Randstad Insight: O mundo mudou

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

Nos últimos anos temos trabalhado cada vez mais a importância da presença digital, seja da marca corporativa seja das nossas pessoas. Fazemos mesmo no momento de entrada, no onboarding, uma sensibilização à utilização das redes sociais, trabalhando o employee advocacy mas também a marca pessoal dos nossos consultores.

É interessante ver como o mundo mudou. Antes não se falava de redes sociais e as empresas chegaram mesmo a bloquear o acesso aos trabalhadores, para evitar que se “desconcentrassem”. Depois, as marcas corporativas começaram a encontrar nestes canais um novo espaço de presença e de publicidade, tendo dificuldades em gerir os comentários sem filtro dos seguidores, criando mesmo exemplos de estudo do que não fazer e da importância de ter uma plano de crise, também para as redes sociais.

A proliferação da utilização seja de novas redes, marcas e pessoas levou a que se tentasse segmentar, dividir as redes pessoais e profissionais, como se o que se diz numa não interferisse com a outra, como se o meu “eu” profissional fosse alheio e separado do meu “eu” pessoal. Mas a vontade das empresas estarem cada vez mais ligadas às pessoas e de aprofundarem o seu relacional também as levou para campos mais pessoais e por isso esta discussão das redes pessoais e profissionais começou a esbater-se. Surgiram plataformas de employee advocacy que vieram beneficiar das cookies para ganhar os micro influenciadores e assim reduzir qualquer divisão que ainda pudesse existir neste pessoal/profissional. No fundo estas são plataformas que permitem sugerir conteúdos a ser partilhado pelos colaboradores, uma sugestão que está trabalhada ao nível de conteúdo, de copy, de imagens e de hashtags e que contribuirá para que estes ganhem maior impacto nas suas publicações, criem uma imagem de marca e sejam especialistas na sua área com a vantagem da empresa poder ter o analytics de cada publicação. O employee advocacy é um passo dado em conjunto com o colaborador, entrando na sua privacidade mas deixando a liberdade para que este decida o que quer partilhar e como quer fazer essa partilha ou adaptar o que é sugerido. Trabalha a marca pessoal, ao mesmo tempo que também protege a marca da empresa, não restringindo a liberdade de cada colaborador mas compreendendo como este se associa à empresa.

A marca pessoal ganha cada vez mais relevo e é claramente assumido que os perfis digitais são visitados até em situações de candidaturas de emprego. Os líderes deixam apenas de ser para também terem de parecer ser e começam a ocupar mais espaço nas redes sociais, aumentando o número de pessoas que pelo cargo que ocupam ou por estratégia pessoal cedem a sua identidade digital para que seja gerida por outra pessoa ou por agências e assim garantirem que são os primeiros a reagir e a agir, alimentando de forma constante os seguidores com um elevado número de posts, sempre com o misto entre o pessoal e o verdadeiramente fabricado.

As redes sociais são um mundo onde marcas e pessoas interagem, um mundo que já levou à criação de novas profissões, seja a de influenciadores, gestores de comunidade entre outras. De desconhecidos a conhecidos, de ignorados a virais, de gratuito a milionário, as redes sociais viciam e consomem horas e é cada vez mais difícil encontrar quem não esteja pelo menos numa, mesmo que como mero observador. O movimento individual e coletivo levou-nos para estes espaços, com propósitos diferentes e foram tornando-se parte da nossa vida, até os órgãos de soberania dos países utilizam estas ferramentas para a sua estratégia de comunicação e política. As redes sociais são a “democratização” da comunicação, a “diabolização” dos factos, o “poder” da interajuda humana, o lado mais negro da humanidade. As redes sociais são este misto de mal e de bem, onde se encontra o melhor e o pior, exatamente como no mundo como o conhecemos e por isso é importante deixar cair de vez a ideia de que nas redes sociais vale tudo, porque não vale. Tudo o que fazemos fica ligado a nós, sem desculpas e com a possibilidade de gerar o mesmo impacto como se fosse feito no mundo físico ou arrisco-me mesmo a dizer, com um potencial de amplificação ainda maior pelo alcance que consegue ter. As redes sociais são uma grande sala onde todos estamos presentes, mais ou menos ativos e cada vez que fazemos uma publicação ou uma partilha agarramos num megafone e gritamos tudo o que lá está escrito. A maioria das vezes só quem está perto é que nos ouve, outras vezes percebemos que estamos sozinhos apesar de acompanhados e outras ainda levam-nos àquele momento complicado, em que de repente todos se calam e as nossas palavras são um verdadeiro rastilho. Somos virais, somos notícia de telejornal e sentimos o impacto das nossas palavras com uma intensidade que quase nunca foi prevista. Muitas destas vezes, se tivéssemos parado e refletido antes de partilhar, se de uma vez por todas parássemos de separar o que dizemos nas redes sociais de quem somos na realidade, sabíamos que não o podíamos fazer, que teria consequências e que seria mal interpretado. São aquelas conversas que só fazemos em grupos restritos ou que simplesmente vivem numa reflexão individual. E não vale a pena culpar as redes sociais, porque este é apenas um canal alimentado por cada um de nós, uma parte do nosso mundo e da imagem que temos do mundo e de cada um de nós. Resta-nos olhar para elas como parte da nossa realidade, como uma praça pública, aproveitando o espaço de encontro, mas garantindo que também aqui sou eu, apenas eu e assino por baixo de tudo em tudo o que publiquei e partilhei.


