É possível comprar casa com criptomoedas em Portugal?

A Ordem dos Notários (ON) irá comunicar, esta semana, instruções para a realização de escrituras de permuta de imóveis por criptomoedas, sendo que as transações com valor superior a 200 mil euros terão de ser comunicadas. Veja, no nosso artigo, em que consistem estas novas instruções relacionadas com as criptomoedas e as diferenças entre um negócio de compra e venda e um negócio de permuta.

 

A crescente adoção das criptomoedas as regulamentações da ON

É inegável que a adoção das criptomoedas por parte de indivíduos e empresas tem vindo a aumentar, e a consequência disso tem sido a tentativa de criação de regulamentações das entidades supervisoras como o Banco de Portugal, com a publicação do Aviso n.º 3/2021, que regulamenta as normas relativas ao processo de registo junto do Banco de Portugal aplicável às entidades que exerçam atividades com ativos virtuais, previstas no artigo 112.º-A da Lei n.º 83/2017, na sua redação atual.

Apesar do regulamento da ON estar ainda a ser ultimado, este permite que transações imobiliárias, sob forma de escritura de permuta, e com contrapartida em criptomoedas, aconteçam. Porém, quem quiser fazer esta permuta terá de comunicar ao notário, até cinco dias antes da escritura, dados detalhados sobre a origem dos fundos, os quais irão posteriormente ser enviados ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e à Unidade de Informação Financeira.

 

O que fazer caso queira efetuar uma permuta com criptomoedas?

Para se efetuar esta permuta de um imóvel por criptomoedas, terá de ser comunicado, até cinco dias antes da escritura, os seguintes dados aos notários, que depois deverão ser enviados ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira:

 

  • Identificar as partes envolvidas na transação (nome, profissão, morada);
  • Revelar o preço e tipo de criptomoeda;
  • Apresentar provas da compra das criptomoedas (registos desde a aquisição das moedas virtuais até ao momento do negócio);
  • Enviar informações sobre as wallets (carteiras de armazenamento);
  • Indicar a data da escritura.

 

E se a transação for superior a 200 mil euros?

Quando a transação supera este valor, além das comunicações prévias, há ainda outras regras a cumprir:

 

  • A operação deverá ser comunicada às autoridades;
  • Será necessário comparar o valor das criptomoedas à data do Contrato-Promessa Compra e Venda e o seu valor à data da escritura.

É de relevar que escrituras de compra e venda ou de permuta continuarão a seguir os trâmites normais caso a quantia de pagamento ou permuta seja fiduciária. Caso esta quantia seja proveniente de corretoras de criptomoedas, cabe a estas determinar a origem dos fundos e cumprir os requisitos referentes ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

 

Qual a diferença entre um negócio de compra e venda e um negócio de permuta?

É de salientar que um negócio de compra e venda e um negócio de permuta são manifestamente diferentes na sua natureza, não obstante os seus efeitos práticos serem semelhantes.

A compra e venda, nos termos da lei civil, é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa (neste caso, o imóvel) mediante o pagamento de um preço. Já a permuta, ou troca, é igualmente um contrato do qual resulta a transmissão da propriedade de um bem, contudo, em vez de ser mediante o pagamento de um preço, a transferência de propriedade para um dos sujeitos desta relação negocial dá-se mediante a entrega de outro bem pela contraparte, cuja propriedade igualmente se transfere, existindo uma verdadeira troca de bens.

Na questão concreta das criptomoedas, é neste aspeto que reside a diferença essencial. Veja-se que, nos termos da lei civil, a noção de “preço” inclui apenas moeda que tenha curso legal no país em que a transação é efetuada, mediante o valor nominal que a moeda nesse momento tiver, sem prejuízo da possibilidade de utilização de moeda estrangeira, mediante a utilização do câmbio ao dia da realização da transação.

Sucede que as criptomoedas não são (ainda) consideradas como moeda para os efeitos legais supra expostos, pelo que não se pode falar da existência de um contrato de compra e venda, dado que as criptomoedas não se consideram como o preço a ser pago em troca da transmissão da propriedade do imóvel, sendo por este motivo que se fala em permuta, uma vez que existe a troca de um bem (imóvel), por outro outro (criptomoeda).

 

Concluindo

Contudo, a verdade é que o negócio de permuta é hoje um contrato atípico, que já não tem regulamentação específica na nossa lei. Assim, a lei civil vem determinar que as normas da compra e venda são aplicáveis a outros contratos pelos quais se alienem bens, como é o caso da permuta. Deste modo, no contrato de permuta, a regulação de referência é retirada, adaptadamente, das disposições legais relativas ao contrato de compra e venda, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respetivas.

 

Esta determinação assume a máxima relevância para quem adquira imóveis através da troca/permuta por criptomoedas, pois irá beneficiar de regime legal idêntico, como se de um verdadeiro contrato de compra e venda se tratasse, assumindo esta transação o desejado nível de segurança jurídica e de proteção das partes.

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