Randstad Insight: Migração e o mercado de trabalho

No caso de Portugal, o país tem sido cada vez mais procurado por imigrantes atraídos pela segurança, pelo custo de vida relativamente baixo, pela língua e por uma economia em recuperação, mas também pela necessidade de mão de obra em sectores específicos. Por Mariana Canto e Castro | Directora de RH da Randstad Portugal

Executive Digest
Agosto 28, 2025
12:45

Por Mariana Canto e Castro | Directora de RH da Randstad Portugal

Imigrante – aquele que muda de país ou de região.

Um adjectivo de dois géneros e nome de dois géneros, de acordo com o dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Tão simples, gramaticalmente falando; tão complexo do ponto de vista social; tão violento e tão duro do ponto de vista humano; tão real, tão actual, tão, infelizmente urgente, considerando as razões pelas quais nas maiorias das vezes estas situações ocorrem.

Existe uma combinação complexa de factores na origem dos fenómenos migratórios: económicos (procura de emprego e melhores salários), políticos (fuga à instabilidade ou à perseguição), sociais (reunificação familiar) e ambientais (alterações climáticas).

No caso de Portugal, o país tem sido cada vez mais procurado por imigrantes atraídos pela segurança, pelo custo de vida relativamente baixo, pela língua e por uma economia em recuperação, mas também pela necessidade de mão de obra em sectores específicos. É exactamente esta dimensão económica da migração que o estudo “Mitos e Realidades sobre a Migração e o Mercado de Trabalho” da Randstad Portugal clarifica com precisão, tornando-se numa ferramenta crucial para desmistificar ideias preconcebidas, fornecer dados sólidos e revelar não apenas oportunidades, mas também falhas estruturais no aproveitamento do potencial humano que a imigração representa para Portugal. Para as empresas, este estudo não é apenas relevante, mas também urgente.

A primeira conclusão inescapável é a realidade demográfica: somos um país de velhos! Portugal está a envelhecer e a população activa nacional está em declínio. A imigração, neste contexto, não é apenas um fenómeno social, mas uma condição de sustentabilidade económica. O estudo revela que, em 2023, a população estrangeira representava já 9,8% do total residente, face a apenas 3,6% em 2013.

Esta tendência confirma-se também noutros estudos, como seja o “International Migration Outlook 2024”, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), ou da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2024), que identificam a imigração como motor vital para o crescimento económico e o alívio dos défices laborais estruturais.

Do ponto de vista empresarial, este aumento da força de trabalho estrangeira deve ser encarado como uma oportunidade estratégica. Só no 1.º trimestre de 2025 (de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística), ficaram 56.948 empregos vagos, maioritariamente em alguns dos sectores geralmente ocupados por trabalhadores estrangeiros. O estudo da Randstad confirma o que outros trabalhos já têm assinalado: os imigrantes não “ocupam” os empregos dos portugueses, mas antes suprem necessidades crónicas de sectores com escassez de mão de obra nacional e elevada importância no tecido empresarial português, como a agricultura, a hotelaria, a construção e os serviços de apoio, preenchendo lacunas que, de outro modo, permaneceriam vazias, limitando o crescimento das empresas.

É igualmente essencial sublinhar que muitos destes/ as trabalhadores possuem elevadas qualificações: 31,6% têm ensino superior, um valor acima da média da União Europeia. No entanto, o mercado de trabalho português não tem sido capaz de os integrar de forma condigna. A taxa de sobrequalificação, ou seja, a proporção de trabalhadores que possuem um nível de educação ou qualificações superior ao exigido para o cargo que ocupam, entre a população estrangeira, atinge os 42,8%, face a apenas 15,7% entre os portugueses.

Este desajuste não pode ser explicado apenas e só por fatores burocráticos como o não reconhecimento de diplomas ou exigências linguísticas. Ele está também relacionado com mecanismos mais subtis, mas igualmente eficazes, de exclusão social, como a discriminação.

Estudos recentes, como o Inquérito às Condições Origens e Trajetórias da População Residente em Portugal (ICOT), em 2023, ou o Inquérito Europeu sobre Discriminação da European Union Agency for Fundamental Rights (FRA), do mesmo ano, revelam que a origem étnico-cultural e a nacionalidade continuam a ser fatores preponderantes na exclusão de candidatos em processos de recrutamento e na estagnação profissional dos trabalhadores estrangeiros.

