Randstad Insight: A transformação do mundo do trabalho
Mais flexibilidade, maior agilidade e capacidade de adaptação. são estas as características do mercado de trabalho, as que os candidatos e empresas cada vez mais exigem e que não se reflectem na legislação.
POR : José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal
Estas características são também as que o mercado de trabalho deverá ter no futuro para ser possível atingir competitividade e sustentabilidade. Porque o processo de transformação é grande e muitas das vezes confunde-se esta necessidade com a precariedade, uma expressão pejorativa que vale a pena analisar. No dicionário encontramos um primeiro conceito: qualidade do que é ou está precário; condição do que é instável, inseguro, frágil ou contingente (in Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa). Se formos então analisar precário, encontramos na mesma fonte os seguintes termos:
1 Que não é estável; que não é seguro; incerto
2 Sujeito a contingências, a eventualidades; contingente
3 Delicado; frágil
4 Escasso
5 Pouco rendoso
6 Difícil; minguado; pobre
Assim, e se nos focarmos exclusivamente no mercado do trabalho, o que vemos é que esta expressão está a ser utilizada para vínculos com fim determinado, ou seja, com prazo. A existência de prazo não é em si sinónimo de instabilidade, o que é causador de insegurança e de incerteza é a inexistência de vínculos, os falsos lay-offs, o pagamento de salários com esquemas ou em economia paralela. As más práticas que não só violam as leis do trabalho mas fragilizam a posição dos próprios trabalhadores é que são a verdadeira precariedade. E que não se julgue que são apenas para funções de base, porque se olharmos, por exemplo, para perfis tecnológicos encontramos muitos que recebem “ajudas de custo” exorbitantes em formato salarial ou mesmo prémios que são constantes e parte integrante do ordenado. Estas assimetrias e a fuga à fiscalidade são aceites pelas empresas e por trabalhadores (umas vezes aceite, outras sem opção) sem nos lembrarmos que é esta atitude que põe em causa a sustentabilidade do nosso país e da nossa sociedade.
O mundo do trabalho tem de ser levado a sério e é necessário garantirmos o equilíbrio entre as partes e o contributo de todos para a sociedade. A flexibilidade e a agilidade nada têm a ver com ilegalidade. Estes princípios, se actuarem num mercado regulado, permitem uma aproximação das partes e vão-se equilibrar.
Actualmente, os serviços personalizados e online estão presentes nas empresas e afiguram-se cada vez mais fundamentais para o desenvolvimento global. A relação de trabalho tradicional está a ser substituída por uma diversidade de formas de emprego mais ágeis e adaptáveis, ao mesmo tempo que se assiste ao aparecimento do conceito de economia on-demand. A flexibilidade laboral, no que concerne a contratos, tempo e localização, está no centro de uma nova realidade do trabalho marcado pela autonomia, direccionado para os resultados e orientado para os projectos.
Novas competências, impulsionadas pela inovação tecnológica, vão criar um número importante de novas oportunidades de emprego e novos mercados, enquanto os trabalhos ou as tarefas existentes desaparecerão ou serão redireccionadas. As mudanças nas competências, na organização do trabalho e nas relações laborais vão resultar num melhor equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, reflectindo-se também no rendimento obtido. No entanto, apesar de todos os benefícios, há o risco de se criar uma polarização de competências, o que representará sérios desafios para o ajuste dos actuais quadros jurídicos, institucionais e de protecção social.
Temos de garantir neste processo de transformação que não eliminamos empregos, mas sim que os conseguimos criar com maior segurança ao nível do trabalho e de rendimento. Simultaneamente, os colaboradores e as empresas necessitam de flexibilidade na maneira como, onde e quando executam o seu trabalho. Isso significa que o mercado de trabalho inclusivo e competitivo que aspiramos para o futuro deve ser ágil e adaptável. Ao combinar uma variedade de contratos de trabalho com sistemas de segurança social modernos e de empregabilidade acessíveis, podemos atingir esse objectivo e proporcionar um futuro sustentável para o maior número possível de pessoas, respondendo aos desafios da tecnologia.
Emprego para as pessoas?
Esta análise investiga se a falta de competências pode levar as empresas a transferir partes do processo de produção para regiões abundantes em competências
Até agora, apesar do que as organizações de empregadores ou de instituições públicas alegam, as pesquisas académicas têm fornecido poucas provas da falta de competências, principalmente nos EUA, sublinhando em vez disso o persistente excesso de qualificações no mercado de trabalho, com colaboradores a fazerem tarefas abaixo do seu conjunto de aptidões.
