Como os maiores de 50 estão a adaptar-se às novas tecnologias
A geração que ainda é do tempo da televisão a preto e branco e do telefone de disco depara-se hoje com uma realidade que nem nas mais loucas futurologias dos anos 70 e 80 se chegou a esboçar. O mundo tornou-se um lugar mais pequeno, onde tudo está ligado à internet (pessoas e coisas) alterando-se por completo a forma como comunicamos, trabalhamos, desempenhamos tarefas diárias e passamos os tempos livres.
A distância tornou-se mais relativa do que nunca. Se as únicas formas de comunicação com alguém distante eram, há 30 anos, o telefone ou a carta, hoje é tão fácil entrar em contacto com uma pessoa que está no outro lado do mundo como falar com o vizinho do andar de cima.
Do chat à videoconferência, passando pelo e-mail e pelas inevitáveis apps para smartphone, que permitem fazer chamadas gratuitas para os quatro cantos do mundo, todos passámos a fazer parte desta Aldeia Global onde ninguém está longe o suficiente para se tornar inacessível. Tarefas que antes implicavam sair de casa, como ir ao banco, fazer compras para a casa, entregar a declaração do IRS, procurar emprego ou encontrar uma casa para comprar ou arrendar, entre muitas outras coisas, passaram a ser desempenhadas frente ao ecrã de um computador, tablet ou smartphone.
De tal modo que a internet deixou de ser apenas uma ferramenta de trabalho ou uma fonte de entretenimento para se tornar parte integrante dos nossos dias, desde que nos levantamos, até que nos deitamos, sem limites de espaço e sem contagem do tempo de ligação.
Num mundo cada vez mais complexo, é fundamental perceber, a bem da inclusão social, como aqueles que ainda se lembram das disquetes e do papel perfurado lidam com as mais recentes tecnologias e com o facto de elas próprias estarem constantemente a transformar-se e reinventar-se.
Segundo o relatório The Imagination Gap: Retail’s £ 1bn problem, da empresa americana DigitalBridge, quase três quartos dos baby boomers utilizariam tecnologias como realidade aumentada e inteligência artificial se estas estivessem disponíveis nas lojas. E isto é particularmente interessante quando constatamos o porquê desta geração estar interessada nestas tecnologias – visualizar produtos em casa antes de fazer uma compra. 73% dos inquiridos afirmaram que seria mais provável comprarem numa loja que fornecesse este serviço, a mesma proporção exata de resposta equivalente nos inquiridos entre os 18 e os 34 anos. Para 61% dos consumidores, a principal vantagem desta tecnologia seria ter acesso a diferentes opções antes de comprar. 29% utilizariam esta tecnologia para obter uma segunda opinião.
Para Marco Gouveia, formador e consultor em Marketing Digital, estes dados «não surpreendem se tivermos em conta que nos Estados Unidos da América, segundo o Consumer Barometer, esta geração acede à internet diariamente por motivos pessoais, ou seja, nada relacionado com negócios ou trabalho. Isto demonstra bem que procuram na tecnologia uma forma de entretenimento, exploração e conhecimento, ou seja, aquilo que a realidade aumentada e inteligência artificial nos trazem. Uma forma mais “fun” de ver as coisas e de nos facilitar a vida. O futuro é claramente inteligência artificial e machine learning e pelo facto de ser tão informada, mesmo que com um ritmo diferente, esta é uma geração que não quer ficar para trás. 77% destas pessoas acedem diariamente à internet, na sua grande maioria para se manter a par das notícias, comparar preços e obter mais informações sobre os produtos. Estão a tornar-se cada vez mais smart shoppers».
Por outro lado, Hélio Cabral, também consultor de Marketing Digital, lembra que «estamos a falar de uma geração que nasceu numa época em que a tecnologia era praticamente inexistente, mas que valoriza imenso as experiências. Por se tratar de um mundo por descobrir, desperta a sua curiosidade na procura de emoções e proporciona momentos de diversão associados a experiências que, de outra forma, não seriam possíveis».
Certo é que esta geração está interessada nas novas tecnologias, e mais do que conseguir compreender os benefícios de um ponto de vista prático, estas pessoas querem estar na linha da frente. O perfil de consumidor com mais de 50 anos deixou há muito de ser passivo, limitado aos media tradicionais e resistente à mudança. Nunca como hoje a expressão “velho do Restelo” fez tão pouco sentido.
Uma questão de atitude
Muitos de nós têm na cabeça a imagem de pessoas com mais de 50 anos a serem guiadas pelos filhos e pelos netos no mundo misterioso da internet, fascinadas com as potencialidades das redes sociais, com as pesquisas no Google sobre virtualmente qualquer assunto e com os vídeos no YouTube. Mas, embora exista indubitavelmente uma percentagem deste estereótipo, estamos muito longe da generalização.
