Randstad Insight: “Freedom in the frame”
Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal
Está em cima da mesa, no bolso do casaco, na mala. Perto, sempre perto. E vivemos todos num estado de sobressalto para que possamos ouvir o seu vibrar, para que saibamos se é o nosso ou não. E quando, por algum motivo, não há Wi-Fi, ou o 4 e o 3G insistem em não funcionar, há um sentimento de vazio, a ansiedade de que tudo pode estar a acontecer e nós aqui, num mundo paralelo, em verdadeiro silêncio, onde não está mais ninguém, onde não sabemos quem está.
Nesta caixa negra está também a nossa vida. Os contactos, o banco, os cartões, os acessos, a lista de compras, ciclos biológicos e aniversários. Um cérebro que não se cansa e que nos acompanha, sem falhas e com lembretes.
A transformação da nossa vida não quer dizer que seja boa nem mesmo que seja má. É o que conscientemente quisermos que seja. Dominada ou dominadora, equilibrada ou dependente. A tecnologia é uma ferramenta, não é a culpada de nunca mais ter ido jantar com os meus amigos ou de simplesmente não falar com os meus filhos ao jantar porque estou a ver e-mails. Quem mudou não foi a tecnologia, foram as pessoas, fomos nós. E esse processo de mudança é controlado por nós; não é a transformação que decide a nossa vida.
Talvez por isso mesmo, o que assistimos hoje é ao regresso da humanidade no conceito mais básico da emotividade. O desespero das empresas de serem mais humanas, de assumirem uma personalidade e de estarem cada vez mais emocionais. Porque se perdemos as pessoas da bomba de gasolina para atestarem o carro, ganhamos mais padarias nas grandes cidades e retomamos os brunch como um momento em social. Se perdemos alguns caixas de supermercado, nunca como hoje a mercearia tradicional e de proximidade se instalou nos grandes centros urbanos. E mesmo os negócios que nasceram online ganham dimensão real, como uma loja de e-commerce francesa que abriu em pleno Chiado apenas para estar com os seus clientes, criando um ponto de encontro.
Somos sociais. Somos humanos e a tecnologia só tem de nos ajudar a ser ainda mais, a regressar ao mais básico, a aproximar-nos. Mas será ela uma nova dependência? Será que vai ser ela a ditar as regras?
Este mês, o Governo apresentou o programa “3 em linha” com o objectivo de conciliar a vida profissional, pessoal e familiar. Como disse no seu discurso o Primeiro-Ministro, são três as dimensões, mas a vida é apenas uma. E, neste contexto, é preciso equilibrar ou, melhor dizendo, conciliar. Fazer as pazes com três dimensões que tantas vezes se chocam, compreendendo o que cada uma implica. Reconhecer o papel que a tecnologia tem na nossa vida, mas sem que nos domine. Saber que podemos trabalhar a partir de qualquer lugar e não necessariamente a toda a hora. Compreender que o que vivemos não é apenas o que partilhamos, mas é muito mais do que isso. Acreditar que não é a tecnologia que mata as nossas empresas, mas sim nós que nos esquecemos do cliente e das suas necessidades. Saber viver com tudo o que temos hoje, nunca deixar de procurar a felicidade e ser cada vez mais responsável nas escolhas, nas nossas e das nossas empresas. A creditar que existe um frame onde nos conseguimos mover, onde pode existir liberdade, mas que não nos destroí. Contribuir para que dentro deste frame haja valores, inovação, criatividade e espaço para uma vida cheia de episódios pessoais, profissionais e familiares. Porque só assim somos verdadeiramente humanos. Só assim conseguimos ser felizes.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 153 de Dezembro de 2018.