Contudo, a futura falta de competências pode efectivamente tornar-se real graças ao envelhecimento e diminuição de muitas sociedades ocidentais e à polarização de empregos à custa do emprego com competências médias.
Segundo, as pesquisas económicas identificaram a escolha da localização das empresas como processos complexos sujeitos a vários factores regionais e às características da empresa. O acesso fácil a (novos) mercados, a presença de colaboradores com as competências certas e ordenados aceitáveis, infra-estruturas adequadas e legislação laboral ou ambiental flexível têm sido factores importantes para a selecção da localização das empresas.
Terceiro, argumentamos que esta complexidade limita a relocalização da empresa à luz da (possível) falta de competências no futuro. Contudo, parece provável que as empresas possam responder à falta de competências no futuro aumentando cada mais a relocalização de certas partes do processo de produção. Tendo em conta os investimentos substanciais nas infra-estruturas e no capital humano por parte de alguns países emergentes, em particular na Ásia, devemos esperar que etapas da produção que exigem competências passem cada vez mais para outros países, um desenvolvimento que pode ser já observado hoje até certo ponto.
Falta de competências: conceitos e provas
Oito anos após o fim oficial da Grande Recessão, os mercados de trabalho dos EUA e da Europa continuam a ter dificuldade em recuperar dos efeitos substanciais desta impressionante crise económica.
No quarto trimestre de 2014, a taxa de desemprego da OCDE excedia, em média, o seu nível pré-crise em 1,6 pontos percentuais, com os jovens e indivíduos com menos qualificações a serem particularmente afectados por esta crise a longo prazo no mercado de trabalho. Ainda assim, nos últimos anos, diversas organizações confirmaram publicamente a existência da falta de talento com competências e mostraram drasticamente as (possíveis) consequências desta escassez. Habitualmente, os requerentes sublinham assim as dificuldades da empresa em satisfazer a sua procura por colaboradores para cargos específicos com pessoal adequadamente qualificado.
As alegações baseiam-se frequentemente nos resultados de inquéritos de empregadores.
A falta real de competências pode, de facto, impelir as empresas a ajustarem o seu mix de tecnologias de produção ou as estratégias de emprego para ultrapassarem essas deficiências, sendo que ambas as estratégias de ajustamento podem travar a produção e a produtividade da empresa. Porém, as pesquisas académicas têm sido críticas em relação à noção e abrangência desta característica do mercado de trabalho.
Apesar das controvérsias sobre a natureza e abrangência desta característica do mercado de trabalho, os líderes europeus e norte-americanos consideram a falta de competências no futuro, principalmente graças ao envelhecimento de algumas sociedades ocidentais, como um dos grandes desafios futuros para a manutenção do crescimento económico. O aumento da polarização dos empregos em muitos países desenvolvidos, com a procura por trabalho muito e pouco especializado e com o emprego semiespecializado a ser substituído por tecnologias de produção automatizadas ou subcontratadas a países de rendimentos mais baixos, deve corroborar ainda mais as alterações (futuras) na procura das empresas por talento.
Tendo isto em conta, este estudo avalia uma estratégia de adaptação possível para as empresas, nomeadamente a deslocalização de (parte de) estruturas de produção e empregos associados.
Condicionantes da selecção da localização das empresas
Tendo em conta o dispendioso transporte de bens e componentes e a existência de economias de escala a nascerem da reunião de processos de produção num único local, a selecção da localização das empresas tornou-se uma decisão complexa. Entre outros factores, envolve avaliar os possíveis custos e benefícios de entrar em países diferentes e definir a localização específica dentro de um determinado país. Além disso, têm de ser tomadas decisões relativas à quantidade exacta de investimento na localização escolhida e – num contexto que implica diversas fábricas – como alterar os lucros da operação.
À primeira vista, as localizações adequadas para a actividade económica podem, porém, ser facilmente identificadas. O recente relatório “Doing Business Report” do Banco Mundial classifica os países mediante diferentes indicadores e reitera claramente os países que parecem particularmente adequados para os negócios. Similarmente, o “Global Competitiveness Report 2014-2015”, publicado pelo Fórum Económico Mundial, avalia a competitividade global dos países segundo a qualidade das suas instituições, sistemas educativos, eficiência do mercado de trabalho ou actividades de inovação, entre outras, e classifica todos os países em conformidade.
