Randstad Insight: Ser de propósito feliz

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

Propósito. De propósito. Com propósito.  A melhor forma de expressar a vontade, a ligação e até a intensidade. O ser humano é um ser de propósitos. Propósitos que se reflectem em valores, em atitudes, em crenças

E se durante muito tempo considerámos que os propósitos estavam no comportamento fora da empresa, a verdade é que hoje nunca se falou tanto no propósito para se trabalhar na organização. Afinal, a vida que não se pede mas se tem, só vale mesmo a pena quando temos um propósito, quando temos propósitos. Este combustível que nos faz andar mais depressa e que nos ajuda a superar desafios.

Nas empresas nem sempre se fez esta ligação. Era como se existissem dois seres em cada humano: o emocional e o profissional. Como se trabalhar não tivesse emoções, como se o emprego não contribuísse para a nossa felicidade e realização enquanto pessoas. Trabalhar era o nosso contributo para a sociedade, um contributo que era visto mais como esforço do que numa componente emocional.

Mas o mundo mudou. O trabalho mudou, as pessoas mudaram e hoje as empresas procuram talentos que se identifiquem com o seu propósito. Na verdade não sabemos se são as empresas que procuram pessoas que se enquadrem no seu propósito ou se são as pessoas que procuram esse propósito nas empresas. Porque até esta relação de procura e oferta tem vindo a ser alterada ao longo dos últimos tempos e se as empresas pareciam que definiam as regras, a realidade actual, mostra que são as pessoas que as definem, e foram mesmo as gerações mais jovens que mostraram a importância de ter um propósito também na nossa vida profissional.

Assim, é preciso que haja propósito entre as empresas e os candidatos. Uma identificação que não está nos currículos, mas que é muito mais profunda e que cria relações muito mais fortes. Hoje as organizações percebem também que têm de assumir o seu propósito, que têm de ter este papel, esta identidade. Deixaram de ser imagens quadradas e tipificadas por missões parecidas e que nem sempre eram assumidas como reais compromissos. E esta necessidade não é apenas para atrair talento, esta necessidade está relacionada com o negócio e com a sustentabilidade da própria empresa. A ausência de propósito reflecte-se em todos os resultados e vai mesmo matar a organização.

E se do lado das empresas e dos candidatos tem de existir propósito, do lado das pessoas ele também tem de lá estar. A ausência de propósito num colaborador pode levar à inércia, à desmotivação ou até mesmo à contaminação da cultura. São os que estão longe do 9 e do 10, os que assumem o meio termo para não se comprometer; ou mesmo o negativo, porque é só isso que conseguem ver, todos os dias, no seu trabalho e na empresa em que trabalham. São contaminadores nas pausas a meio do dia, nos suspiros entre tarefas e exímios na forma como falam de tudo menos sobre a empresa no seu dia de trabalho. Quando chamados a falar, quando questionados sobre o que mudar ficam nervosos e sentem o desconforto de quem vive confortávelmente a criticar ou simplesmente a cumprir o que é pedido.

Aqui entre nós, confesso que tenho muita dificuldade em compreender como se trabalha numa empresa anos a fio, acordando desmotivado, vivendo revoltado e não acreditando no projecto. Compreendo o posicionamento operacional e profissional de quem cumpre o que é pedido e coloca a sua vida profissional para terceiro plano. Pessoas que levam a sério a sua função, que cumprem e que não querem mais, estão satisfeitos. Compreendo e a empresa também precisa de pessoas assim. O que tenho dificuldade em perceber, numa perspectiva pessoal, são as outras. As que ganharam conforto numa posição desconfortável e que lhes traz infelicidade, amargura contaminante, queixas constantes e culpas apontadas aos outros.

Este processo destrutivo tem impacto na organização mas tem impacto especialmente para o próprio, que deixa a vida passar e que retira a felicidade da equação. E se a culpa é vista do lado da empresa, na verdade ela está do lado da pessoa. Da pessoa que não muda para outro trabalho, da pessoa que não encontra o seu propósito, porque afinal, todos temos de fazer de propósito para sermos felizes.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 161 de Agosto de 2019

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