O que esperar de 2024?: José Eduardo Carvalho, Presidente da AIP
Testemunho de José Eduardo Carvalho, Presidente da AIP
1. Que alterações perspectiva que possam vir a impactar o seu sector em 2024?
A crise das dívidas anteriores alargou o fosso entre Portugal e a UE em 8%. Recuperámos 4% até 2022. Este desempenho, apesar de insuficiente, é fruto de uma mudança estrutural da economia portuguesa que se baseou no aumento significativo da sua competitividade externa e na melhoria da qualificação dos empregos. Dos 4,1 milhões de activos, 34% têm qualificação superior.
Mas esta mudança tem agravado a segmentação da estrutura empresarial. Por um lado, um segmento de empresas capitalizadas, exportadoras, balanços robustos, dimensionadas, melhores salários, e com investimento significativo em I&D. E por outro, um segmento descapitalizado, endividado, com balanços degradados e ebitdas’s que não cobrem os custos financeiros.
O primeiro segmento tem puxado pela economia portuguesa e evidencia uma resiliência (que continua a não ser estudada) que decerto enfrentará os desafios provocados por uma conjuntura económica adversa. O abrandamento da economia nacional; a contração económica dos nossos principais mercados de exportação; a manutenção das elevadas taxas de juro com reflexo no acesso ao crédito; a volatilidade dos custos energéticos; a carência de recursos humanos qualificados; e a forte pressão para o aumento de salários; irão obrigar as empresas portuguesas a um redobrado esforço de gestão.
O crescimento dos processos de insolvência no 2.º semestre de 2023 (19,7% até Outubro) e a falta de compromisso de alguns bancos com a economia nacional, são indicadores preocupantes que poderão provocar um choque de selecção no segundo segmento acima referido.
2. E para a sua empresa em particular, quais os maiores desafios?
Toda a actividade da AIP está centrada nos objectivos de melhorar a qualidade de gestão e aumentar a produtividade dos seus associados e empresas em geral. Para 2024 a AIP definiu quatro áreas de intervenção que são prioritárias:
(i) Transição energética
Estamos integrados em consórcios para a instalação de unidades de produção de biometano; constituição de comunidades de energias renováveis; e apoio e dinamização de projectos de descarbonização nas empresas.
A transição energética no sector industrial exige um esforço de investimento muito elevado e não sei se o sistema de incentivos estará a responder às necessidades. Por fim, acrescentava que Portugal não pode continuar a viver num estado de negação em relação aos actuais desenvolvimentos de tecnologia nuclear e ao que se está a passar neste domínio em alguns países europeus.
(ii) Produtividade industrial
Vamos dinamizar um conjunto de projectos na área da produtividade industrial, incidindo no “chão de fábrica”. A diferença da produtividade industrial em Portugal com os outros países europeus é alarmante, e os ganhos de produtividade têm estado constantemente a diminuir. E como sabemos, a melhoria da competitividade do país é condicionada pela evolução da produtividade. Temos a 5.ª economia menos produtiva da UE.
(iii) Dimensionamento empresarial
É o maior desafio da economia portuguesa. Enquanto a nossa estrutura empresarial continuar com 7400 médias empresas e 1300 grandes empresas, nunca conseguiremos aumentar de forma significativa a produtividade, as remunerações, base exportadora do país e o I&D.
Serão desenvolvidas acções e programas de concentração e reestruturação empresarial.
(iv) Capitalização
Sendo a insuficiência de capitais próprios um dos grandes problemas dos balanços das empresas, e havendo instrumentos de política pública com forte dotação para financiar estas operações, a AIP vai continuar empenhada na dinamização da sua procura.
Sabemos que a cultura empresarial é refratária a estas operações, e por vezes, os instrumentos não estão desenhados para o tecido empresarial que temos. O trabalho não é fácil, mas é para isso que servem as associações empresariais.
3. Atendendo ao actual contexto, que expectativas a nível macroeconómico para Portugal?
Já atrás enunciamos os factores externos que poderão constituir uma ameaça à economia portuguesa. São mais determinantes do que factores internos (crise política, instabilidade governativa provocada por uma possível fragmentação parlamentar, pressão sobre a despesa pública).
Há, no entanto, alguns desafios que gostaria de comentar:
(i) Atracção de investimento estrangeiro
As vantagens do IDE são evidentes: reforça a competitividade externa da economia; melhora a qualidade de gestão; aporta capital; qualifica trabalhadores e melhora o nível das remunerações; introduz novas tecnologias e inovação.
Temos capacidade para atrair a deslocalização e a diversificação das cadeias de valor que ocorre na economia mundial? Far-se-á alguma alteração na imprevisibilidade fiscal, na rigidez da legislação laboral inadequada à actual revolução tecnológica e à economia do conhecimento? E resolver-se-á um conflito existente há muitos anos entre as necessidades de crescimento do país e a inflexibilidade da protecção ambiental?
(ii) Trajetória da despesa pública
Existe nas empresas e nos trabalhadores uma manifesta atitude de saturação fiscal. Chegou-se ao limite e começou-se a dar importância à avaliação que os contribuintes fazem da utilização dos recursos que cedem ao Estado.
Poderá haver redução de impostos sem contenção ou diminuir a despesa pública? Andamos anos a defender excedentes orçamentais e achamos que essa era uma prioridade da política orçamental dada a dimensão da dívida pública e do fraco investimento público que ocorreu. Agora desvaloriza- se esse objectivo e enfatiza-se outras dimensões da política orçamental.
Qual será o comportamento e a trajectória da despesa pública quando se constata que a mudança ou a reprodução do poder político assenta na satisfação das exigências de dois estratos sociais: reformados e funcionários públicos. Os grupos sociais mais dinâmicos da sociedade e as empresas não constituem prioridade.
(iii) Evolução preços e salários
Haverá em 2024 uma forte pressão para aumentar salários. A remuneração média em termos absolutos já aumentou 5,96% no 3.º trimestre deste ano. Segundo o Prof. Ricardo Reis, o equilíbrio entre crescimento dos preços e salários deveria centrar-se à volta de 4%.
Em 2023, o Governo conseguiu moderar e conter os aumentos da administração pública. Duvida-se que consiga este ano. Será que os salários reais se vão posicionar acima ou abaixo desse referencial? Não é indiferente para as empresas e para a economia. E conseguir-se-á correlacionar o aumento das remunerações com a evolução da produtividade?
(iv) Retenção e atração de quadros técnicos
Outro dos desafios que a economia e as empresas enfrentam. Continuará a saída dos jovens quadros técnicos para o mercado de trabalho internacional usufruindo de salários internacionais? Que sentido faz a discussão sobre a precaridade laboral destes jovens quando eles desvalorizam o vínculo contratual indeterminado como factor de contratação? Conseguiremos atrair competências e quadros estrangeiros para as empresas e para a economia nacional quando se limita a competitividade fiscal na sua atracção? Como se entra na economia do conhecimento com um código de trabalho assente nas premissas jus-laborais do século passado?
Testemunho publicado na revista Executive Digest nº 214 de Janeiro de 2024