«Em 2021 a situação poderá ser ainda pior»
A Crédito y Caución actua na área de seguro de crédito num contexto de pandemia, em que praticamente todo o mundo enfrenta a proximidade de uma recessão. Paulo Morais, da Direcção Regional de Portugal e Brasil da Crédito y Caución, revela a sua visão sobre o evoluir da situação económica.
Com a informação disponível actualmente, como antevê a evolução do estado da economia em Portugal?
A pandemia de Covid-19 apanhou o mundo de surpresa. Apesar de algumas advertências, não estávamos preparados para um evento desta magnitude e com um impacto meteórico nas nossas vidas pessoais, no contexto social e na economia. A rapidez e, em especial, a abrangência mundial desta crise pandémica evidenciaram a extrema interconexão do mundo moderno e a fragilidade que essa interconexão pode representar. Aquilo que começou por ser uma crise de saúde pública rapidamente evoluiu para uma crise económica. As medidas de confinamento ou condicionamento, que praticamente todos os Estados adoptaram – e Portugal não foi excepção –, colocaram grandes dificuldades à actividade económica, gerando escassez de matérias-primas, falta de mão-de-obra, impossibilidade de escoamento de produtos ou disrupção das cadeias de abastecimento, o que intensificou as tensões de liquidez sobre as empresas e colocou muitas famílias em grandes dificuldades. A forma como os países têm procurado gerir a reabertura das suas actividades após a primeira vaga pandémica e as medidas de emergência e apoio concedidas às famílias e às empresas atenuaram maiores impactos, actuando como retardadores para uma crise económica e social ainda mais nefasta. A este cenário há que acrescentar uma incerteza sem paralelo. Haverá uma segunda vaga? Encontraremos uma vacina efectiva num curto espaço de tempo? Conseguiremos retomar as actividades fazendo face a novas medidas de confinamento e restrições sociais? Como irão evoluir os nossos principais parceiros comerciais? Por tudo isto, antecipo uma evolução económica negativa. O regresso pós-Verão será um momento-chave para percebermos que negócios terão condições para continuar a sua actividade; e quantos terão de fechar as suas portas definitivamente. A evolução será negativa e a única dúvida é saber a que velocidade evoluirá esta crise. Factores determinantes são a chegada da segunda vaga e o sucesso de uma vacina, assim como a forma como os países serão capazes de prolongar as moratórias. Se houver, por exemplo, um levantamento prematuro das medidas de apoio veremos certamente um aumento das incidências, da sinistralidade e das insolvências. A banca enfrentará mais incumprimentos e poderemos ter de nos preparar para uma eventual crise financeira. A evolução nos próximos semestres não será tão rápida quanto se preconiza.
Esta recessão poderá mesmo ser a pior de sempre? Porquê?
Acredito que sim. Nunca tivemos uma contracção da actividade económica como a que vamos ter este ano. A Crédito y Caución prevê um aumento global das insolvências na ordem dos 26% com um aumento geral no segundo semestre de 2020. Na verdade, a pandemia de Covid-19 veio agravar um cenário mundial onde era esperado já um aumento das insolvências e do risco decorrente de um crescimento moderado, dos impactos das disputas comerciais, das tensões sociais, da incerteza política. A pandemia atingiu-nos como um meteorito. As empresas e sectores que já enfrentavam dificuldades viram a sua situação agravar-se como, por exemplo, o sector automóvel. Além da abrangência global desta crise, em que praticamente todos os países se veem afetados, corremos um sério risco de ver esta crise evoluir de uma crise económica para uma crise financeira quando a banca se vir penalizada pelo aumento dos incumprimentos de famílias e empresas incapazes de cumprir com os seus compromissos. Para já, a banca mantém-se resiliente, mas tenderá progressivamente a limitar o acesso ao crédito e a impor condições mais restritivas, o que condicionará muito negativamente uma recuperação que não creio que possa ser rápida.
De que forma o ambiente económico externo vai contribuir para prolongar ou não esta crise?
Esta é uma crise global em que todas as regiões e países estão a sofrer impactos. A forma como cada país conseguir debelar a crise sanitária e aplicar medidas de protecção do seu tecido empresarial e social será determinante para estimular a economia global e a retoma. É preciso perceber que neste cenário é impossível actuar isoladamente e ter sucesso. Precisamos de sintonia nas medidas de apoio dos Estados às empresas, de solidariedade e de reciprocidade para que possamos ambicionar uma recuperação económica a médio prazo. Estamos todos sob a onda de choque causada pela pandemia e temos de nos reerguer em conjunto. A Crédito y Caución prevê que todas as grandes economias, excepto a China, entrem em recessão este ano. A profundidade e a duração desta recessão serão determinadas pela capacidade das distintas economias para gerir as regulamentações sanitárias, evitar os confinamentos e para se desenvolverem num contexto de distanciamento social.
Com o mundo inteiro susceptível a esta crise, o que vai acontecer ao crédito?