O mundo do trabalho transformou-se drasticamente em pouco mais de um ano, mas algumas coisas permanecem iguais em 2021. Os benefícios profissionais que atraíram o talento para as organizações antes da pandemia continuam a ser importantes para os adultos em idade activa em todo o mundo. Contudo, alguns destes atributos são cada vez mais importantes numa força de trabalho global mais remota.

Foi esta a descoberta da nossa Randstad Employer Brand Research de 2021 – uma extensa pesquisa de sentimentos entre 190 mil inquiridos de 34 mercados. Sabemos que os acordos de trabalho remoto – amplamente expandidos desde o início da COVID-19 – tendem a resultar numa maior lealdade de talentos.

Em geral, a lealdade da força de trabalho também melhorou com base na forte reacção à crise pela maioria dos empregadores, uma vez que o número dos que aprovam as acções da sua organização ultrapassa largamente os que não o fazem. Esta é uma boa notícia para a employer brand de muitas organizações.

Ao longo da pandemia, as preocupações com o stress e segurança da força de trabalho, despedimentos e diminuição das oportunidades de emprego têm persistido em muitas organizações.

Será que estas forças, exacerbadas pela pandemia, irão afectar a forma como as empresas são vistas? Como irá a crise global mudar a forma como os empregadores atraem grandes talentos? Será que as principais motivações para mudar de emprego vão mudar? Perguntas como estas são cada vez mais fundamentais à medida que as economias em crescimento voltam a lidar com a escassez de talentos.

Surpreendentemente, apesar de todas as convulsões que a COVID-19 tem provocado no mercado de trabalho global, as preferências dos talentos continuam a ser muito semelhantes. O factor mais apelativo de um empregador é a sua oferta de salários e benefícios (citado por 62%), seguido de um bom equilíbrio entre trabalho e vida pessoal (58%) e a segurança no emprego (56%).

Não surpreende que a maioria dos inquiridos veja o bom equilíbrio entre trabalho e vida pessoal como um dos principais atributos de um empregador ideal, com muitos a trabalharem a partir de casa e incapazes de delimitar facilmente as horas de trabalho em casa. Foi uma das conclusões da nossa pesquisa Workmonitor lançada em Abril. De facto, investigações adicionais mostram que não só os trabalhadores de colarinho azul e branco no Reino Unido e nos Países Baixos passam mais tempo atrás da secretária desde o início da pandemia, como os empregadores estão à espera de mais horas de trabalho em alguns casos.

Da mesma forma, devido a despedimentos em massa desde Março passado, a maioria dos inquiridos considera a segurança do emprego como qualidade essencial de um empregador ideal. Esta preocupação pode ser uma das razões pelas quais mais adultos em idade activa estão a registar horários de trabalho mais longos, de acordo com a CNBC. Além disso, a insegurança no emprego levou ao aumento dos sintomas de depressão e ansiedade, segundo um estudo. Uma vez que estas duas questões se tornaram mais consequentes para os empregadores, apresentam também uma oportunidade de mostrar políticas eficazes que apoiam a mão-de-obra nestas áreas, o que ajuda a reforçar as employer brands.