Marco Gouveia considera que «a adaptação às tecnologias, por parte desta geração, está a ser feita a uma velocidade moderada e progressiva, mas bastante curiosa, principalmente se a comparamos com a geração Z, que é nativamente digital e por isso tem a capacidade de utilizar qualquer tipo de dispositivo de forma rápida e natural, bem como de estar conectado em várias redes sociais, mesmo que estas tenham acabado de ser lançadas. Para percebermos a diferença, note-se que as pessoas com mais de 50 anos adaptaram-se primeiro aos computadores e depois ao Facebook. Quando isso aconteceu, a maioria dos jovens já estava de smartphone na mão a utilizar o Instagram e o Snapchat, a tirar dúvidas no Google em tempo real e a comentar que o Facebook é a rede social dos avós».
Esta adoção das tecnologias a duas velocidades, entre os maiores de 50 e os mais jovens, aparenta, por isso, ser mais uma questão de tempo de adaptação do que de falta de interesse ou capacidade. «Existem casos de pessoas com mais idade que são um autêntico sucesso na rede social Instagram, por exemplo», refere Hélio Cabral. «Mas esta questão não se limita à área de entretenimento. O mundo inteiro está mais digital: é possível fazer transações financeiras nas apps dos bancos, existem aplicativos para chamar táxis e marcar exames e consultas, entre muitas outras tarefas, o que torna a utilização das tecnologias efetivamente necessária para toda a gente. Se tivermos em conta que 5,7 milhões de pessoas em Portugal são utilizadores ativos do smartphone, com uma taxa de penetração de 55%, em que a média de idade anda nos 42,6, e que redes sociais como Facebook são, nesta altura, mais “maduras”, facilmente concluímos que os maiores de 50 são hoje muito mais ativos e dinâmicos.»
Desde logo porque parte daqueles que estão nesta faixa etária ainda fazem parte da população ativa, o que os coloca vários degraus acima na literacia digital. Na pior das hipóteses, este público utiliza as novas tecnologias na sua forma mais rudimentar – browser e e-mail; na melhor, compreendem e integram-se sem qualquer dificuldade no mundo digital, utilizando-o para comunicar, para fazer compras online e para resolver problemas na sua vida profissional e pessoal. No que diz respeito a esta fatia de população profissional, Hélio Cabral considera que «dentro das empresas o mindset digital está a evoluir mais rapidamente do que entre os que já não trabalham, visto que a tecnologia é uma tendência natural no mundo dos negócios e torna-se, por isso, uma necessidade. Um bom exemplo é utilização do LinkedIn com a finalidade de aproveitar todas as suas potencialidades na prospeção e angariação de novos clientes, a custos mais reduzidos».
A crescente adesão desta faixa etária ao mundo digital vem mostrar aos mais incrédulos que não existe nenhuma tecnologia criada para as massas que não possa ser compreendida e utilizada por qualquer pessoa, independentemente da sua idade. Mas, como tudo na vida, requer prática e paciência. Todos passamos por uma fase de aprendizagem na introdução de uma nova tecnologia, e a diferença não está em sermos capazes de aprender, mas sim na velocidade com que a aprendemos, que muitas vezes está diretamente ligada ao interesse e à disponibilidade que temos para a aprender. Não se trata, portanto, de uma questão de idade, mas de interesse e, em grande parte, de atitude.
Os mais jovens tendem a ter maior disponibilidade mental para o que é novo, porque esse é o seu mundo até determinado ponto da sua vida. Os mais velhos, pelo contrário, têm responsabilidades – trabalho, família, contas para pagar – e preferências já estabelecidas sobre o que gostam de fazer com os seus tempos livres. É por isso que a introdução de uma nova tecnologia tem de ser suficientemente interessante para não ser passada para segundo plano. Neste ponto do nosso artigo já estabelecemos que os maiores de 50, mesmo que de forma menos rápida, estão a aderir às novas tecnologias. Mas o que os motiva neste novo mundo digital? Para Marco Gouveia, «existem os mais variados estímulos para que isto aconteça, e eles vêm de todos os lados. Por um lado, têm os filhos e netos a incentivá-los, principalmente se estiverem ausentes do país, para a realização de vídeochamadas através das aplicações de instant messaging; por outro, o quererem ser autónomos e tomar as melhores decisões leva-os a pesquisar bastante. Os principais sites que visitam são comparadores de preços e sites de notícias online. Para quem é mais observador, é engraçado ver a quantidade de pessoas com mais de 55 anos que toma o pequeno-almoço num hotel com o tablet na mão para ler notícias ou e-books».
Acessibilidade
Este interesse cada vez maior da faixa etária dos maiores de 50 nas novas tecnologias representa um desafio para as marcas de equipamentos como smartphones, tablets ou computadores. Simplificar é a palavra de ordem, e é isso mesmo que as marcas têm vindo a fazer, seja no design de equipamentos, seja na interface dos seus sistemas operativos.
