Randstad Insight: Depois de amanhã, o futuro
Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal
Falamos muito de futuro. Não é um tema novo, mas nunca como hoje ocupou tanto espaço no nosso pensamento.
A transformação tecnológica, a chamada revolução 4.0 tem mostrado as nossa fragilidades em prever o futuro, ou melhor, tem revelado um novo conceito de futuro. Já não é algo longínquo que fica além da linha do horizonte mas, sim, depois de amanhã. A velocidade com que tudo acontece e a disrupção que chega sem avisar altera a realidade da vida das pessoas e das empresas. Mas esta não é uma transformação nova. Há umas semanas preparava uma intervenção sobre o futuro e o impacto do tempo nos trabalhos e lia uma notícia de 1975 que anunciava de forma dramática como a automação ia destruir o emprego na indústria do bowling. Depois da primeira reação de achar alguma graça como poderia ser uma profissão estar junto aos pinos e alinhar a sua recolocação, percebi que a “fatalidade” do tom do artigo não era diferente de muitos que lemos sobre tantas profissões. O que hoje parece diferente é a velocidade com que tudo acontece.
Por outro lado, estamos perante um novo paradigma. O big data, a inteligência artificial, a realidade aumentada, machine learning e blockchain são já uma realidade, não apenas nas empresas mas nas nossas vidas. Estas tecnologias já são parte de experiências no retalho ou em assistentes virtuais e permitem prever com uma fiabilidade cada vez maior o futuro. O futuro ou o depois de amanhã, porque a inteligência do algoritmo não chega à criatividade e inovação dos empreendedores e dificilmente para não dizer com toda a certeza, não terá existido nenhum sistema a prever o aparecimento do Uber ou do AirBnb. Nenhum plano estratégico na área da mobilidade ou do turismo terão tido a capacidade de prever a disrupção que estas empresas iriam criar.
Mas, ao mesmo tempo, hoje, com os dados públicos e os nossos dados, já conseguimos prever a três meses o comportamento do mercado reconhecendo o tipo de sectores com maior procura laboral, os profissionais por região sabendo a sua situação, área funcional e dados demográficos. Conseguimos ir mais longe ao cruzar os dados das escolas e universidades com a informação da população activa. Quantas pessoas de cada curso estão a trabalhar, em que empresas, quais as funções e a média salarial. Do mercado retiramos ainda a informação dos perfis procurados, mapeando as competências mais requisitadas, agrupando-as em técnicas, comportamentais e específicas. Nunca estruturamos tanto a informação, conseguindo fazer previsões cada vez mais precisas mesmo que o iato de tempo seja o novo futuro, o que tem apenas três meses.
Estas previsões são fundamentais em processos de decisão e têm impacto directo nas decisões de negócio. Saber e conhecer o talento é algo crítico para a manutenção, crescimento ou implementação de uma empresa. Mas esta informação não se pode ver num simples Dashboard que tenha o efeito wow quando é visto, mas que não tem impacto no desenvolvimento da sociedade. É preciso dar o passo seguinte e prescrever como se de um médico se tratasse, após cada diagnóstico.
Esta nova certeza do depois de amanhã vive no paradoxo da incerteza da disrupção. Uma convivência que pode não ser muito pacífica mas que tem de coexistir.
Assim como nas empresas se vive o hoje baseado nas aprendizagens do passado e se vive o amanhã num futuro que pode até não se concretizar.
As novas estruturas de inovação nas empresas criaram hubs em algumas e funcionam como verdadeiras startups em empresas consideradas tradicionais. Ao mesmo tempo, a inovação pode ser um motor do negócio de hoje, contribuindo para a sua própria mudança e evolução. Neste outro paradigma em que na mesma empresa se juntam os três tempos verbais, as pessoas são o elo de ligação mais importante. Não podem ser separadas pelo tempo em que actuam e devem compreender essa ligação entre o passado, o presente e o futuro.
Como sempre, em qualquer revolução nunca foram as matérias primas ou a tecnologia os protagonistas. Foram e são as pessoas, os promotores, utilizadores e destinatários de uma transformação. Pessoas que devem estar no centro da equação e que são o elemento de mudança, pessoas que resultam em famílias, em empresas, em grupos, numa sociedade. Pessoas que criam e condicionam a cultura, a qual é o elemento mais crítico para o sucesso de uma organização.
É neste mundo de paradoxos que vivemos o melhor desafio de todos, o desafio da gestão de pessoas.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 147 de Junho de 2018.