Temos de nos preparar… atempadamente

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Uma notícia de 24 de agosto do Texas Monthly relembrou-me de uma questão sobre a qual me tenho debruçado (e publicado) desde há algum tempo. Referia essa notícia que milhares de pás usadas dos aerogeradores eólicos se encontravam empilhadas numa parte do Texas. Pois, a questão em apreço é a reciclagem/reutilização de sistemas/componentes usados na produção de eletricidade por via renovável, nomeadamente por via solar fotovoltaica ou eólica.

As pás e os painéis fotovoltaicos são de reciclagem complexa, pelo que urge começar a pensar no que fazer em fim de vida desses equipamentos, nomeadamente agora numa fase em que a instalação destes sistemas se alarga de ano para ano. E em que algumas das primeiras instalações começam a chegar ao fim do seu tempo de vida útil. O fim de vida crescente dos sistemas e equipamentos que foram instalados nos anos 80 e 90 impõe, desde já, a consideração da sua reciclagem, de forma a conseguir uma solução sustentável e circular adequada. Para além da resolução de um problema, esta poderá ser também uma importante oportunidade de negócio e de desenvolvimento da economia nacional.

Os aerogeradores ou turbinas eólicas têm, em média, um tempo de vida estimado de cerca de 20 anos, embora esse tempo possa ser prolongado por mais tempo, dependendo das circunstâncias. Neste caso, a preocupação é principalmente com as pás, pois as torres e as nacelles e seus elementos são de fácil/corrente reciclagem. Em relação às pás, de momento, apenas soluções de aplicações pouco “nobres” estão disponíveis a nível prático industrial, correspondendo à produção de agregados da mistura, após trituração, para aplicações como paletes, sulipas ou pavimentos exteriores ou interiores. O coprocessamento na indústria cimenteira é outra opção, permitindo aproveitar a energia dos polímeros e incorporar o material fibroso rico em sílica como componente do cimento. No que respeita às pás das turbinas, estas são essencialmente constituídas por compósitos de fibra de vidro (~75%), que conferem elasticidade e resistência, e de resina polimérica (25%). Além disso, o primeiro problema que existe no tratamento em fim de vida das turbinas eólicas é o seu desmantelamento: é complexo, e por isso, caro. O transporte de peças e componentes de grandes dimensões para os destinos de tratamento pode também ser difícil. Uma solução mais apropriada será o corte no local, particularmente no caso das pás.

A nível das pás dos aerogeradores, era referido há cerca de 4 anos que existiam globalmente dezenas de milhares desses componentes que tinham atingido o seu fim de vida. Só nos Estados Unidos eram previstos cerca de 8000/ano e na Europa 3800/ano, nos próximos anos.

Por sua vez, os painéis fotovoltaicos estão projetados para uma vida útil de 25 a 30 anos. A nível nacional uma estimativa efetuada para 2018 apontava para os painéis fotovoltaicos existentes um número de cerca de 1,8 milhões com um peso aproximado de 36000 toneladas. Estima-se que em 2050 exista um valor cumulativo global mundial de cerca de 78 milhões de toneladas de painéis solares obsoletos. Consequentemente, era esperado (em 2018) que no final desta década a reciclagem ou reutilização de componentes de painéis solares fotovoltaicos em fim de vida aumentasse significativamente, com um valor de mercado estimado em cerca de 13 mil milhões €!

Como os módulos existentes atualmente pertencem essencialmente a dois tipos diferentes, baseados em silício ou não, isso determina o processo de reciclagem a ser usado. Assim existem vários processos mecânicos, térmicos e químicos. Os painéis de silício, os mais comuns (valor indicativo de 20 kg/unidade) têm uma composição aproximada de 76% de vidro, 10% de plástico, 8% de alumínio, 5% de sílica e 1% de outros metais e os painéis de filme fino têm 89% de vidro, 6% de alumínio, 4% de plástico e 1% de outros metais. A presença de alguns materiais valiosos, que estão também presentes representam uma oportunidade económica que não é de rejeitar. É indicado que num painel fotovoltaico representativo, existem as seguintes % em peso de vários metais: chumbo-0,12%; prata-0,14%, estanho-0,12% e cobre-0,37%. Há por isso “aqui” muito material para recuperar.

Assim, há oportunidades e desafios no que se refere à reciclagem de componentes de sistemas de produção de eletricidade de origem eólica ou fotovoltaica, mas os métodos de reciclagem necessitam ainda de ser melhorados ou comprovados. No entanto existem já nalguns países empresas/entidades a trabalhar neste domínio. Que podem servir para benchmarking para industriais/investidores nacionais.

Com a implementação crescente da produção renovável de eletricidade e a eletrificação progressiva da economia que se está a verificar na transição energética em marcha, serão também crescentes os volumes de componentes em fim de vida, pelo que, para além dos aspetos ambientais e de sustentabilidade, existe também uma assinalável oportunidade de negócio a este nível que deve ser considerada.

Por isso nos devemos preparar, atempadamente, para o volume crescente desta fonte de materiais tão necessários, substituindo importações, conferindo retenção de valor e, ao mesmo tempo, ajudando o ambiente de forma economicamente viável.

 

 

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