Com a massificação dos telemóveis e, mais tarde, dos smartphones, as marcas perceberam rapidamente que este tipo de equipamentos chegaria a toda a população, pelo que foi necessário criar designs que respondessem a todas as necessidades. A adaptação profunda de determinados dispositivos, com teclas maiores, indicações faladas e simplificação extrema do sistema responde à necessidade de inclusão de pessoas com limitações físicas, como sejam casos de visibilidade ou audição reduzidas. No entanto, este tipo de adaptação retira funcionalidades úteis para muitas pessoas com mais de 50 anos que querem um dispositivo para muito mais do que fazer e receber chamadas.
É neste ponto que simplificar se torna complicado. O desafio para as marcas é incluir pessoas com idades mais avançadas, sem necessariamente retirar funcionalidades que lhes interessam. Os ecrãs maiores, as opções de acessibilidade integradas nos sistemas operativos e uma simplificação progressiva das interfaces têm sido a resposta que está a fazer com que mais e mais pessoas, independentemente da sua idade, possam usufruir de todas as potencialidades que um smartphone oferece.
Mas Marco Gouveia identifica outros desafios com que as marcas têm de lidar: «A forma alucinante como a tecnologia inova faz com que os utilizadores sintam que o produto que estão a comprar vai ficar desatualizado muito rapidamente. Acredito que assim que as marcas de equipamento garantirem repeat customers vão passar, por isso mesmo, a ter uma oferta mais acessível e a caminhar para duas versões. Uma mais barata, mas com menos funcionalidades, e uma outra mais dispendiosa, para continuar a alimentar os status que muitas destas marcas vendem».
Hélio Cabral, numa outra abordagem, acredita que o maior desafio das marcas é comunicacional: «É muito comum o pensamento de que as pessoas mais velhas têm mais dificuldades em relação à tecnologia. O maior desafio das marcas será, provavelmente, reverter essa forma de pensar.»
Enquanto isso não acontece, o telemóvel já é um dispositivo eletrónico massificado entre os maiores de 50 anos, estando a grande questão na forma como o utilizam. Num mercado cheio de opções para todos os preços, com designs que atravessam todas as faixas etárias, mais de 96% dos portugueses utilizam hoje telemóvel, de acordo com o Barómetro de Telecomunicações da Marktest. Ainda acredita que a tecnologia é só para os mais jovens?
Redes sociais
Muito mais difícil do que perceber e aprender uma nova tecnologia em faixas etárias mais avançadas será talvez compreender o mundo atual das redes sociais. Para esta fatia da população, o Facebook, bem como o Skype, o Facetime ou outras aplicações com instant messaging, representam mais uma forma de estar em contacto com os outros do que de partilha de conteúdos. Uma grande parte do fascínio das redes sociais consiste em comunicar com parentes e amigos em locais distantes e, particularmente, em vê-los. O telefone já anda entre nós há muito tempo, mas a possibilidade de ver, com a maior das facilidades e baixo custo, o filho que trabalha em França ou o vizinho de longa data que se mudou para outra cidade, mesmo que dentro do país, é a funcionalidade que muitas pessoas realmente valorizam. Aí reside a novidade.
A partilha de informação continua a ser uma funcionalidade interessante, mas tende a sê-lo para quem passa mais tempo em frente ao computador, ou seja, aqueles que dentro desta faixa etária ainda trabalham. Existe ainda um perfil de utilizador que utiliza as redes sociais como espetador passivo, consultando a informação disponível sem se interessar, no entanto, em partilhar qualquer tipo de conteúdos.
Esta utilização básica das redes sociais é bastante fácil de “engolir” para faixas etárias mais avançadas, mas as coisas mudam quando falamos de youtubers, influenciadores e outros fenómenos ligados, não necessariamente à tecnologia, mas a um novo “estilo de vida” digital.
Marco Gouveia explica que, «empiricamente, esta faixa etária é mais resistente a esse tipo de fenómeno, e se olharmos para os números, eles acabam por demonstrá-lo. 80% das pessoas com menos de 25 anos vê diariamente vídeos no YouTube, mas esta percentagem cai para os 29% entre as pessoas com mais de 50 anos. A amplitude é demasiado grande para acreditarmos que os youtubers influenciam esta geração». Por outro lado, Marco Gouveia levanta uma outra hipótese: «O que também pode acontecer é existir um “nicho” de mercado que ainda não está a ser devidamente explorado e que pode ser altamente rentável, até porque como sabemos o poder económico neste público dos +50 é abundantemente superior!»
Mesmo assim, este novo “estilo de vida”, representado por youtubers e influenciadores não deixa de ser, provavelmente, o maior indício de generation gap que podemos encontrar no mundo das tecnologias, e, para Hélio Cabral, «o grande desafio é perceber-se qual o verdadeiro interesse para estas pessoas em consumir este tipo de conteúdo, se é que existe, de todo, algum interesse. Do lado contrário, para os jovens, estes influenciadores representam um estilo de vida. É um conceito com o qual se identificam e existe por vezes a ambição de ser como eles. Vamos ver o que acontece quando os influenciadores artificiais ganharem mais espaço aos influenciadores reais».
Paulo Mendonça