Transporte eletrificado: Que tecnologia irá prevalecer?

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

No âmbito do transporte eletrificado as duas principais tecnologias associadas são a dos veículos elétricos a bateria (BEV, sigla do inglês Battery Electric Vehicle) e a dos veículos com pilha de combustível (FCEV, sigla do inglês Fuel Cell Electric Vehicle).

No primeiro caso a eletricidade é armazenada numa grande bateria, em módulos, que permite uma deslocação isenta de emissões de gases de efeito de estufa se a eletricidade que a alimenta for produzida por via renovável. Neste caso existe um sistema que converte a corrente alternada da rede elétrica em corrente contínua que abastece a bateria que por sua vez alimenta o motor elétrico. Há vários tipos de baterias mas o mais comum atualmente é a bateria de ião de lítio.

Os veículos a pilha de combustível (conjunto de células de combustível) usam normalmente hidrogénio, armazenado num tanque a alta pressão para gerar eletricidade nas células de combustível. O hidrogénio é combinado com o oxigénio e gera água como emissão, produzindo uma corrente elétrica que alimenta um motor elétrico. Usualmente existe também uma pequena bateria auxiliar para armazenamento de energia elétrica gerada por exemplo nas desacelerações e travagens.

A primeira tecnologia requer sistemas/postos de carregamento, que estão, aos poucos, a ser instalados, que envolvem um assinalável investimento e que podem sobrecarregar a rede elétrica, sendo necessário um elevado número dos mesmos dado o tempo necessário para essa operação.

A segunda tecnologia, necessita de sistemas de alta pressão e de hidrogénio a preços concorrenciais, envolvendo, no mínimo, adaptação dos sistemas de transporte e distribuição. Alguns destes problemas podem ser obviados por uso de outros vetores que contenham hidrogénio, como o metanol.

A tecnologia dos BEV é uma tecnologia que assenta num menor número de componentes e, assim, de menor manutenção, mas eventualmente numa maior quantidade de alguns materiais críticos a nível das baterias e motores elétricos, embora os FECV tenham outros materiais críticos a nível do catalisador da célula de combustível.

O desempenho dos dois tipos de viaturas é semelhante, mas um FECV abastece-se muito mais rapidamente, a não ser que seja adotado o sistema de troca de baterias descarregadas por carregadas, que ainda não tem aplicação prática.

A eficiência da produção e utilização de hidrogénio para produção de eletricidade é inferior à utilização direta da eletricidade num BEV, mas tal pode ser obviado se o hidrogénio for produzido através de energia renovável excedente.

Em termos de segurança, todos temos ouvido falar em inúmeros incêndios de veículos elétricos, o que futuramente poderá ser obviado por baterias de eletrólitos sólidos, mas dada a flamabilidade do hidrogénio também há alguns riscos associados, embora menorizados através de vários sistemas de segurança.

Aqui ficam alguns prós e contras para os BEV e os FCEV, resta agora saber em que realidades nacionais/regionais estes veículos irão operar e qual o tipo de utilização médio previsto. Disso dependerá a descarbonização associada. Em países em que a eletricidade seja produzida essencialmente por via renovável e a utilização seja sobretudo citadina, os BEV poderão ter vantagem. Em zonas em que a utilização seja essencialmente de longo curso, e em que a produção de hidrogénio ou outro vetor seja economicamente e renovavelmente produzido os FCEV poderão ser a opção a considerar.

Por exemplo, a Euronews anunciava, em 2022, que enquanto a Europa está totalmente focada em carros elétricos, a Ásia está a apostar muito no hidrogénio. E referia que apesar da crescente popularidade, a escassez de componentes-chave para baterias, incluindo lítio, níquel e cobalto, pode ameaçar o fornecimento, pelo que era aqui que entrava o hidrogénio. O governo japonês planeava ter 800 mil veículos movidos a hidrogénio até 2030, enquanto que a China estabeleceu uma meta ambiciosa de 1 milhão até 2035.

E no nosso país? Sabemos que existem vários projetos ligados à produção de hidrogénio por via renovável, muitos deles financiados pelo PRR. O novo governo parece apontar sobretudo para a produção de hidrogénio para utilização local/nacional e não exportação via gasoduto. Se a isso forem associados investimentos a nível dos sistemas de distribuição/abastecimento de hidrogénio, ou de produção de vetores líquidos com base nesse hidrogénio verde, para distribuição/abastecimento pelos postos existentes, poderia haver aqui um push para os FCEV. Eventualmente até promovendo a produção desse tipo de veículos no nosso território, com negociação com fabricantes interessados.

Por outro lado, o crescimento do número de centrais fotovoltaicas e de outros tipos de produção de eletricidade de origem renovável que se antevê, eventualmente tendente a uma baixa de preço da eletricidade, terá que ser associado a um investimento no reforço da rede elétrica e dos postos de carregamento dos BEV.

Tudo terá que ser ponderado, mas a aposta poderá passar pela adoção das duas tecnologias, criando mais oportunidades de negócio e mais opções para os consumidores, no que se refere ao transporte eletrificado. Havendo ainda outras opções de baixo carbono para motores de combustão, mas isso é outra história…

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