Ainda que estas medidas cubram claramente aspectos importantes da selecção da localização das empresas e impliquem diferenças importantes nos pré-requisitos dos países para gerir um negócio com sucesso, simplificam até certo ponto a decisão complexa de onde gerir um negócio. Tendo em conta a sua importância, é assim pouco surpreendente que as pesquisas económicas tenham dedicado muita atenção à análise desta decisão.
Potencial de mercado
O tamanho potencial do mercado é um dos principais determinantes para definir uma localização. As primeiras provas empíricas de Coughlin e outros (1991) mostram que os estados dos EUA com níveis relativamente altos de PIB per capita, considerado um indicador adequado da procura de produtos locais, atrai mais investimento directo estrangeiro (IDE) do que outros estados norte-americanos. Davis e Weinstein (2003) argumenta ainda que a persistência de fricções comerciais e o seu poder para segmentar mercados afecta crucialmente padrões mundiais de produção local, enquanto estes padrões geográficos de produção dependem por sua vez da dimensão da procura local.
Hanson (2004) investiga ligações locais entre a procura de produtos regionais e a aglomeração espacial da actividade económica usando dados do universo de estados norte-americanos. A sua análise mostra que as interacções da procura de produtos regionais são centrais para determinar a concentração geográfica de actividade económica, com
as regiões perto de estados com rendimentos mais altos, e portanto com maior procura de produtos, a acolherem a concentração geográfica de actividade económica. Por este prisma, Head e Mayer (2004) desenvolveram um modelo teórico para explicar por que razão as empresas deslocalizam para “onde estão os mercados” e sublinham o papel da acessibilidade dos mercados devido aos custos comerciais e a presença de possíveis concorrentes na definição desta relação. Usando dados das deslocalizações de empresas japonesas na Europa, mostram também que o potencial de mercado de uma região aumenta significativamente a probabilidade de uma empresa se estabelecer nessa região em particular.
Concentrando-se nos condicionantes da selecção da localização de empresas estrangeiras na China, Amiti e Javorcik (2008) mostram ainda que o acesso a mercados e fornecedores na província de entrada são os dois factores mais importantes para determinar os fluxos de IDE. O acesso ao mercado de outras regiões chinesas importa muito menos quando se escolhem localizações, o que é atribuído à falta de infra-estruturas de transportes e a uma fragmentação geral do mercado chinês.
Chen e Moore (2010), contudo, mostram que os mercados menos atractivos, mais uma vez avaliados pelo seu tamanho, são escolhidos por multinacionais mais produtivas, o que sugere que as deslocalizações das empresas dependem também de factores específicos das empresas.
A prosperidade económica, avaliada pelo PIB per capita, concentra-se cada vez mais em certas regiões europeias. As regiões mais abastadas cobrem maioritariamente o Norte de Itália, a Áustria, o Sul e Leste da Alemanha e a Holanda. Além disso, diversas regiões chave, como Madrid, Paris, Londres, Catalunha, certas regiões dos países escandinavos, mas também as capitais da Europa de Leste têm um PIB per capital mais alto do que a média da UE. Embora as diferenças no PIB regional indiquem potencial de mercado, também podem indicar a aglomeração de sectores.
Aglomeração/clusters
Pesquisas existentes mostraram a apreciação geral das empresas por localizações onde já existe uma grande quantidade de empresas que sejam semelhantes.
As razões para os clusters industriais podem ser as vantagens naturais locais, por exemplo, na construção de navios ou produção vinícola, ou económicas, muitas vezes chamadas de efeito colateral. Estes efeitos colaterais podem nascer de economias de escala, especialização ou a difusão de conhecimentos, ou seja, o capital humano, entre outros.
As provas sugerem que as economias de urbanização são particularmente fortes; calcula-se que a duplicação do tamanho de uma cidade gera aumentos de produtividade de 3 a 8%. Contudo, parece existir uma relação em forma de U invertido entre a densidade da actividade económica e a produtividade. Demasiada concentração pode levar a deseconomias de escala.
Diferentes teorias económicas pretendem explicar a maior produtividade nas grandes cidades. Os académicos sublinham as vantagens reais da aglomeração (economias de aglomeração) e a selecção de empresas altamente competitivas em áreas urbanas como possíveis explicações.
