Somos do tamanho do que vemos
A dimensão de Portugal é várias vezes utilizada para justificar a menor competitividade da sua economia e das suas empresas. Mas será que é mesmo assim?
Por Luís Paulo Salvado, presidente da Novabase
Vejamos: em termos de população, ocupamos a 16.ª posição (em 58 países) e a 21.ª em território. Ora, não sendo uma das maiores nações europeias, situamo-nos no grupo dos países de média dimensão, alguns dos quais com economias bastante competitivas.
Por isso, sou da opinião de que o facto de existirem nações “grandes”, poderá estar, porventura, a criar-nos essa ilusão. “Porque eu sou do tamanho do que vejo”. A frase é de Alberto Caeiro, e eu não podia estar mais de acordo. Devemos tirar partido da nossa dimensão, mesmo que a consideremos reduzida. Podemos até transforma-la numa vantagem, como os seguintes exemplos – de áreas muito diferentes – bem ilustram.
O SECTOR DO TURISMO
Temos assistido a um forte crescimento do Turismo nos últimos anos, graças a uma diferenciação em aspectos-chave como o clima, a segurança, a hospitalidade, a riqueza gastronómica, a qualidade de infra-estruturas e, também, a um menos bom desempenho de alguns destinos concorrentes. Contudo, dada a nossa reduzida escala, devemos trabalhar sobretudo para o Turismo Premium, em detrimento do massificado, porque o que temos para oferecer é verdadeiramente singular e raro. E não é isso que tem acontecido, sobretudo por falta de orientação e alinhamento estratégico dos principais agentes intervenientes e pela falta de investimento em serviço de valor acrescentado.
É habitual vermos belíssimas unidades hoteleiras de cinco estrelas, que em tudo fazem jus a esta classificação, excepto no capítulo da mão-de-obra especializada, fundamental para entregar aos clientes o serviço Premium que estes estão ou estariam disponíveis para pagar.
O atendimento com recurso a mão-de-obra temporária, não qualificada, pode parecer uma boa ideia a alguns empresários, mas, no médio-prazo, está a condicionar a evolução do sector para um posicionamento com muito maior valor, impedindo-nos de beneficiarmos da exclusividade do que temos para oferecer a um mundo com cada vez mais turistas afluentes.
O SECTOR DO VINHO
Recentemente, li uma crónica de um dos nossos maiores enólogos, referindo-se a um roadshow de vinhos portugueses nalgumas das principais cidades dos Estados Unidos da América.
O objectivo era mostrarmos alguns dos nossos melhores “valores”, tendo ficado muito surpreendidos com os comentários que recebemos.
Quem conhece o mercado americano, um dos mais apetecíveis do mundo, interrogava-se das razões de estarmos a copiar estratégias de países com menor tradição vínica que nós, e onde a sua muito maior escala representa uma enorme vantagem competitiva, graças a custos de produção bastante inferiores.
Em concreto, estávamos a promover algumas castas que o mercado americano bem conhece, mas que não associa a nós, como, por exemplo, a Syrah.
Isto é ainda mais estranho quando sabemos que Portugal é um dos países com maior variedade de castas – mais de 300 – muitas delas verdadeiros tesouros autóctones, com um enorme potencial num mercado sedento de novidades e novas descobertas. Até poderíamos alegar que este é um sector onde não temos muita experiência mas… é precisamente o contrário!
As duas regiões demarcadas mais antigas do mundo – com cerca de 500 anos – são nossas: a região do vinho do Porto e a região do vinho da Madeira, que curiosamente disputam entre si esta distinção.
Este caso ilustra claramente que, mesmo nas situações onde temos experiência em tirar partido das nossas diferenças, em domínios em que outros não podem competir connosco, temos muita dificuldade em fazê-lo, provavelmente apenas por uma questão de perspectiva.
PORTUGAL COMO LABORATÓRIO DE I&D
Outra forma de analisarmos a questão da escala e olhar para o nosso País como espaço privilegiado para a inovação, dado a sua dimensão e características.
Com uma amostra diversificada de 10 milhões de pessoas, Portugal pode ser o laboratório ideal para testar, em tempo útil, tendências e soluções.
A nosso favor jogam uma notória adaptabilidade e uma apreciável capacidade criativa. Junte-se a reconhecida abertura à inovação como consumidores e a sofisticação das infra-estruturas de que dispomos, como os serviços financeiros
e telecomunicações, ao nível do que melhor existe no mundo. Ou os progressos que temos tido na educação, sobretudo no ensino superior, onde a qualidade dos nossos licenciados, pós-graduados e investigadores é amplamente reconhecida.
Mas, a melhor vantagem que temos, muitas vezes desaproveitada, somos nós próprios. A nossa enorme adaptabilidade, o nosso multiculturalismo e a nossa capacidade de nos motivarmos. Tudo isto já foi obviamente “descoberto” por muitas multinacionais que, nos últimos anos, têm instalado e expandido muitos dos seus centros de competência em Portugal.
A MARCA PORTUGAL
Independentemente das estratégias de cada sector para se afirmar num mundo mais competitivo, é importante criar uma percepção comum sobre as capacidades ou diferenças de Portugal.
Muitos dos bens e produtos que consumimos têm associado uma percepção de valor que vai para além da sua Marca, identificando-se também com a Marca do seu país de origem.
Quando pensamos em robustez e fiabilidade em que países pensamos? Ou em moda e design? Ou quando queremos que seja “mais barato”? E termino recorrendo de novo ao poeta. “Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar. E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.”
Para tirarmos partido da nossa dimensão, temos que aprender a olhar para Portugal como destino exclusivo, raro, com características únicas. Tal implica a construção continuada de uma marca Portugal, que reúna estes atributos e que, progressivamente, vá alinhando os agentes económicos envolvidos nesta proposta de valor.
É uma longa maratona, cheia de riscos e incertezas, mas pode ser uma boa forma de afirmarmos o nosso valor ao mundo.
Este artigo foi publicado na edição de Maio de 2017 da revista Executive Digest.