Onde está a bazuca?

Por Manuel Lopes da Costa, Empresário

 

Muito se falou da bazuca desde que António Costa a batizou com esse nome. O Plano de Recuperação e Resiliência divide-se em três grandes categorias: resiliência, transição climática e transição digital num total de 13.944 milhões de euros de subvenções europeias e 2.699 milhões de euros em empréstimos de longa duração e a taxas de juro muito baixas.

A resiliência foi brindada com 8.543 milhões de euros de subvenções mais 2.399 milhões de euros de empréstimos. À transição climática ficaram afetos 2.888 milhões de euros de subvenções mais 300 milhões de empréstimos e, por fim, a transição digital ficou com 2.513 milhões de euros, dos quais, 650 milhões específicos para as empresas.

Portanto, desta lista de investimentos — de que poderá ler o detalhe em anexo — salta à vista que, diretamente, para as empresas privadas só vão 650 milhões de euros. Ou seja, menos de 4% da totalidade do dinheiro. Pelo que, se as empresas quiserem efetivamente beneficiar da bazuca terão que se candidatar aos projetos que o Estado irá lançar e para os quais previu os restantes 15.993 milhões de euros. Só lhes resta esperar pelas iniciativas estatais a ver se conseguem que lhes caia alguma coisa nos concursos. É, a meu ver, absolutamente o contrário do que a nossa economia precisava. Esta visão Keynesiana da economia é algo com que nunca concordei. Para muitos é a mais correta porque evita que os “abusadores dos privados” se apropriem indevidamente de fundos que são de todos nós. Mas, na minha opinião, o que não evita é a tendência para o despotismo e os compadrios dos job’s for the boys. Resta-me a esperança que desta vez assim não aconteça. Mais: o Estado certamente que sofreu com a pandemia, mas quem mais sofreu, e a bem sofrer, foram as empresas. Muitas delas não resistiram, colocando em situação de desemprego milhares de trabalhadores e outras estão por um fio, com mais outros milhares de postos de trabalho em risco. Pelo que, mais do que nunca, seria necessário que esse dinheiro, de um fundo europeu que se quer solidário, chegasse onde mais se precisa dele. “‘Não fiquem parados’, pede Costa aos autarcas. Primeiro-ministro sublinha que há verbas que ‘não podem ser utilizadas pela administração pública’ e que ‘ou são utilizadas pelas empresas ou serão perdidas’” (in rr.sapo.pt de 26/05/2021). Ou seja, o que eventualmente não pode ser usado pelo Estado central deverá ser usado pelas autarquias. Assim, prevejo que a vontade de que a bazuca chegue às empresas é mesmo muito diminuta.

Outra questão é saber onde está o dinheiro? É que promessas já houve muitas: “António Costa atrasa férias para lançar ‘bazuca’: 43% das verbas já têm destino” (in expresso.pt de 5/08/2021). Mas, se 43% das verbas já têm destino, várias perguntas se levantam. A Primeira é: como é que esses 43% se compatibilizam com o facto de que ninguém, publicamente, ouviu em concreto quais são as iniciativas que vão ser lançadas para se poder candidatar a fornecedor das mesmas? Ou seja, 43% já são de alguém sem que os outros pudessem concorrer? Acredito que não, espero que não, mas importa clarificar. “A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, anunciou que a aplicação de ‘30% do PRR vai permitir que o Serviço Nacional de Saúde seja reforçado sobretudo nos cuidados primários e ainda nos cuidados continuados, neste último caso serão adicionadas mais 5.500 camas’”. (in executivedigest.sapo.pt de 21/07/2021). Muito bem, é certamente importante, mas como é que isso é compatível com o desejo de “António Costa. Dinheiro da bazuca é para as empresas” (in rtp.pt 2/05/2021)?

Além disso, entre o dia 14 de janeiro de 2021 em que “António Costa com pressa em pôr ‘bazuca a disparar’”(in observador.pt) até ao momento atual em que “Bazuca europeia não saiu dos discursos de António Costa durante todo o dia” (in tsf.pt de 25/07/2021) passaram seis meses sem que tenha entrado qualquer dinheiro. Onde está ele?

