Uma boa ocasião para a reforma do sistema eleitoral

Por Manuel Falcão, www.sfmedia.org

Haverá crise política? Se houver, desencadeará eleições antecipadas? O Presidente da República continuará a defender o que ele considera estabilidade a qualquer preço? Todos os comentadores andam à volta destas questões, certamente importantes. Mas mais importante ainda é Portugal continuar a perder competitividade na Europa, a ser ultrapassado por outros países constantemente, com o número de pessoas no limiar da pobreza a aumentar. Os problemas do país vêm da falta de crescimento económico, de um clima político que penaliza empresas e que alarga o Estado. Andamos nisto, sem exagero, há décadas e o impasse é sempre o mesmo: abstenção em níveis assustadores, um sistema partidário bloqueado e uma lei eleitoral caduca. Tudo isto cria desencanto na democracia e no funcionamento das instituições. E no entanto em Agosto de 1921 a SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) e da APDQ (Associação para uma Democracia de Qualidade) propuseram uma reforma do sistema eleitoral que continua abafada pelos aparelhos partidários.

Na altura as duas associações apresentaram uma proposta concreta ao Presidente da República e uma petição à Assembleia da República. A grande alteração prende-se com a forma como os eleitores votam, que passaria a  um duplo voto por cada boletim: um para votar nos partidos, o segundo para escolher um deputado em concreto, numa votação uninominal, sistema que existe por exemplo na Alemanha. A proposta foi apresentada incorporando um  desenho dos círculos eleitorais, com a particularidade de que nenhum pode eleger menos do que oito deputados. “Os círculos mais pequenos são um dos fatores que provoca mais distorções na proporcionalidade”, sublinha Ribeiro e Castro, um dos responsáveis pelo desenvolvimento desta proposta. E apontou o exemplo de Portalegre, que elege atualmente dois parlamentares: “Isto significa que há uma cláusula-barreira de cerca de 30%”. Ou seja, quem atingir esta fasquia pode eleger, quem ficar abaixo, mesmo tendo uma votação na casa dos 20%, não tem os votos contabilizados. O nosso sistema desperdiça votos na realidade, o que significa que não mostra a verdadeira matemática da votação. A proposta da SEDES e da APDQ propõe a redução para 15 círculos do continente e ilhas, que elegeriam no total 210 mandatos, as comunidades portuguesas no exterior quatro, enquanto os restantes 15 lugares do Parlamento seriam preenchidos através de um círculo nacional de compensação, destinado a garantir a proporcionalidade do sistema.

Aconteça agora o que acontecer, se não forem convocadas eleições antecipadas, estaremos a meio da legislatura, uma excelente ocasião para reflectir sobre esta mudanças. Ribeiro e Castro sublinhou na apresentação da proposta:  “Este é um sistema proporcional. O voto que delimita a composição da AR é um voto partidário nas listas, a votação uninominal é um mecanismo de personalização da escolha”. Sublinhou também que a existência de círculos uninominais está prevista na Constituição desde 1997. Há duas décadas que a reforma do sistema eleitoral – que exige aprovação por uma maioria de dois terços, pelo que terá de ser alvo de um entendimento entre PS e PSD – é um tema fundamental para melhorar o sistema democrático. Só que os partidos não querem ouvir falar desta mudança: PS e PSD deixam o tema ao canto da sala e os partidos mais pequenos são contra, sobretudo se passarem pela criação de círculos uninominais. Recordo as palavras de Ribeiro e Castro há pouco mais de um ano, sobre a sua proposta: “Este é um sistema que não favorece e não prejudica ninguém”. E nessa altura recordou que esta proposta de alteração só fará caminho se a “cidadania se levantar” contra o sistema atual, “fonte de grandes problemas do nosso sistema político”. Um ano  passado, tudo continua na mesma. Aqui está um tema que podia constituir um marco no mandato de Marcelo Rebelo de Sousa se o Presidente da República patrocinasse tal reforma.