Transição energética em zonas fora da rede e ultraperiféricas
Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros
As grandes políticas energéticas estão fundamentalmente focadas em consumidores que utilizam as redes existentes, sejam de eletricidade, combustíveis líquidos ou gasosos. No entanto, de uma maneira geral, as zonas que ficam fora dessas redes são mais difíceis de descarbonizar. Por isso hoje vou-me centrar nas soluções de energia fora da rede de gás que podem contribuir para a neutralidade carbónica.
Nas zonas rurais não ligadas à rede e nas zonas ultraperiféricas (ex. ilhas), segundo a Comissão Europeia, a percentagem da população em risco de pobreza e exclusão social é mais elevada e, por isso, existe o objetivo, por parte da Liquid Gas Europe, de desenvolver o fornecimento de gases liquefeitos renováveis (GLR), nomeadamente a esse nível, que poderá atingir as 625 mil toneladas até ao próximo ano. Saliente-se que as zonas rurais da UE abrangem cerca de 137 milhões de habitantes, mas as suas necessidades específicas são frequentemente ignoradas a nível nacional e comunitário.
É assim necessário dar prioridade a uma transição justa para as zonas rurais, tornando a transição energética acessível para todos. Para que isso aconteça os GLR poderão dar um forte contributo, pois estes são uma via garantida para a descarbonização do aquecimento rural, dos transportes sustentáveis e mesmo da indústria de carácter regional.
A eletrificação total não será a solução ideal para todos os consumidores individuais e empresariais, nomeadamente quando envolve renovações profundas. A alternativa permitida pelos GLR, apostando numa renovação progressiva e mais adequada do ponto de vista económico e financeiro, não deve ser negligenciada, tratando-se mesmo de uma solução pragmática.
Acresce ainda que a substituição de sistemas de aquecimento ineficientes por sistemas altamente eficientes que usem GLR permitirá ainda uma melhoria da qualidade do ar e, consequentemente, a melhoria das condições de saúde dos utilizadores.
No campo dos transportes o gás líquido é utilizado por mais de 8,5 milhões de veículos a nível da UE, sendo que a Europa tem uma forte base de fabrico deste tipo de veículos. Por isso aqui está uma importante via para a integração dos GLR, promovendo uma redução imediata dos gases de efeito de estufa (GEE), com utilização de veículos menos dependentes de matérias-primas e componentes externos. Com isto será ainda possível promover a reconversão mais fácil das frotas existentes e a utilização de infraestruturas de abastecimento existentes.
O uso dos GLR promoverá também um setor industrial versátil e competitivo, nomeadamente o que envolve processos de energia intensiva nomeadamente em off-grid. Além disso, a produção descentralizada de gases renováveis tem o potencial de revitalizar economias locais, nomeadamente dando valor a resíduos existentes nessas zonas.
Como o setor do gás líquido existente dispõe de uma infraestrutura de produção e distribuição bem estabelecida e de grande alcance, esta deve ser aproveitada. Os GLR localmente produzidos, podem assim contribuir para a redução da dependência das importações de energia aumentando a segurança do abastecimento. Além disso, como referido, podem também contribuir para aumentar a competitividade das indústrias que estejam fora da rede.
O preço acessível das energias renováveis continuará a ser um fator decisivo. Os GLR podem ser uma fonte de energia acessível se devidamente enquadrados. Isso assentará num regime de financiamento e fiscal tecnologicamente neutro.
Para além das zonas rurais que temos em mente, existem ainda as zonas ultraperiféricas, muitas vezes isoladas, como as ilhas, cuja situação energética específica tem de ser reconhecida. Estas enfrentam custos adicionais elevados e geralmente maior risco de pobreza energética. Por isso urge centrar também aqui o debate político e fomentar a sua autonomia energética.
Assim, o contributo dos GLR terá de ser assente em métodos e regimes de apoio adequados, no reconhecimento dos GLR no âmbito da aplicação da Diretiva Europeia das Energias Renováveis, no aumento da sua integração nos combustíveis nos transportes, na expansão e descentralização da produção de GLR e no reforço das infraestruturas de armazenamento e distribuição, entre outras.
O sucesso destas políticas necessita de ser suportada numa regulamentação bem definida, naturalmente assente numa participação abrangente que forneça aos decisores políticos a informação adequada. Os GLR têm, portanto, de estar posicionados como uma fonte de energia fundamental para alcançar os objetivos climáticos fixados.
A inclusão dos GLR como parte integrante da estratégia energética não beneficia apenas o meio ambiente, pois serve também como um catalisador para o crescimento regional sustentável, promovendo a igualdade de oportunidades de desenvolvimento. Este crescimento descentralizado é determinante não só para transição energética, mas também reforça a coesão social, económica e territorial, assegurando que todos os cidadãos possam beneficiar desta profunda transformação social.