Randstad Insight: E depois do Verão…

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

Ultrapassamos metade do ano, um ano de altos e baixos e onde o “pós” [pandemia] ainda não tem data marcada. Mas a resiliência tem nos levado a andar para a frente, nem sempre como alunos exemplares, mas sem admitir desistências a meio. Agora que a crise se vai afastando, e quando digo crise falo de mortes, os números começam a perder a proporcionalidade entre infecções, internados e cuidados intensivos. Esta nova fase da pandemia leva a que haja menos consenso nas medidas adoptadas e a saturação aumenta em escala. O Europeu de futebol não ajudou a alimentar os ânimos, mas salve-se o verão e que este nos traga a energia necessária para mais um semestre de navegação à vista.

O que esperar no regresso?

Sem dúvida e num ano eleitoral, muitas politiquices e jogos de bastidores. A justiça ou a falta dela vão continuar a fazer manchete, atropeladas pelo futebol ou pelo menos misturadas com ele, mostrando o pior do desporto rei. Nas empresas a recuperação, a pressão para que a bazuca também olhe para os sectores mais afastados e não engorde um sector público que já tinha problemas na balança.

As decisões dos novos modelos de trabalho também vão começar a ser cada vez mais questionadas. Apesar do ponteiro indicar o híbrido, falta perceber qual o enquadramento jurídico para esta nova forma de trabalhar e o impacto que estas novas regras vão gerar nas empresas e também nos trabalhadores. Uma vez ouvi um advogado dizer que o ideal era legislar-se pouco e não poderia estar mais de acordo. Quanto mais se regula e se fecha o âmbito, mais corremos o risco de viver num mundo híbrido fechado no armário, ou seja, oficiosamente híbrido mas oficialmente presencial, porque as regras para se assumir são tantas e com tanto impacto, que é num acordo entre o trabalhador e a empresa que encontramos o híbrido.

Por outro lado a flexibilidade. A flexibilidade que não é mais do que uma liberdade delimitada e por isso, uma vez mais não deve ser escrita em artigos e alíneas que complicam e burocratizam a relação entre empresas e colaboradores. A preocupação da flexibilidade deve estar não no modelo a ser acordado com o trabalhador que deve estar focado em objetivos e projetos, mas sim no novo contrato social e na equidade. Estes são temas que devem subir ao palco perdendo-se de vez a expressão de “passei aos quadros”, como se de repente pudesse continuar a minha vida, porque só assim a posso fazer em segurança. O contrato sem termo não pode ser um cinto de segurança para uns ou uma corda atada ao pescoço para outros. As formas de contrato devem tutelar relações que tal como o casamento se esperam para a vida toda, enquanto as partes assim o desejarem. Mas esta liberdade exige equidade, exige que a forma do contrato não desvalorize uns em detrimento dos outros e que olhe sim para o fruto do trabalho, o resultado do contributo de cada um.

Da mesma forma, a liberdade exige o reconhecimento de direitos e deveres de empregadores e empregados, o equilíbrio de uma relação que não começou equilibrada, em que patrões dominavam os trabalhadores e abusavam da sua força de trabalho. Temos de garantir este reequilibrio não deixando também ninguém para trás, não apenas ao nível do contrato social, mas também das competências, garantindo que existem oportunidades não apenas de reconversão, mas de reconversão e emprego. No passado falhamos com o financiamento europeu, em que a formação não contribui para maior empregabilidade ou mesmo para desenvolver as competências que o mercado precisava. Hoje estamos todos mais próximos: empresas, entidades formativas, talentos e por isso temos de fazer esta trilogia bem feita, para que no retrato de um país fique marcado o potencial das suas pessoas e para que este fator humano seja parte do que nos diferencia enquanto nação.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 184 de Julho de 2021

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