Opinião: Os impactos desconhecidos das moratórias de crédito

A 24 de Setembro de 2020 foi anunciado o prolongamento das moratórias de crédito até Setembro de 2021. Embora esta medida seja perfeitamente compreensível dada a situação de pandemia atual, existe um natural impacto sobre o nosso sistema financeiro.

Este impacto pode e deve ser medido a vários tempos: a curto e médio prazo. A juntar ao adiamento do recebimento de um volume importante de juros e capital, foi exigido às entidades bancárias um esforço não displicente sobre as áreas técnicas e de negócio na adaptação das suas aplicações e processos para responderem adequadamente a esta exigência. A longo prazo, estão ainda por ser avaliadas as consequências deste adiamento do pagamento de mais de 17 mil milhões de euros em capital e juros (cerca de 8% do PIB português em 2019), segundo os últimos dados do Banco de Portugal.

Embora exista um conjunto de analistas que defende que a última crise económica preparou, genericamente, o sistema financeiro para este tipo de situações, com todas as exigências em termos de controlos internos e capitalização, há quem creia que o pedido de mais de 700 mil clientes (particulares e empresas) para aceder a esta prorrogativa, juntamente com o aumento de 6,8% do número de cartões em descoberto e o crédito a famílias num máximo dos últimos 5 anos, pode constituir um cenário com consequências imprevistas (dados estatísticos Banco de Portugal).

Se considerarmos que as adaptações aos sistemas para incorporarem estas solicitações foram efetuadas em tempos particularmente exigentes, recorrendo muitas vezes a tratamento manual de recolha e consulta de dados, é admissível pensar que alguma da informação resultante destes processos não esteja ainda a ser plenamente incorporada nas avaliações de risco dos bancos, nomeadamente na atribuição de novos créditos, risco de contágio e simulações de cenários de avaliação de exposição.

Estes desafios devem ser endereçados de forma cuidadosa, recorrendo à capacidade de ferramentas tecnológicas, nomeadamente de tratamento inteligente de dados e de aceleração de processos, como RPA – Robot Process Automation.

Neste momento, assistimos à utilização da robótica para o carregamento massivo de informação nos sistemas e substituição de processos manuais de recolha e tratamento de dados. Práticas que reduzem a carga operacional das áreas comerciais e de operações e que viabilizam o processamento de informação crítica aos cálculos de risco e rentabilidade. Esta opção tem muita utilização e maturidade no nosso mercado e permite igualmente focar as capacidades internas nos temas de maior valor acrescentado ou que naqueles que requerem a imprescindível atenção de um profissional.

Assistimos igualmente em muitas organizações à aplicação de metodologias e capacidades computacionais atuais na identificação de padrões e redes de influência dificilmente percetíveis ao “olho humano”, a chamada análise de dados (Data Analytics), que permite alcançar um nível de assertividade e rapidez na avaliação de temas tão sensíveis como o risco e a rentabilidade de um Banco.

Independentemente de todas as questões conhecidas relativamente ao funcionamento do nosso sistema bancário, a verdade é que estas entidades são consistentemente chamadas a co suportar, a par do Estado, a liquidez das empresas e particulares, pelo que é fundamental garantir a sua firme capacidade de resposta e reconhecer o esforço que fazem para o conseguirem fazer. Às empresas de estratégia e tecnológicas, como a empresa que represento, cabe o papel de alertar, assessorar, capacitar e viabilizar uma atividade critica ao bom funcionamento do sistema económico, com a responsabilidade e compromisso que essa função também nos exige.

Sónia Brito, diretora na área de banca da everis Portugal

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