adequados e de qualidade, bem como da aplicação dos algoritmos certos, requer uma abordagem metodológica pragmática onde é obrigatório desenvolver expectativas muito realistas sobre os seus resultados e a sua variação ao longo do tempo e monitorizar o conjunto de investimentos a realizar, incluindo a aquisição de novas competências e capacidades.

Os dados são o núcleo de qualquer modelo de ML e devem ser fornecidos de forma a que os algoritmos os entendam. Muitos bancos e seguradoras estão a transformar a sua cultura de gestão para uma maior importância e orientação ao conhecimento e aos dados, adoptando estratégias adequadas e empregando esforços contínuos para obterem maior conhecimento dos clientes, da sua operação e do mercado em que actuam. O sector financeiro em todo o mundo está a desenvolver departamentos de ciência de dados, a implementar as tecnologias necessárias e a integrar competências- -chave, tais como cientistas de dados, engenheiros de dados, especialistas em visualização e gestores de dados.

A ciência dos dados é um domínio relativamente novo. A maioria dos profissionais tem apenas alguns anos de experiência e provém das tecnologias de informação e da formação em desenvolvimento de software. Um grupo relativamente pequeno de profissionais apresenta- se já com uma base analítica. Há escassez de profissionais com conhecimento e experiência adequados para orientar e liderar equipas de ciência de dados. Um cientista de dados precisa de compreender o problema do negócio, converter o problema num caso de uso, analisar a viabilidade do caso, orientar a equipa para a solução, e extrair insights resultantes da solução para a sua posterior utilização.

Os especialistas do negócio bancário estão mais focados na operacionalidade e nos objectivos de negócio e menos conscientes dos aspectos quantitativos e tecnológicos das suas necessidades. Isto cria uma barreira de comunicação entre os cientistas de dados e o negócio. Se, por um lado, se pretende que os cientistas de dados compreendam os problemas do negócio, por outro, estes enfrentam um desafio para comunicar a complexidade tecnológica e a novidade metodológica das suas abordagens. Como resultado, as equipas de negócios ficam insatisfeitas com o resultado de projectos de ML e menos interessadas em consumir os seus resultados.

Por mais difícil que seja para os cientistas de dados marcar dados e desenvolver modelos precisos de ML, gerir estes modelos em produção pode ser ainda mais assustador. Reconhecer a variação do modelo, a actualização constante das fontes de dados, melhorar o desempenho e manter as plataformas tecnológicas actualizadas são práticas importantes para a gestão de modelos de ML. Sem estas disciplinas, os modelos podem produzir resultados recorrentemente inesperados e erróneos.

Desenvolver modelos prontos para a sua aplicação em produção não é tarefa fácil. De acordo com um estudo sobre a utilização aplicada de ML, 50% das empresas ainda não implementaram modelos em produção. A sua aplicação traz novos desafios e cerca de 40% dos inquiridos reconhecem a dificuldade em gerir versões de modelos de ML e a sua reprodutibilidade.

Para além destes desafios colocados pelas novas utilizações dos dados e pelas aplicações inovadoras de IA, as rápidas alterações na regulamentação, as expectativas da sociedade em relação à utilização da IA e as regras impostas à utilização de dados pessoais – que são a matéria-prima essencial da IA – estão a criar pressões de conformidade e risco reputacional para um sector regulado, onde o ritmo de mudança acontece sem precedentes.

Nos últimos anos, e em bancos com grande maturidade na utilização de modelos de ML, esta tecnologia tem afectado cada vez mais uma vasta gama de tipos de risco, incluindo modelos, conformidade, riscos operacionais e legais, matérias reputacionais e regulamentares. Muitos destes riscos são novos e desafiantes nesta indústria, que conta com um historial de utilização generalizada da análise e gestão de modelos analíticos.

Construir capacidades de gestão de risco na utilização de modelos de ML a partir do zero tem as suas vantagens, mas também apresenta desafios. Sem uma estrutura legada para alavancar, os bancos devem apostar em arquitecturas de governance, conformidade e privacidade, muitas vezes sem competências internas, enquanto tentam construir capacidade rapidamente.

A introdução de mecanismos de gestão do risco por defeito permite que os cientistas de dados e os agentes do negócio construam modelos consistentes com os valores da organização, com as regras em vigor e com o seu apetite ao risco. A utilização de ferramentas, como a revisão e interpretação do modelo, a detecção de polarização e a monitorização do desempenho, é incorporada, de modo a que a supervisão seja constante e simultânea com as actividades de desenvolvimento dos algoritmos e de forma consistente em toda a organização. Nesta abordagem, os padrões, testes e controlos são incorporados em várias fases do ciclo de vida dos modelos de ML, desde a sua concepção, passando pelo desenvolvimento até à sua implementação e utilização.

Normalmente, os controlos para gerir o risco de natureza analítica são aplicados após o desenvolvimento da solução estar completo, i.e., a conformidade e validação de modelos normalmente começam quando o modelo está pronto para ser implementado. É fundamental que as equipas de risco e controlo se envolvam com equipas de negócio e os cientistas de dados no início do processo de idealização, para que compreendam os potenciais riscos e controlos para os mitigar. Uma vez que a solução está em produção, é também importante que as organizações financeiras compreendam as actualizações das fontes de informação, a integridade dos resultados que estão a ser produzidos e possuam processos automatizados para identificar e monitorizar as mudanças nos modelos.

Para implementar modelos de ML no sector financeiro e em escala, os bancos precisam de alavancar uma variedade de fontes de dados internas, externas e até não estruturadas, conectar-se a uma variedade de aplicações de fornecedores externos, em modelos SaaS, descentralizar a análise do desenvolvimento (com ferramentas, processos e outros recursos que ajudem a acelerar o processo de desenvolvimento), e trabalhar em equipas ágeis que incorporem as vertentes do negócio, a ciência de dados e especialistas em risco e controlo para desenvolver e actualizar rapidamente a análise na produção.

Estes requisitos tornam a implementação em larga escala mais complexa para áreas de risco e controlo tradicionais. Para a sua adequação, deverão integrar as suas avaliações e aprovações em abordagens ágeis ou baseadas em sprint, integrando o conhecimento de todos os stakeholders, para que se possam concentrar na revisão e conformidade, em vez de assumir a responsabilidade pelos testes e controlo de qualidade. Além disso, terão de reduzir os exercícios estáticos e, muitas vezes, únicos, de revisão de qualidade, e construir capacidade para monitorizar os modelos de forma dinâmica e contínua e apoiar os processos de desenvolvimento e actualização.

A IA e as componentes de ML estão a mudar os paradigmas de gestão em todas as indústrias e no sector financeiro em particular. As possibilidades são extraordinárias, mas as organizações só agora estão a entender o alcance destas novas tecnologias, novas abordagens à sua implementação e os novos riscos envolvidos.

As abordagens existentes assentes em infra-estrutura tecnológica de ponta com mecanismos de integração best-of-breed poderão ser um bom ponto de partida mas, sem modelos de governance robustos e a articulação contínua de negócio, tecnologia e dados e as funções de risco e controlo, as organizações podem não estar prontas para a implementação destas soluções de automação, em escala e ao ritmo marcado pelo mercado, esperado pelos líderes empresariais e em conformidade com os regulamentos e os códigos de conduta vigentes.

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