Queremos mais vida depois da morte?

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Alguns dias atrás escutei com muita atenção uma reflexão que de forma simplista afirmava que o covid existe como “pandemia” sim, mas como uma “pandemia trágica” apenas porque nós deixámos de aceitar a morte como algo natural. Respeito intelectualmente muito a pessoa que reflectia sobre este tema. A fundamentação lógica prende-se com o facto da taxa de mortalidade de covid ser relativamente baixa (ao nível da gripe) abaixo dos 60 anos e em doentes sem comorbilidades; mas alta em infectados acima dos 70 e 80 anos. Seria normal uma pessoa com 97 anos não viver até esta idade até há alguns anos atrás (a esperança média de vida era de 60 anos e agora é de 83). Hoje este falecimento é causa de abertura de um telejornal, porque faleceu com covid. Basta pensar que Investimos biliões de euros para descobrir melhor tecnologia de saúde que nos prolongue a vida e nos dê dignidade na morte. Portanto a morte deixou de ser algo natural: alguém com 60 anos “é novo”, com 70 já “tem uma idadezinha” e com 80 “começa a ser velho”. Para isso contribuiu melhor conhecimento médico, melhores técnicas de diagnóstico e melhores medicamentos.

Ou seja, morrer deixou de ser algo natural! Esta falta de consciência da morte foi abalada por esta pandemia. Acrescida pelo facto de que esta é a única pandemia em que existem redes sociais, news e fake news, jornalismo e mau jornalismo bem como a confirmação do longo percurso que temos ainda para atingir um pleno conhecimento científico (que nós afinal não somos Deuses da ciência e que há muito que ainda não sabemos).

Portanto, o pânico desta pandemia, para além do impacto que tem na saúde pública e no sistema de saúde bem como na economia é acrescido pela reflexão sobre a morte e claramente aumentada pelos 4 factores atrás referidos. Temos portanto de decidir em que tipo de sociedade queremos  viver. Apoiamos a eutanásia mas não deixamos falecer um idoso com 97 anos com covid. Bem sei que este idoso quer continuar a viver, portanto diferente de quem defende a eutanásia. Eu não concordo com nenhuma das duas, entendo que a vida deve ser celebrada e é um bem do qual ninguém dispõe… mas respeito qualquer opinião distinta!