Os patrões não têm direitos?

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Não, não têm. Por isso é importante escalpelizar algo que não esteve “debaixo dos holofotes” nos últimos dias, mas que é muito relevante para as empresas e para a estratégia do País: a chamada “Agenda de Trabalho Digno” que foi aprovada pelo parlamento há alguns dias. É uma verdadeira revolução silenciosa no mundo laboral que altera e introduz mais de 150 normas e deve entrar em vigor em abril. E ninguém fala disso. Mais ainda numa economia em que 95% são micros e pequenas empresas. Num mercado de trabalho já pouco flexível pela legislação “Stonehedge” que temos, um mercado pouco atractivo, muito coletivista, que não cria ou estimula ciclos económicos, com salários baixos (estimula a emigração dos mais qualificados) mas taxado com impostos elevadíssimos para empregados e empregadores, que não sabe o que fazer com as novas formas de trabalho, desconhece o multiemprego, que não responsabiliza os empregados (nem os empregadores nas situações limite), não permite aproveitar ciclos económicos positivos. Um código do trabalho que ninguém quer e que vai ficar pior.
A dignidade vem do trabalho, e o código deve estimular a proteção dos empregados mas também dos empregadores, das empresas que afinal são quem cria emprego e trabalho. Pois são só direitos para os trabalhadores, alguns muito positivos, mas outros muito negativos, que só farão com que os empregadores se retraiam na hora de contratar. Quem perde? O país, os trabalhadores e os empregadores. Esta rede social laboral tem pontos relevantes, disruptivos, mas mostra só preocupações com uma das partes. O que me preocupa, pois se só proteger-nos os trabalhadores, deixam de haver empregadores e em consequência, trabalho. Como positivos nomearia a matéria relativa ao teletrabalho, esperando-se que “o contrato individual e o contrato coletivo de trabalho fixem o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais“. Estando clarificado portanto desde o início, as regras para cada parte. Ao estado cabe definir o teto da isenção fiscal das despesas adicionais com teletrabalho. O que me parece positivo para não haver formas subrepticias de pagar compensações não taxadas sob a forma de despesa. Fica, assim, isento de IRS e de Taxa Social Única (TSU) até um montante máximo, tal como acontece já com o subsídio de alimentação. Outros vários pontos positivos foram o aumento da licença parental do pai (para 28 dias obrigatórios, embora aqui discorde da obrigatoriedade pois deve ser uma decisão do pai). O alargamento do direito a teletrabalho a progenitores com filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica (sempre que seja compatível com a função claro). O direito dos trabalhadores informais terem direito a trabalhar em tempo parcial. O reconhecimento e reforço dos direitos de quem quiser adotar ou ser família de acolhimento e do reconhecimento do luto gestacional. Ou inclusive o aumento do tempo das licenças pelo falecimento do cônjuge, filho e enteado. Ou seja, a preocupação com os empregados é positiva. Havendo aqui uma preocupação social óbvia. Mas desprotege bastante os empregadores em relação aos trabalhadores (diria uma minoria) que não sabem utilizar estes direitos de forma correta e equilibrada, que se podem aproveitar da sua formalidade em proveito próprio sem respeito pelo objetivo com que foram criados. Ora sendo a fiscalização ineficaz como a nossa, as empresas ficam sem mecanismos de controle.
E nem tudo é positivo nesta nova agenda, ou pelo menos totalmente. Por exemplo, o valor do trabalho suplementar (que acresce ao salário) vai duplicar a partir das 100 horas anuais. Esta medida vai aumentar muito os custos de indústrias de mão de obra intensiva (mas de baixas margens, como são as nossas; devido ao baixo valor acrescentado que geram e por estarem estranguladas pelos concorrentes e aumentos inflacionistas). Empresas que podem querer aproveitar momentos económicos positivos (exemplo um excesso de trabalho gerado por uma encomenda não prevista, mas que não se irá repetir). A medida é formalmente positiva, as “100 horas anuais” parecem-me um ponto de corte muito baixo.
A regulação do trabalho nas plataformas (Uber por exemplo) passar a ser regulado é positivo. Mas passar o ónus da prova para a plataforma, que terá que demonstrar que não deve ser considerada o empregador, parece-me exagerado e de quem desconhece esta nova forma de trabalho e de multi-emprego. Porque muitos destes empresários definem o seu modelo e forma de trabalho (horário por exemplo), trabalhando com várias plataformas e inclusive vangloriando-se desta “suposta” liberdade que este modelo permite.
Algo que também não é equilibrado é influenciar a dinâmica empresarial pela negativa, ao reduzir para quatro o número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário, fixado atualmente em seis. E impedir que as que cessem o contrato com o trabalhador temporário estejam impedidas de recorrer ao outsourcing, da externalização para o mesmo posto. Esta decisão de externalização, por vezes, apenas resulta de uma necessidade resultante duma mudança do modelo organizacional da empresa, ou de um acréscimo anormal de trabalho. E não de uma vontade “obscura” para despedir os empregados e substitui-los por “autómatos outsourcing” (pois a externalização é muito mais cara). Atente-se numa recepcionista duma empresa; tem que estar lá sempre. Portanto ter um empregado nesta função pode ser o modelo escolhido, mas imaginemos que adoece (o que pode acontecer a qualquer um de nós), alguém terá que a substituir ou não ter recepcionista durante esse período. Nestes casos as empresas optam pela externalização da função que assim fica sempre garantida. E isso não pode ser criticável, nem prejudicar a empresa.
Outra medida negativa foi o aumento da indemnização por despedimento coletivo para 14 dias de retribuição base (atualmente são 12). Se há um despedimento coletivo, o estado e a justiça devem auditar e aferir se o despedimento é justo e necessário. Se for, é porque a empresa precisa que isso aconteça, portanto pode não ter recursos para cobrir os custos do despedimento (que aumentaram).
A redução do período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e para desempregados de longa duração (atualmente 180 dias) é muito negativa e pode ter o efeito contrário, ou seja, das empresas não recrutarem. Assim como o aumento da remuneração em 58% para os estágios extracurriculares (de 480€ para 760€; ou seja do valor mínimo do Indexante de Apoios Sociais para o salário mínimo nacional). Imagine o impacto que este aumento pode ter na decisão das empresas em iniciar estágios extracurriculares ou recrutar jovens à procura do primeiro emprego. Aqui o investimento inicial é das empresas, na formação e desenvolvimento de competências. Portanto algumas empregadores podem pensar : “para quê recrutar inexperientes se vou ter de pagar o mesmo?”.
Também ainda o caso de fim de contrato ou despedimento em que os trabalhadores não vão poder abdicar das “remissões abdicativas”,ou seja dos créditos devidos pelo empregador (subsídio de férias, natal, formação e horas suplementares). O que por um lado é positivo pois impede que a parte mais forte (a empresa) imponha a abdicação de direitos mas limita a capacidade negocial das partes em caso de perda de emprego.
Finalmente a “aberração” desta agenda, o privilégio no acesso a apoios ou financiamentos públicos de empresas que recorram á contratação coletiva. Julgo que há aqui uma violação clara do direito das empresas e da livre concorrência.
Ou seja, é uma revolução silenciosa num mundo de trabalho já por si demasiado regulado, pouco flexível num mercado aberto ao mundo em que concorremos com muitos países para captar talento, que estimula (infelizmente) os baixos salários (pela sua rigidez), que alimenta formas de sindicalismo que não acrescentam valor, que prejudica a economia. E ninguém fala disso…


Comentários
Loading...