Ter casa não é um luxo, é um direito básico universal

Por Miguel Oliveira, Diretor Coordenador Nacional da Rede Decisões e Soluções

Se olharmos para os últimos dez anos, a subida dos preços da habitação é uma tendência que se repete. A procura de casas continua a exceder largamente a oferta existente e não se vislumbra que tal possa ser corrigido nos próximos tempos, pelo que é expectável que o cenário se mantenha em 2025. Também por isso é sem surpresa que vemos os dados do último boletim estatístico do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre os preços da habitação, que nos mostram que os valores voltaram a subir no segundo trimestre do ano, em 12 dos 24 municípios mais populosos do país.

Para que pudéssemos verificar alguma mudança num panorama já previsível, seria preciso que existisse uma capacidade produtiva das empresas do setor para colocar no mercado casas a preços acessíveis, o que também parece inviável nos próximos tempos. Também ao nível do crédito à habitação e do financiamento para compra de casa, as condições parecem ir no sentido de aumentar ainda mais a procura existente, já que a banca está “saudável” e com “apetite” para continuar a conceder crédito à habitação. Da mesma forma, mantendo-se o nível de emprego em Portugal, com a inflação a diminuir, a redução dos impostos e das taxas de juro, haverá maior rendimento disponível para as famílias e melhores taxas de esforço, portanto, uma conjuntura que continuará a potenciar o aumento da procura. Da mesma forma, as recentes medidas de apoio para a aquisição de habitação própria permanente para jovens até 35 anos terão reflexo direto no aumento da procura, contudo, em contraste com um mercado em que a oferta continua a escassear.

Por outro lado, temos fatores a contribuírem para a subida dos preços, como o custo dos materiais de construção – influenciado por diferentes fatores como a instabilidade que se vive em várias zonas do mundo com vários conflitos armados ativos; o elevado custo e a falta de mão-de-obra qualificada; o custo da energia, que também sofreu um aumento significativo desde 2022 com o início da guerra na Ucrânia; o morosidade e o custo dos licenciamentos – que têm reflexo direto na rentabilidade das operações de promoção imobiliária; e, claro, a inflação com as consequências que lhe são inerentes.

Contrariar esta tendência de subida de preços na habitação não será fácil.

É preciso reforçar a oferta habitacional através de incentivos à construção de habitação a preços acessíveis; do reforço dos benefícios fiscais para os promotores imobiliários; da alteração da utilização de imóveis devolutos; e de incentivos à autoconstrução e à criação de cooperativas de habitação. Também é preciso olhar com mais atenção e reavaliar as políticas fiscais em vigor, para que se caminhe no sentido de uma redução de impostos sobre os imóveis habitacionais novos ou reabilitados e, por outro lado, para o progressivo aumento das taxas sobre imóveis habitacionais não ocupados. Não menos importante, ter a banca disponível para financiar a construção de novos imóveis ou a reabilitação de existentes, com um apoio efetivo aos promotores imobiliários.

A habitação é um direito básico universal e está consagrada na Constituição da República Portuguesa, num texto onde desde logo se encontram descritas aquelas que são as incumbências do Estado nesta matéria. No nº.2 do Artº. 65º, lê-se que cabe ao Estado “programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social”; “promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais”; “estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada”; e ainda incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.”

Se estas responsabilidades estão previstas e a habitação é por lei algo a que todos devemos ter acesso, do que estamos à espera? É necessário começar a “pôr as mãos na massa”, porque há muito por fazer e o tempo urge.

A inércia e a inoperância nesta área continuarão a ter como consequência a continuação da subida dos preços, dificultando, cada vez mais, o concretizar de um sonho de muitos portugueses. E que é seu por direito.

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