Os políticos e os gestores são “solipsistas”?

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Escolhi esta palavra para tentar ser sumário na minha ideia e não parecer um intelectual mais inteligente que os outros. Mas esta palavra, de facto, reflecte bem o que pretendo afirmar. 

Esta doutrina define que a única realidade que existe no mundo é o “eu”, a minha. Ou seja a realidade para uns pode ser vista de forma diferente para os outros, mesmo quando falamos de factos. O solipsismo somente tem por certo, incontestável, o ato de pensar e o próprio eu, a minha visão dos factos, das coisas, do mundo, dos outros. Assim, tudo o mais pode ser contestado ou posto em dúvida, pois são impressões sem existência própria. 

Em resposta à pergunta feita no título: sim, a maioria são solipsistas ou pelo menos cínicos! 

Só assim se pode compreender o que aconteceu recentemente com os “negacionistas” a ofender o presidente da Assembleia da República de forma feroz quando este foi calmamente almoçar num domingo. Não que eu goste do Dr Ferro Rodrigues, pelo contrário, mas acima de tudo como pessoa mas também por ser uma das mais altas figuras de estado, deve ser respeitado. Os negacionistas têm direito ao contraditório, mas o contraditório científico e equilibrado, não aquela selvajaria que se repete cada vez que se manifestam. Pois falam de opções políticas (não de ciência) e acreditam que só a opinião deles existe. 

Outro exemplo está na cidade de Lisboa, em que o actual presidente da Câmara entende que fazer ciclovias é a solução para criar uma cidade mais verde (ou então é mesmo uma teimosia e a única obra que pode afirmar que fez – aqui falamos de cinismo) mesmo sabendo que ninguém utiliza a maior parte das mesmas. Até deve esconder os dados para não poder ser acusado da inutilidade das mesmas. Ou seja cria sua própria realidade e repete-a até acreditar nela. 

O mesmo acontece com os gestores que não entendem que as empresas fazem parte da sociedade e para ela devem contribuir, não servindo apenas para ganhar dinheiro. Também servem para ganhar dinheiro e remunerar os donos do capital, mas essa deve ser uma consequência. Pois o objectivo – e o orgulho – de qualquer líder empresarial deve ser acrescentar valor à sociedade e aos cidadãos, com os seus produtos ou serviços, promover o emprego com um propósito e work life balance, e com esta missão, ganhar dinheiro – e muito – passa a ser uma consequência natural. O gestor que entende que maximizar o lucro é a sua única função, e redução de custos o único meio, é um solipsista. Por isso vemos tantos despedimentos, ou dito por “quem tem estudos”, “downsizing’s” desnecessários pois alguns gestores entendem que a única forma de gestão é reduzir custos, quando o correcto é racionalizar custos: cortar os desnecessários e maximizar os indispensáveis. Por outro lado, aumentar rentabilidade passa não só por racionalizar custos mas também desenvolver negócio com novas oportunidades de novos produtos ou mercados, maximizar eficiência das pessoas, conquistar mais clientes, aumentar o valor individual de cada um … ou seja não ser solipsista e ver outra perspectiva baseada na ética empresarial e na estratégia da organização. O mesmo acontece com a extrema dependência da economia em relação ao estado, pois todos os empresários avaliam o orçamento de estado como se fosse o seu “business plan”. Culpa dos solipsistas políticos e dos gestores. Os políticos porque querem criar uma economia centralizada e estado-dependente, as empresas porque são preguiçosas e não se importam de depender muito do estado. Quando devem depender da estratégia, dos seus produtos, dos colaboradores e dos clientes. 

Em suma, ser um solipsista não é o mesmo que ser persistente ou até teimoso. Repetir uma ideia até à exaustão não significa que se torne real. Os gestores e os líderes empresariais têm uma responsabilidade acrescida com a sociedade e comunidade, sintetizada no no acrónimo muito em moda: ESG. Respeito pelo “Environment” (criação de um mundo mais verde”), pela “Sustainability” (financeira, entre outras) e com um modelo de “Governance” baseado na ética empresarial que crie economias circulares que incluam as pessoas! Portanto vamos ter que mudar muitos dos nossos actuais líderes empresariais…

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