A (des)proteção das sociedades – o que fazer?
Por José Galamba de Oliveira, Presidente da APS
De facto, existem vários estudos e análises que comprovam que os protection gaps (ou seja o diferencial entre os valores seguros e não seguros em caso de situações de infortúnio, desastre ou catástrofe) não estão de facto a diminuir, apesar das ofertas cada vez mais alargadas e abrangentes disponibilizadas pelo setor segurador e ressegurador.
Não se pode apontar um fator único que justifique esta evolução negativa, diria que coexistem um conjunto de fatores que têm condicionado uma evolução mais positiva.
Em primeiro lugar, não podemos deixar de apontar uma tendência que adquiriu uma atualidade sem precedentes, os riscos geoestratégicos, e o seu contributo para uma maior desproteção das sociedades. De facto as tensões geopolíticas internacionais que emergiram nos últimos três anos, trouxeram uma nova realidade em termos políticos, sociais e económicos que condicionam a nossa vivência em sociedade.
Mas existem outras tendências estruturais na sociedade que têm acentuado essa desproteção, refiro-me à coexistência de uma baixa natalidade e de uma maior longevidade da nossa população, às catástrofes naturais e à inovação científica e tecnológica.
A baixa natalidade a que temos assistido nas últimas décadas tem vindo a agravar o rácio entre população ativa e população reformada, aumentando, assim, a desproteção do financiamento das pensões futuras. Por outro lado, vivemos todos mais, e ainda bem, mas muitas vezes com uma saúde mais frágil, derivado da emergência de doenças crónicas típicas da longevidade o que, aliado a uma disponibilidade de tratamentos mais inovadores mas com custos elevados, coloca um desafio aos sistemas de saúde nos seus vários pilares – público, privado e social.
Em termos da proteção do património, o que assistimos é a eventos climáticos mais frequentes e mais severos, uma vez mais colocando desafios em termos da disponibilização de uma oferta de proteção a preços acessíveis, para as famílias e as empresas ou, no limite, chegando à insegurabilidade de alguns riscos em determinadas geografias.
E por último, refiro-me também aos desafios da inteligência artificial e do digital, que não sendo novos, adquiriram recentemente acrescida relevância face aos grandes avanços na disponibilização generalizada de ferramentas de inteligência artificial generativa, gerando um agravamento potencial dos riscos cyber decorrentes da massiva utilização destas novas tecnologias e suscitando problemas complexos em termos de proteção de dados e de utilização ética desses mesmos dados.
A pergunta que se coloca é, como abordar de forma estruturada todos estes desafios, de modo a conseguir respostas que vão ao encontro das necessidades e ansiedades de uma sociedade em mudança, garantindo uma maior proteção de todos.
Em primeiro lugar, temos todos de ter consciência que há muito por fazer na área da literacia financeira ou até, numa visão mais abrangente, na área da cidadania económica. É necessário criar o contexto e as condições para que as famílias e os gestores nas empresas tenham uma maior consciência do risco que cada um corre no seu dia a dia, e de que forma é que esse risco pode ser prevenido ou mitigado e, em caso de infortúnio, como mais rapidamente se pode recuperar a normalidade possível. É também necessário desfazer a ideia de que o Estado estará sempre presente e disponível para acudir, com mais ou menos subsídios, em situações de infortúnio – de resto, estes por vezes tardam no tempo, são insuficientes, e frequentemente sujeitos a regras de atribuição que nem todos conseguem cumprir plenamente.
O setor segurador e ressegurador global tem um papel central no desenvolvimento de solução de proteção e, nesse sentido, tem procurado evoluir o seu modelo de negócio tradicional focado na resolução de sinistros para outro focado na prevenção: no caso das famílias, no apoio a uma longevidade digna, com qualidade de vida e na proteção do seu património; no caso das empresas, na identificação correta dos riscos e na utilização de tecnologias para a sua mitigação por parte dos gestores.
Mas para a proteção de riscos decorrentes de catástrofes naturais, é necessário que se adoptem medidas mais sistémicas, que reforcem a cobertura de seguro dos riscos catastróficos, nomeadamente o desenvolvimento de colaborações setoriais, sob a forma de parcerias publico-privadas para a implementação de esquemas de proteção via seguro, de resto como foi recentemente mencionado no comunicado que saiu da reunião dos Ministros das Finanças do G7, que decorreu no final de maio em Itália. E este tipo de medidas é crítico para o nosso País, já que mais de 50% do património das famílias está investido nas suas habitações e é precisamente para proteger este investimento que é proposto este mecanismo de proteção de riscos catastróficos.
Concluindo, o setor segurador e ressegurador global desempenha um papel chave no desenvolvimento económico das sociedades. A dinâmica estrutural da atividade seguradora é o reflexo do contexto económico e social em que opera, dos riscos que a sociedade vai dominando e dos riscos que vai criando.
A afirmação do setor segurador dependerá muito da sua capacidade para entender atempadamente os novos riscos ou a evolução futura dos riscos atuais, e para isso necessita de continuar a desenvolver as parcerias e as soluções para responder às necessidades desta sociedade em permanente e crescente evolução. Foi assim no passado, e assim será, seguramente, no futuro.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 220 de Julho de 2024