Se as perspectivas de agravamento do risco de incumprimento da generalidade dos países e sectores de actividade se concretizarem, o crédito passará a ser mais escasso e com maiores restrições. O sector bancário ficará fragilizado pelo aumento dos incumprimentos e das insolvências. Para já, o sector mantém-se relativamente sólido na generalidade dos mercados, mas o agravamento da economia irá penalizá-lo e a tendência será para que a torneira do crédito se feche, com todos os impactos negativos que isso tem na dinamização da actividade económica.
Como está a evoluir o risco de incumprimento dos diversos países?
De forma geral, o risco de incumprimento aumentou negativamente em praticamente todos os mercados e sectores. À excepção do sector farmacêutico e alimentar, praticamente todos os restantes têm sofrido um aumento do risco de incumprimento e apresentam um alto risco. O sector automóvel e dos transportes, o siderúrgico e metalúrgico, a venda a retalho de bens de consumo duradouro, o têxtil, o papeleiro, a construção, etc. De Singapura à Suécia, praticamente todos os mercados apresentam um agravamento do risco de incumprimento. Além dos efeitos dolorosos para as pessoas e as famílias, prevê-se que o impacto da pandemia de Covid-19 na economia global gere a maior recessão desde 1980. Praticamente todos os países do mundo vão ter um crescimento negativo em 2020. A recessão está a afectar as cadeias de abastecimento e as nossas estimativas apontam para que o comércio mundial sofra uma redução de 15% este ano. O custo económico desta recessão será elevado, dado o seu impacto no mercado de trabalho, nas falências de empresas e na situação fiscal dos países. Os governos de todo o mundo estão a aplicar pacotes fiscais de grande envergadura e uma política monetária flexível para tentar mitigar os efeitos desta recessão, mas os riscos estão a aumentar. As economias avançadas serão as mais afectadas pela recessão, com uma queda acumulada no PIB de 6,6%. O Reino Unido, já sobrecarregado pela saída da União Europeia, enfrenta uma queda de 10,8%. Não se prevê que o desempenho da Zona Euro seja muito melhor, com um declínio esperado do PIB de 8%.
Quais as soluções para uma recuperação rápida, se é que isso é possível?
Não posso dizer que acredito numa recuperação rápida. Contudo, acredito que há medidas que se impõem para potenciar a recuperação. No campo do seguro de crédito, que é a área que me toca, seria de grande importância que o Estado avançasse, com a diligência que se impõe, para o desenvolvimento de um pacote de garantias para as empresas que operam no mercado interno, tal como fez para as exportadoras. Só assim poderemos proteger os nossos agentes económicos da concorrência externa, no sentido em que é mais seguro e aliciante colocar encomendas a fornecedores externos, porque apresentam mais garantias, do que a operadores nacionais. Há que inverter isto e o Estado tem aqui um papel fundamental, em colaboração com o sector do seguro de crédito. O resseguro é, claramente, outro campo onde precisamos de soluções.
Numa perspectiva mais abrangente, creio que a recuperação dependerá da capacidade de implementar soluções de apoio a fundo perdido ou com taxas muito majoradas e com períodos de carência significativos. De outra forma, um grande número de empresas não conseguirá superar a crise, nem enfrentar os impactos de uma segunda vaga pandémica. Por outro lado, temo que os 15,7 mil milhões de euros do Fundo de Recuperação da UE não cheguem a Portugal antes de 2022. Até lá teremos que enfrentar muitas dificuldades.
Quanto tempo poderá demorar uma recuperação como esta?
Não será uma recuperação de curto prazo, mas a médio ou longo prazo. Em 2021, a situação poderá ser ainda pior, se houver uma retirada prematura das medidas de apoio que possa agravar a situação das empresas e das famílias, aumentando os incumprimentos e as insolvências.
A profundidade desta crise seria sempre inevitável, ou há reformas que poderiam ter minimizado o problema?
Não estávamos preparados para uma pandemia e para as ondas de choque que provocou na vida social e na economia mundial. Poderíamos estar preparados? Sim, certamente. Havia já quem debatesse a possibilidade de um cenário desta natureza que, declaradamente, foi subestimado. São situações de grande dificuldade na gestão da comunicação, nas questões políticas, sociais e económicas. Espero que, para já, estejamos todos mais focados em criar as políticas e os mecanismos para reconstruir, embora tenhamos de repensar, em tempo oportuno, todo este processo. Agora é preciso olhar para a frente e focar na recuperação.
O que pode significar um eventual agravamento desta situação, nomeadamente se existir uma segunda vaga de contágio?
Se tivermos de enfrentar uma segunda vaga de contágio, não sei se teremos capacidade para suportar a repetição do confinamento e da paragem das actividades. Será desastroso para o nosso tecido empresarial e para as famílias. No plano económico, o maior risco será a evolução de uma crise económica para uma crise financeira.
No futuro, há medidas que podem ser tomadas para reduzir a vulnerabilidade da economia face a uma situação de crise extrema?
Uma medida que entretanto já foi aprovada é a criação de um Banco de Fomento do Estado, que constitui uma peça fundamental para colmatar possíveis falhas de mercado. Com a criação deste banco, o Estado português terá em mãos uma preciosa ferramenta para acelerar os distintos apoios que possam ser necessários.