Randstad Insight: O regresso da humanidade

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

Perguntar, perguntar para ouvir o que não se quer mas para se saber que muitas das vezes o que se acha é a mais pura das mentiras

Perguntar para ser surpreendido, para reconhecer a dificuldade que temos em elogiar, em agradecer e em reconhecer no que somos bons. Perguntar sem ter uma resposta dada, sem encurralar quem responde, sem captar dados que são falsos e que pouco dizem sobre o que fazemos.

Hoje os chamados surveys estão na moda, quase todas as empresas perguntam e a tecnologia veio trazer a possibilidade de ir perguntando, de ir medindo e de tentar compreender a jornada da satisfação no próprio negócio e na relação entre empresas e clientes, entre empresas e colaboradores, entre empresas e potenciais clientes ou colaboradores. Perguntar de forma acertada para conseguir ouvir, para verdadeiramente compreender de fora para dentro para que de dentro para fora mantenhamos a nossa relevância.

E quando as respostas indicam que quem responde o que valoriza é mesmo a componente humana, o que fazer? Substituir as máquinas por humanos? Não, na verdade temos de substituir os humanos que transformámos em máquinas, por pessoas. Temos de deixar que a tecnologia faça as tarefas repetitivas e que não acrescentam valor para trazer de volta a humanidade para as empresas. Humanidade na gestão do dia-a-dia, na gestão da relação, mas também na criatividade, na análise de problemas complexos e na capacidade de aprender e surpreender. Parece fácil. Só temos de dizer: “João, a partir de agora tens de ser mais pessoa!”. Parece caricato e por isso o desafio é muito maior, pois temos de fazer os nossos colaboradores regressar à sua humanidade. Mas será que sabem como? Será que hoje sabemos voltar a ser mais humanos e colocar o coração naquilo que fazemos? Ou, pelo contrário, deixámo-nos inundar de processos e virámos automatos em horário de expediente, deixando todas as emoções para depois das 18h. Já não tenho o brilho nos olhos, o despertado é um reflexo condicionado de quem vive para o final do mês e diariamente se queixa de o fim-de-semana serem apenas dois dias e da falta dos feriados no mês de Janeiro. Máquinas que se sentam a uma secretária, que fazem o que é suposto, que não questionam, que não propõem e que se regulam pelo tempo. Máquinas que se irritam com erros de programação, com imprevistos ou alterações de processo, que se focam no problema e não encontram a solução.

Fazer diferente para quê? As máquinas esqueceram-se que são pessoas, que podem escolher, que devem ser felizes e superar-se constantemente. Pessoas que têm de ver no trabalho um propósito, um desafio e uma realização, feita de um percurso que é escrito pelos próprios. E nem todos têm de querer ser CEO’s (até porque no futuro não é certo que a função exista) e não é a função que descreve o que as pessoas são. Cada uma é que consegue definir o trabalho que faz e o impacto que tem. O trabalho são experiências, são momentos, são caminhos definidos individualmente com a interferência e colaboração de todos.

E é este o desafio das organizações. Ter pessoas, pessoas que reforcem a sua humanidade em tudo o que fazem. Que exigem e entreguem, que tenham a insatisfação de quem está satisfeito e que tenham o propósito para acordar todos os dias de manhã. Dizem os estudos que quer Millenials quer a geração Z (esta última ainda mais) são movidas pelo propósito, de forma mais despreocupada e leal do que as gerações anteriores. Dizem os estudos que estas são gerações de conciliação e que procuram o equilíbrio entre as várias dimensões da vida. São nativos digitais mas mais humanos do que nós, ou pelo menos com a consciência de que é isso que querem ser.

Num mundo em que já não se separa o digital do real, a nossa principal vantagem competitiva é sermos humanos, é sermos pessoas. E, para termos sucesso, para sermos felizes, só não nos podemos esquecer disso e temos de exigir que as nossas empresas também não se esqueçam, pois só assim vamos triunfar.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 158 de Maio de 2019.

Ler Mais





Comentários
Loading...