Serão os cortes nos juros uma luz ao fundo do túnel?

Por Guida Leal de Sousa, Diretora Coordenadora Nacional da Rede Decisões e Soluções

Nas últimas semanas, vaticinou-se a descida das taxas de juro Euribor, e esta quinta-feira o Banco Central Europeu (BCE) confirmou a descida dos juros em 0,25 pontos base, o que poderá vir a aliviar a pressão na carteira dos portugueses para o pagamento das prestações ao banco para crédito à habitação. Contudo, com esta novidade veio também o alerta de que as taxas vão continuar num nível “restritivo”, que esta descida previsivelmente será lenta e gradual, e a um ritmo mais lento do que aquele que seria desejável para responder à dificuldade no acesso à habitação.

As dificuldades continuarão a existir, principalmente num mercado onde permanece a escassez de oferta de casas perante a crescente procura. Não podemos esquecer-nos do real impacto que a subida a pique das taxas de juro teve nas famílias portuguesas, num cenário que tem vindo a agudizar-se.

Os dados não mentem.

No final de 2023, o INE apontava para uma subida de 45% nos encargos com prestações da casa nos últimos sete anos; Portugal teve a quinta maior subida de preço das casas na União Europeia no final de 2023, o que em termos homólogos representa uma subida de 7,8%, de acordo com dados do Eurostat; e, ainda, o último relatório de abril do Fundo Monetário Internacional (FMI) “Perspetivas Económicas Mundiais”, revelava que um terço dos portugueses tem um contrato de hipoteca ativo, ou seja, ainda a ser pago ao banco, sendo que a maioria tem uma taxa variável (indexada à taxa Euribor) associada ao seu crédito à habitação, o que posiciona os portugueses entre os mais suscetíveis a sentir o verdadeiro impacto da variação das taxas Euribor na UE. Para as famílias portuguesas, o direito à habitação representa (ainda) um desejo aparentemente inatingível, e que afeta os grupos mais vulneráveis, onde se incluem a classe média e média baixa.

De acordo com o Banco de Portugal, 70% dos novos contratos de crédito à habitação são hoje contratados com taxa mista, num mercado onde até à data se contratava maioritariamente em modalidade de taxa variável. Isto demonstra a preocupação dos portugueses e, principalmente, as dificuldades que têm em fazer face às suas despesas com habitação. É importante olhar com uma enorme responsabilidade para estes dados, e para outros, tal como os que a DECO relevou esta semana: em dois anos recebeu 60 mil pedidos de ajuda de apoio ao pagamento da prestação da casa.

Soluções com efeitos imediatos precisam-se

Perante este cenário, congratulamos as medidas que o Governo tem anunciado de apoio à habitação, nomeadamente para habitação jovem. Consideramos um importante primeiro passo, mas estão longe de ser suficientes. Vejamos, por exemplo, a isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) ou do Imposto de Selo, para jovens até aos 35 anos e para imóveis de um valor até 316.272 euros, anunciadas em maio. Esta isenção poderá reduzir, no total do empréstimo, alguns milhares de euros, mas as prestações, mesmo com taxa fixa, serão ainda muito elevadas.

De acordo com as simulações já conhecidas, um novo crédito habitação de 150.000 euros, com um com spread de 1% e com um prazo de 30 anos, se a Euribor descer para 3,5% em 2024, significa que as prestações da casa poderão fixar-se em cerca de 760 euros. Ora, este continua a ser um valor muito elevado, e uma despesa que a maioria dos portugueses não consegue suportar.

Faltam casas, e os entraves à construção são um dos maiores desafios que o mercado enfrenta.

Em março deste ano, assistimos a uma queda de 23,1%, face ao período homólogo, no número de fogos licenciados em construções novas, de acordo com a Síntese Estatística da Habitação da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), referente a maio de 2024. A AICCOPN refere ainda que será necessário construir 45 mil casas por ano para colmatar a situação de carência habitacional do país.

Uma das soluções poderá passar, por exemplo, pela disponibilização de terrenos para construção por parte das autarquias. Contudo, essas mesmas construções – por sinal, bastante necessárias – podem demorar entre três a cinco anos até que estejam finalizadas. Desta forma, trata-se mais uma vez de uma medida que, no mercado imobiliário, só terá efeitos a longo prazo.

Não nos esqueçamos que o problema da habitação é um problema antigo, que precisa com urgência de soluções novas e céleres.

Vemos com muito agrado esta decisão anunciada esta semana pelo BCE, e acreditamos que possa ser, por fim, uma luz ao fundo do túnel. Mas se sabemos que as pequenas descidas destas taxas nunca serão tão rápidas como as subidas, o importante será haver foco naquilo que realmente se pode fazer enquanto esperamos.

 

 

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