Embora o trabalho a partir de casa apresente desafios claros, continua a ser uma proposta de valor atractiva para os colaboradores. Cerca de dois em cada cinco inquiridos desejam essa flexibilidade, e a proporção foi ainda mais elevada entre as mulheres, que durante a pandemia suportaram um fardo maior do que os homens. A nossa pesquisa Workmonitor revela que a maioria, contudo, deseja um horário híbrido, com alguns dias no escritório e alguns dias em casa.

Embora os três principais factores de atracção de talentos tenham permanecido inalterados em relação ao ano passado, encontramos diferenças regionais nos dados deste ano. Por exemplo, a progressão na carreira é ainda mais elevada do que um salário e benefícios atractivos na América Latina – a única região para a qual a compensação financeira não é o principal factor de motivação. Na Comunidade de Estados Independentes (CEI), a reputação de uma empresa de ser financeiramente saudável é quase tão importante como oferecer salários atractivos. E na Europa, um bom ambiente de trabalho é o segundo benefício mais importante, depois do salário.

A pandemia injectou muitas incertezas no mundo do trabalho, mas uma coisa que se tornou mais clara é a aceleração da digitalização. À medida que organizações, talentos e consumidores abraçaram plenamente formas inovadoras de trabalho e de vida, a procura de ferramentas e aplicações disparou. Isto, por sua vez, ajudou a indústria de TI e comunicações (TIC) a manter a sua posição como o sector mais atractivo a nível mundial – citado por 57% dos inquiridos. Embora isto não tenha sido uma surpresa – o sector das TIC foi também o mais atractivo na nossa investigação de 2020 -, um sector muito menos pesado em termos técnicos deu um grande salto na atractividade este ano. Em quinto lugar no ano passado, o sector agrícola catapultou-se para o segundo lugar em 2021. A indústria automóvel manteve o seu terceiro lugar da classificação do ano anterior.

Uma razão por que estes três sectores foram vistos como mais atractivos é a solidez do seu negócio. Para cada sector, o atributo n.º 1 citado pelos inquiridos foi a saúde financeira, indicando uma ampla preferência por empresas que sejam resistentes. Este sentimento pode ser o resultado de um número incontável de empresas que faliram em todo o mundo. Só nos Estados Unidos da América, cerca de 200 mil encerramentos permanentes foram atribuídos à pandemia.

A saúde financeira de um empregador tem um impacto directo na lealdade dos adultos em idade activa, e esta relação é bem documentada por uma estatística especialmente reveladora na nossa investigação: a retenção de talentos. Aqueles que foram afectados pelo impacto económico da pandemia tinham o dobro da probabilidade de procurar novo emprego nos próximos seis meses do que aqueles que não foram afectados. O que isto nos diz é que as preocupações com a segurança de emprego e compensação entre as pessoas directamente afectadas são extremamente influentes nas escolhas de carreira. É claro que muitos foram despedidos ou dispensados no início da epidemia, e estima-se que se perderam 8,8% das horas de trabalho em 2020.

Uma nota final sobre o impacto da pandemia na reputação da employer brand: dois terços dos inquiridos afirmaram sentir-se mais leais aos seus empregadores com base na forma como têm sido apoiados desde o início da COVID-19. Esta boa vontade oferece certamente às organizações uma oportunidade de continuarem a criar confiança e lealdade entre a sua força de trabalho e também de potenciais contratações. Se há um lado positivo que emergiu dos desafios da pandemia, é que a maioria das empresas está a responder eficazmente às necessidades em mudança da sua força de trabalho. Isto proporciona uma demonstração autêntica da sua cultura e capacidade de cuidar dos seus colaboradores, o que terá impacto directo na sua employer brand.

A nossa investigação mostra que, embora a pandemia tenha mudado os atributos patronais mais importantes para a força de trabalho global, também indica que algumas das qualidades que eram importantes antes da pandemia permanecem ainda significativas. Esperamos que os dados contidos nas páginas seguintes ajudem a compreender como melhor atrair talento num mundo de trabalho transformado.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 183 de Maio de 2021

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