Além disso, está provado que a acumulação geográfica de empresas ou sectores é criada pelas decisões de deslocalização e pelas taxas mais altas de sobrevivência nos clusters.
Tendo em conta a importância considerável dos clusters para o crescimento económico, líderes políticos e especialistas tentaram constantemente implementar políticas para apoiar a sua criação. Na Europa, Ketels e Protsiv (2013) reviram mais de mil iniciativas para clusters de forma a darem ênfase à propagação desta ideia. Na sua análise a estas iniciativas, van der Linde (2003) mostra, porém, que apenas um dos 700 clusters estudados na sua análise foi criado de raiz com sucesso, o que significa que existem limitações nesta abordagem.
Capital humano e salários
A disponibilidade do talento afecta a selecção da localização das empresas, apoiando a actividade empresarial e moldando os fluxos de IDE. A Route 128 de Boston e Silicon Valley ainda servem como exemplos canónicos de situações em que a proximidade às universidades e às suas pesquisas promoveu a aglomeração empresarial e criou pesquisa e desenvolvimento económico. Zucker e outros (1998) apontam para a importante heterogeneidade na localização por tipos de empresas, sendo que as empresas menos avançadas tecnologicamente privilegiam locais com alta actividade industrial inovadora, enquanto os líderes tecnológicos tentam evitar esses locais e, portanto, a proximidade espacial dos seus concorrentes. São estas últimas empresas que colocam os seus negócios perto de instituições académicas de topo.
Contudo, algumas empresas podem optar por não se transferir para áreas abundantes em competências, caso tenham de investir significativamente no capital humano dos seus colaboradores.
Segundo a teoria dos autores, as estratégias de localização podem depender bastante dos esforços das empresas para o desenvolvimento das competências dos colaboradores: se uma empresa gastou recursos consideráveis em formação, pode tornar-se o único potencial empregador para o talento quando passa para áreas mais remotas, evitando assim concorrência pela competência. Exceptuando questões de regulação ou negociação de salários, as diferenças regionais nos salários devem reflectir simplesmente as diferenças regionais nas competências, com ordenados específicos individuais a reflectirem a produtividade específica individual. Na realidade, porém, os salários nem sempre estão alinhados com a produtividade, devido, por exemplo, a regulações institucionais como o salário mínimo. Como tal, as empresas desejam naturalmente empregar determinadas competências pelo custo mais baixo possível.
Os níveis salariais há muito que são considerados um estimulador económico importante na escolha de um local. Provas sobre o efeito dos salários nas localizações das empresas são apresentadas por Liu e outros (2010), que demonstraram pela primeira vez que a mistura supracitada pode ser explicada por características específicas da localização que não foram observadas e que estão ligadas positivamente aos salários, causando assim uma tendência decrescente nos cálculos.
Impostos
O nível e as estruturas fiscais de um país servem como outro factor importante na selecção da localização, com a ponderação cuidadosa da abrangência e qualidade dos bens públicos em comparação com o nível e extensão dos impostos sobre as empresas.
Pesquisas empíricas na Economia Pública dedicaram-se à identificação dos efeitos dos impostos na localização das empresas. Os efeitos negativos dos impostos na localização foram observados por diversos especialistas, ainda que alguns estudos forneçam provas dos efeitos não negativos dos impostos na selecção da localização de uma empresa.
Os pormenores são, contudo, importantes: «Os impostos médios eficazes tendem a ter um papel significativo nas localizações discretas, e portanto, na distribuição global do capital; mas as taxas fiscais marginais são muito menos significativas.»
(Deveraux, 2007)
A análise de De Mooji e Ederveen (2006) sugere que as decisões sobre a localização de uma empresa são menos flexíveis às taxas fiscais do que ao nível de investimento. Em média, o aumento de um ponto percentual nas taxas fiscais diminui os investimentos directos estrangeiros num país em 2,9%, embora deva ser reconhecida a importante e grande heterogeneidade do lado do efeito.
Embora os estudos concluam que os impostos reduzem os incentivos ao investimento, as questões sobre o nível ideal de taxação empresarial e efeitos respectivos na providência social são mais subtis. Mediante falta de taxação, é necessário criar outros impostos para financiar a actividade do governo, o que por sua vez cria efeitos negativos na providência social.
A cooperação internacional na criação de impostos pode, ainda assim, reduzir os efeitos desencorajadores dos impostos empresariais e da concorrência fiscal.
Estudo publicado na edição de Junho 2017 da Executive Digest.