Relaxação e trabalho remoto

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

 

A física define bem este termo relativo as estruturas, nomeadamente metálicas. A elasticidade das peças metálicas tem a capacidade de esticar e voltar a sua posição normal, se não passarem o seu limite de esforço. Se passarem, deforma-se, degrada a estrutura e já não consegue voltar a sua posição normal e perde as suas capacidades iniciais. Como as pessoas! Nomeadamente na questão do teletrabalho ou trabalho remoto. Enquanto este cenário foi condicionado pelo receio do desconhecimento da pandemia, as organizações (79% adaptaram-se bem) e as pessoas (89% estão satisfeitas), moldaram-se e asseguraram (relembremos a pirâmide de necessidades de Maslow, em que na base estão as necessidades instintivas de sobrevivência) que tudo decorria normalmente, naquilo que apelidaram de “novo normal” (1).

Mas desde há algum tempo que a consciência generalizada de perigo elevado passou (nalguns casos infelizmente), nomeadamente com a vacinação, com a necessidade de retoma económica e pelo facto de estarmos todos fartos de não termos uma vida “nada normal” em lugar do “novo normal”. Por isso entendi a decisão de teletrabalho obrigatório (a partir de determinado momento) uma inconsciência de quem não sabe comunicar de forma eficaz e gerir o CRM dos grupos de risco da pandemia (nomeadamente os jovens), de quem tem o “salário garantido” como os políticos ou muitos técnicos de saúde pública, de quem desconhece a sociologia e a psicologia humana, de quem não pensou no equilíbrio e saúde mental das pessoas (apesar de 52% dos inquiridos sentirem que a sua saúde mental e bem-estar melhorou com o trabalho remoto)(1). O trabalho remoto, em minha opinião (salvo algumas áreas de negócio como a TI ou serviços empresariais, onde este modelo já se aplica) tem estes impactos:

– Oportunidades Positivas: as pessoas utilizam as horas de deslocação para trabalhar (embora as pessoas refiram que preferem o trabalho matinal, o que significa que as horas da parte da tarde podem não ser usadas para trabalho), podem trabalhar em qualquer lugar inclusive a partir de casa (mas com os meios móveis actuais, julgo que este facto já acontecia antes), horário flexível, equilíbrio entre vida profissional e pessoal (embora julgo que muitas vezes é difícil separar o trabalho da vida familiar).

– Riscos Negativos: na cultura da empresa que corre o risco de deixar de existir, no trabalho em equipa, na criatividade, no compromisso de grupo, julgo que na produtividade (embora não tenho nenhum facto mas só instinto que me diga isto), no desconhecimento na forma como se torna eficiente trabalhar remotamente (78% dos inquiridos indicou não ter tido formação sobre como se trabalha remotamente e sobre as respetivas ferramentas), na oportunidade e agendamento de reuniões remotas que são marcadas a qualquer hora e sem o mínimo de programação (invadindo a vida das pessoas e o equílibrio familiar), na dificuldade de gestão da carreira, na redução da formação proporcionada pela empresa, nas condições para trabalhar remotamente (nomeadamente em casa) inadequadas, no isolamento social, no risco da segurança digital, no risco de redundâncias e downsizing por parte das empresas, nos custos elevados com infraestruturas de escritórios, mas acima de tudo com o risco da relaxação pois não estamos preparados nem treinados para este novo modelo de trabalho…

E o pior é que a questão atual já não é se o teletrabalho veio para ficar, pois a questão que se coloca é como as empresas se devem adaptar a este novo modelo. Uma verdadeira revolução, já não industrial ou do conhecimento, mas laboral. Não acredito neste modelo de trabalho remoto, mas sim nas políticas de trabalho flexível (dias de férias suplementares; avaliação de desempenho com base em objetivos e estratégias para melhorar a visibilidade do trabalho perante a Gestão; adaptação da flexibilidade de horário / local fixo para trabalhar de acordo o modelo de negócio e da avaliação do colaborador; licenças sem vencimento; promoção de encontros que estimulem a socialização, a partilha e o feedback; etc). Mesmo sabendo que as pessoas desejam um regime misto (49%) com trabalho remoto e 84% a referir que “2 ou 3 dias remotamente seria o ideal”, continuo a não acreditar neste modelo. Inclusive que 65% das pessoas considerariam mudar de empresa, se na nova empresa, fosse permitido o trabalho remoto e 39% mudariam, mesmo reduzindo o seu rendimento atual. Não acredito e a física explica muito bem a minha discordância com o efeito de relaxação.

O que me preocupa é que o trabalho remoto, se tornou uma moda, trending, pois todos os ditos “gurus dos RH” afirma que o futuro do trabalho remoto já está a acontecer. Bem sei que é preciso escutar os colaboradores e adaptar os sistemas para que possa existir a máxima produtividade, com a máxima satisfação, potenciando uma relação win-win. Mas isso não significa que as empresas se tenham de adaptar a tudo o que é pretendido. Devem ser lideradas e liderar é tomar decisões, algumas difíceis e contra o status quo atual. Ambas as partes (empresas e pessoas) devem evitar o risco deste efeito de “relaxação” sob pena de as empresas serem incapazes de atrair e reter talento, mas também das pessoas serem consideradas redundantes e incluídas em processos de downsizings (logo desemprego) desnecessário.

Posso parecer alguém “old school”, mas isso é o que menos me preocupa. O que não gostaria de ver é uma moda gerar uma revolução no mundo do trabalho que prejudique as empresas e acima de tudo as pessoas, e que seja tarde para voltar atrás!

Fonte: (1)- https://remoteportugal.pt/1o-relatorio-anual-do-estado-do-trabalho-remoto-em-portugal/

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