Para as empresas, este “desperdício de talento” não é apenas uma questão ética, mas também questão de competitividade, pois traduz-se em competências desaproveitadas, inovação travada e potencial de produtividade não realizado. Num estudo realizado no Reino Unido, em 2014, dois economistas provaram que a má alocação de competências de imigrantes impacta negativamente as finanças públicas, na medida em que poderiam ser utilizadas em empregos mais bem remunerados com impacto positivo no crescimento económico do país de acolhimento.

Este ponto conduz-nos precisamente a outra conclusão bem patente no estudo da Randstad: o mito do “peso na segurança social”; os imigrantes contribuíram com 3.645 milhões de euros em 2024, gerando um saldo positivo de quase 3 mil milhões para o nosso sistema contributivo. Do ponto de vista das empresas, isto representa um reforço indirecto da estabilidade económica e social, ou seja, um contexto favorável ao investimento e à expansão.

Contudo, os desafios persistem. A taxa de desemprego entre estrangeiros (11,9%) é quase o dobro da dos portugueses (6,6%) e os contratos temporários e a tempo parcial são mais prevalentes entre os primeiros. Este último aspecto não é necessariamente negativo, porém traduz por vezes a realidade provisória da deslocação e/ou estadia, e, por outro lado, liga-se ainda aos sectores de actividade em causa.

No entanto, é claro que a integração plena no mercado de trabalho exige políticas empresariais urgentes, transversais, profundas, intencionais e transformadoras. Devem ser revistas algumas práticas de recrutamento, de formação, progressão interna e avaliação, de forma a eliminar preconceitos implícitos e assegurar igualdade de oportunidades. Iniciativas como programas de mentoring intercultural, reconhecimento interno de trajectórias de superação e métricas de diversidade devem deixar de ser excepções para passar a ser consideradas práticas institucionais.

Em síntese, os dados do estudo da Randstad, corroborados igualmente por outros estudos, apontam para uma verdade inequívoca: a imigração é um activo. As empresas têm uma responsabilidade acrescida, mas também uma oportunidade estratégica, de liderar um processo de mudança cultural, assente na inclusão e na valorização da diversidade, que transforme o capital humano em valor económico e social. O futuro da competitividade em Portugal passa, inevitavelmente, por uma gestão inclusiva, informada e visionária dos recursos humanos, sejam estes portugueses ou estrangeiros.

Na Randstad Portugal empregamos mensalmente cerca de 83 nacionalidades diferentes, entre colaboradores da estrutura corporativa e aqueles que colocamos em clientes. 83 nacionalidades diferentes… Ainda não conseguimos uma integração perfeita, ainda não nos podemos “gabar” do facto de termos um processo de onboarding e ongoing na gestão destes colegas, que corre sem percalços ou sobressaltos.

Porém, estamos conscientes de todas as imperfeições, incorreções e aspectos negativos, tal como estamos conscientes da nossa necessidade de diariamente analisarmos as situações que correm menos bem, para delas retirarmos aprendizagens e pontos de partida para uma melhor gestão.

A empregabilidade de migrantes e a gestão intercultural são temas centrais na nossa estratégia corporativa; a especialista de ED&I, Lígia Mendes, que tão crucialmente contribuiu para o presente artigo, é igualmente uma peça fulcral na nossa empresa, para garantir a articulação simultânea de todas estas temáticas, quer localmente, quer em articulação com a casa-mãe, na Holanda.

Diversidade e Inclusão não podem ser apenas siglas; é importante aplicar na prática o caminho que defendemos; há empregos para todos, espaço para os que vêm por bem, lugar na nossa sociedade para os que a querem integrar e fazer de Portugal uma nova casa.

A nossa cor da pele, a nossa etnia, a nossa religião, são parte daquilo que somos, mas não nos definem. Nem a nossa nacionalidade… Por dentro, somos todos iguais. Por dentro, somos todos humanos. Migrações deveriam ser apenas isso mesmo: representantes da humanidade a deslocarem-se, viverem e trabalharem através de um planeta que é a nossa casa.

Um dia, poderá ser que se chegue a este avanço civilizacional de integração, mesmo para situações que tenham origem em necessidade de fuga de zonas de conflito, perigo, fome, escassez ou doença. Um dia, poderá ser que a humanidade compreenda que para se manter a espécie que continua a evoluir, precisa, antes de mais de evoluir mentalmente em ideias, deixando para trás preconceitos artificialmente construídos para a manipulação das nossas crenças. Um dia…

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 233 de Agosto de 2025

Partilhar

Edição Impressa

Assinar

Newsletter

Subscreva e receba todas as novidades.

A sua informação está protegida. Leia a nossa política de privacidade.