Revisitar o problema dos materiais críticos

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

O generalizado e rápido aumento da adoção de tecnologias de baixo carbono necessárias à transição energética, que geralmente são mais material-intensivas, não será possível sem um crescimento do fornecimento de materiais críticos a um ritmo sem precedentes. Dados recentes das Nações Unidas referem um aumento da extração mineira de 400% em relação a 1970 e prevê-se que em relação à atualidade aumentem em 60% em 2060 de acordo com o The Guardian. Noutra avaliação, para se conseguirem emissões zero em 2050 a Agência Internacional de Energia estima que já em 2040 serão necessários seis vezes mais minerais do que atualmente. Portanto, as estimativas são muito díspares, mas convergem num ponto: um assinalável aumento da sua procura.

Esta escalada na procura entra em contraste com o tempo necessário para se expandirem as cadeias de abastecimento. As fases de permissões, exploração e desenvolvimento de ativos estendem-se normalmente durante uma ou duas décadas antes de se iniciar a produção. A que acresce a obtenção do montante financeiro necessário para tal.

As próprias alterações climáticas podem apresentar ameaças à disponibilidade de certas mercadorias essenciais. Os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, tornam mais difíceis processos extrativos e o transporte dos materiais derivados, podendo conduzir a processos de disrupção. Num estudo recente feito pela PWC, foi efetuada uma análise em relação a 3 metais vitais (ferro, zinco e alumínio) e a 3 minerais críticos (cobalto, cobre e lítio) tendo em atenção cenários de seca ou de excesso da calor. Rapidamente se verifica que existe uma elevada concentração geográfica da extração destes minerais. A título de exemplo, é referido que mais de metade do cobalto provém de apenas 5 minas da República Democrática do Congo. O que acarreta um elevadíssimo risco de disrupção. Para obviar estes e outros riscos foram definidos três passos para as adaptações às alterações climáticas. Passos esses que se baseiam na identificação e gestão desses riscos, na escolha de oportunidades de adaptação e na junção de esforços dos stakeholders e governos na definição de políticas adequadas.

Assim, o Conselho Europeu adotou em março um regulamento para estabelecer um enquadramento (Critical Raw Materials Act, CRMA) para assegurar um fornecimento seguro e sustentável dos denominados materiais críticos. Este CRMA estabelece prazos “apertados” para permissões de procedimentos de extração, o reconhecimento de projetos estratégicos, avaliações de riscos de fornecimento, a exigência de planos nacionais de exploração aos estados membros e ainda a diversificação das fontes de fornecimento e o aumento da reciclagem. Pretende-se assim que a União Europeia transforme o desafio da dependência de terceiros em autonomia estratégica e oportunidade económica. O CRMA definiu duas listas, uma de 34 materiais críticos e outra de 17 materiais estratégicos, essenciais à transição energética e digital e estabeleceu 3 marcos: 10% de extração local, 40% de processamento na EU e 25% de materiais reciclados. O CRMA em conjunto com o Net Zero Industry Act e a reforma do mercado da eletricidade são dos principais estandartes das iniciativas legislativas para o Green Deal.

Estes “desencontros” entre a procura e o fornecimento ameaçam a segurança e a sustentabilidade energética e podem criar uma série de riscos globais. Por isso, desenvolveu-se uma outra iniciativa denominada Securing Minerals for the Energy Transition (SMET) do World Economic Forum, que identificou os riscos associados a esses “desencontros” e soluções para os obviar. Algumas das soluções de gestão do risco apontadas passam por desenvolver instrumentos financeiros alternativos e diminuir a intensidade dos recursos (fomentando a circularidade) das atividades mineiras e aumentar o fornecimento através de soluções e modelos de negócio inovadores ao longo da cadeia de valor.

A janela do aumento da temperatura média anual de 1,5ºC está a fechar-se, pelo que, entre muitas outras coisas, a colaboração a nível dos materiais críticos é uma prioridade urgente. As alterações climáticas já estão a afetar a estabilidade do mundo natural e afetarão a estabilidade das cadeias de abastecimento globais a menos que sejam tomadas medidas adaptativas.

Por isso, havendo um novo governo, em início de mandato, é necessário que fique aqui esta chamada de atenção. Da atuação atempada e avisada na atualidade depende o futuro, sendo que é preciso conjugar este domínio com outros, de carácter económico, social e ambiental, numa visão holística de que dependerá o sucesso das medidas a tomar.

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