Revisitar a questão dos combustíveis renováveis e sustentáveis

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Embora já aqui tenha abordado alguns aspetos relacionados com os combustíveis renováveis e sustentáveis (CRS), queria agora falar do reconhecimento destes combustíveis pelo menos na revisão dos Regulamentos de Normas de CO2 para Veículos.

O sistema de transportes é fundamental para a vida dos cidadãos e a economia em geral, mas, entre outros aspetos, emite poluentes pelo que não será de estranhar que a mobilidade e as tecnologias dos veículos, tenham de sofrer grandes alterações. No Pacto Ecológico Europeu são estabelecidas metas para a redução das emissões de CO2 dos veículos: 55% de redução nos automóveis e 50% nos comerciais ligeiros, até 2030, e emissões nulas nos automóveis novos, até 2035.

Na corrida à sucessão do petróleo como principal combustível a nível mundial para a mobilidade, não encontramos apenas combustíveis de origem natural, mas também combustíveis sintéticos, baseados na captura e utilização de carbono (CCU) e na mesmo na gasificação de biomassa.

Um ponto que parece vir a ser acentuado no debate sobre a descarbonização, nomeadamente do transporte rodoviário, é o de que terá de haver uma neutralidade tecnológica na regulamentação, caso contrário as metas de redução de CO2 serão difíceis de alcançar. Disso também parece depender a competitividade da indústria automóvel, nomeadamente a europeia, que tem emitido sinais de preocupação evidentes e com indicadores já problemáticos. O próprio Relatório Draghi refere que o princípio da neutralidade tecnológica deve ser um princípio orientador da legislação europeia.

Assim, se queremos um sistema de transportes, nomeadamente rodoviários, descarbonizado, deverá ser repensada a eventual rejeição dos CRS e a aposta centrada na eletrificação dos transportes como o meio de excelência e até único (discutível) para se alcançar a neutralidade carbónica. Por isso deverá haver uma revisão da regulamentação das emissões dos veículos de forma a haver o reconhecimento do contributo dos CES (ex. biocombustíveis correntes e avançados, combustíveis sintéticos) para as metas de redução das emissões.

É claro que o objetivo de obter transportes com impacto neutro no clima é fundamental, mas a via para lá chegar tem de ser reajustada, incluindo todas as tecnologias existentes de redução de emissões, de forma a acelerar a descarbonização e a reforçar a competitividade da indústria europeia, com soluções alternativas e ao mesmo tempo que respondam à procura de mobilidade acessível.

Para isso os CRS são uma solução fiável e, importante, de utilização quase imediata, até por poderem utilizar infraestruturas de abastecimento existentes e disponíveis. Esta solução permitiria a aceleração da redução das emissões no transporte, nomeadamente rodoviário, mesmo nas frotas existentes. Podendo até dizer-se que por essa via seria possível que todos os cidadãos passassem a contribuir de forma imediata, a nível da mobilidade, para a descarbonização.

Se reconhecido o papel dos CRS, os investidores na sua produção deveriam ser incentivados e o respetivo mercado poderia expandir-se, com a inerente diminuição de custos. Tudo isto assentaria também num ponto importante que seria não o da exclusão da eletrificação dos transportes, mas sim o da complementaridade dos CRS com a referida eletrificação. Acresce ainda que nem todos os cidadãos têm possibilidade de carregar os veículos elétricos em casa, que é a solução que fica mais em conta, apesar da previsível massificação de pontos de carregamento.

Tem havido algum investimento em biocombustíveis e combustíveis sintéticos, que podem permitir que os veículos com motor de combustão passem a ser neutros ao nível de emissões, mesmo sem qualquer mudança da tecnologia de propulsão e sem limites físicos à sua incorporação nos veículos, o que é importante. Tratando-se de tecnologias eventualmente ainda não totalmente maduras, convém manter o investimento, pois estas poderão ser uma das principais alternativas para a descarbonização dos motores de combustão.

Parece ser impossível, por várias razões, acabar com os motores de combustão, mas os sinais dados por Bruxelas de não permitir a venda deste tipo de viaturas a partir de 2035, que deixaram muitos fabricantes e consumidores apreensivos, tem o condão de desincentivar o fabrico dos CRS. Porém, mesmo após 2035, o mercado de usados vai continuar a vender veículos com motor de combustão, e estes continuarão a rodar, pelo que a aposta no desenvolvimento dos biocombustíveis de nova geração tem assim caminho para andar.

A norma Euro 7 que aí vem, irá permitir a adoção de maiores percentagens de incorporação de biocombustíveis avançados, na gasolina e no gasóleo, sendo que além dos óleos alimentares usados, poderá vir a ser possível a produção de biocombustíveis com recurso a resíduos orgânicos diversos.

A transição energética tem que ser rápida mas não a qualquer custo. Porém, ou se anda depressa ou vai ainda ser mais difícil e caro, pois as pessoas vão ser mais afetadas. Mas há que encontrar um equilíbrio entre o contributo para a diminuição das emissões e o que é viável para o consumidor. A transição mais suave tem menos custos para os consumidores a curto e a médio prazo, mas eventualmente maiores para a sociedade, pelo que aqui também tem de haver um equilíbrio.

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