Transição energética na mobilidade: Algumas curiosidades           

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Um dos problemas apontados à eletrificação no domínio da mobilidade, tem a ver com a quantidade e tipo de minerais que lhe são associados e às questões relacionadas com a sua mineração. Normalmente essa “comparação” é feita com o que se passa com os veículos com motores de combustão movidos a hidrocarbonetos fósseis.

No entanto, o que acontece é que uma parte, cada vez mais importante, do petróleo, não é obtido apenas por perfuração, que por vezes é realizada em locais pouco acessíveis e distantes, mas também através da exploração, que alguns chamam também de “mineração”, das areias petrolíferas, ou areias betuminosas, ou betume bruto ou ainda areias betuminosas, que são um tipo de depósito de petróleo não convencional. Com a diminuição de algumas reservas de petróleo do planeta, a extração do petróleo do betume tem-se tornado uma opção dada a sua grande disponibilidade. Porém, este processo de extração do petróleo presente na areia betuminosa é complexo e causa mais danos ao meio ambiente do que as técnicas usadas em poços tradicionais.

Para extrair o petróleo por esta via, vapor quente é injetado, fazendo com que areia e petróleo se separem de forma a bombeá-lo para a superfície. Quando as reservas de areia betuminosas estão localizadas próximo da superfície, é utilizada a técnica de mineração a céu aberto. As emissões de carbono decorrentes das atividades relacionadas à exploração do betume são 15% a 20% maiores em comparação com poços tradicionais. A contaminação da água e do solo por hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e por metais pesados é também de assinalar.

Um dos locais onde este tipo de exploração petrolífera é importante é, por exemplo, no Canadá, onde as areias betuminosas de Alberta representam a maior reserva de petróleo bruto do país. Neste país, foi feito um estudo que demonstrou que durante o tempo de vida normal de uma viatura ligeira com motor de explosão, para perfazer os kms totais percorridos (estimados em cerca de 300 000 kms), seriam necessárias mais de 650 toneladas de areias petrolíferas. Este estudo refere ainda que para produzir um barril de petróleo (159 litros) por esta via são necessárias cerca de 2 toneladas destas areias petrolíferas.

Por outro lado, muito se tem falado sobre o lítio necessário para as baterias e sobre os problemas com isso relacionados. Mas agora, embora já conhecidas há alguns anos, têm vindo agora a ser muito divulgadas as baterias de sódio, e apontadas como uma alternativa às de lítio. Estas baterias para além de não necessitarem de lítio também prescindem da alguns dos minerais críticos de que estas necessitam. Usam sódio, um elemento muito mais abundante e barato do que o lítio e que está muito mais geograficamente distribuído. Estas baterias têm uma pegada de carbono cerca de 8 vezes inferior à das baterias de lítio equivalentes, apresentando ainda a vantagem de funcionarem melhor a temperatura extremas. Há, portanto, já alternativas concretas ao lítio.

Os biocombustíveis são uma das alternativas aos combustíveis fósseis, mas parte da matéria-prima necessária para a sua produção levanta alguns problemas ambientais como no caso do óleo de palma, soja e de colza usados complementarmente aos óleos usados no biodiesel, o biocombustível mais usado em Portugal. Por isso a aposta deve ser feita nos combustíveis sintéticos obtidos a partir de hidrogénio verde e de dióxido de carbono sequestrado, ou nos biocombustíveis, sobretudo líquidos e gasosos, com origem em biomassas residuais.

Existe ainda a solução do motor de combustão a hidrogénio. Muito recentemente foi anunciado por uma empresa austríaca um motor turboalimentado a hidrogénio com excelente desempenho, com uma densidade de potência de 205 CV por litro! A tecnologia assenta em água que é borrifada na admissão de forma a evitar a ignição prematura indesejada. Outra tecnologia, da Toyota, refere a utilização da injeção de água em cada cilindro para arrefecimento da elevada temperatura gerada pela combustão do hidrogénio.

Verifica-se assim que os problemas da mineração tão apontados às tecnologias para a mobilidade elétrica, não são um exclusivo destas, pois mesmo as tecnologias atuais relacionadas com a exploração do petróleo também enfermam de problemas semelhantes.

Estas e outras curiosidades parecem também apontar para o facto de o motor de combustão ainda ter uma palavra a dizer, pelo menos numa fase de transição, mais ou menos alargada, e para certos tipos de transportes/percursos, não assente em combustíveis fósseis, mas nas alternativas apontadas.

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