“Desde o dia que o senhor primeiro ministro perguntou a Von der Leyen ‘Já posso ir ao banco?’ e recebeu como resposta ‘Sim’” (in dinheirovivo.pt de 16/06/2021) a verdade é que, embora tenha sido anunciado por  Von der Leyen que “‘Dinheiro da bazuca europeia’ deve começar a chegar em julho” (in tvi24.iol.pt de 29/06/2021), quinze dias depois o seu comissário europeu para o Orçamento e Administração vinha esclarecer que o “Dinheiro da bazuca europeia começa a chegar em agosto a Portugal, os primeiros euros dos 16,6 mil milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) só deverão começar a chegar a Portugal ‘algures em agosto’, um mês depois do previsto” (in observador.pt, 03/08/2021). Mas, ainda assim, terá ainda de passar pelo crivo do colégio de comissários.

Importa, enquanto o país continua adormecido a pensar na pandemia e em férias e a debater se os jovens devem, ou não, ser vacinados, encontrar rapidamente respostas para estas questões. Ou seja, importa saber o quanto antes quando chega e como podem as empresas por via indireta — já que é claro que diretamente lhes foi vedado — estarem na lista de potenciais fornecedores e, através do seu mérito, competência e trabalho, beneficiarem destes novos fundos que tanto irão transformar a nossa sociedade. Esperemos que estes fundos venham ainda a tempo de ajudar muitas empresas a salvar os seus postos de trabalho, caso contrário, cairemos no ridículo de haver verba para pagar mas ninguém para executar os projetos. Aguardo serenamente e com esperança.

Anexo – Detalhe dos fundos afetos às iniciativas do Plano de Plano de Recuperação e Resiliência :

Resiliência (8.543 milhões de euros de subvenções mais 2.399 milhões de euros de empréstimos)

Serviço Nacional de Saúde (1383 milhões de euros):

– Cuidados de Saúde Primários com mais respostas (463 M€)

– Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e Rede Nacional de Cuidados Paliativos

(205 M€)

– Conclusão da Reforma da Saúde Mental (incluído na rede hospitalar) (85 M€)

– Equipamento dos Hospitais Seixal, Sintra, Lisboa (196 M€)

– Fortalecimento do Serviço Regional de Saúde da RAM (89 M€)

– Transição digital da Saúde (300 M€)

– Digitalização na área da Saúde na Madeira (15M€)

– Hospital Digital da Região Autónoma dos Açores (30 M€)

Habitação (1.633 milhões de euros de subvenções + 1.149 milhões de euros de empréstimos)

– Programa de Apoio ao Acesso à Habitação (1.251 M€)

– Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário (186 M€)

– Reforço da oferta de habitação apoiada na Região Autónoma da Madeira (136 M€)

– Aumentar as condições habitacionais do parque habitacional da Região Autónoma dos Açores

(60 M€)

– Parque público de habitação a custos acessíveis (774 M€)

– Alojamento Estudantil a custos acessíveis (375 M€)

Respostas sociais (583 milhões de euros)

– Nova Geração de Equipamentos e Respostas Sociais para a 1.ª infância, Pessoas Idosas e Pessoas

com Deficiência (417 M€)

– Acessibilidades 360.º (45 M€)

– Plataforma +Acesso (3 M€)

– Fortalecimento das Respostas Sociais na Região Autónoma da Madeira (83 M€)

– Implementar a Estratégia Regional de Combate à Pobreza e Exclusão Social – Redes de Apoio Social

nos Açores (35 M€)

Eliminação das bolsas de pobreza nas áreas metropolitanas (250 milhões de euros)

– Operações integradas em comunidades desfavorecidas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do

Porto (250 M€)

Investimento e inovação (1.396 milhões de euros de subvenções + 1.250 milhões de euros de empréstimos)

– Agendas/ Alianças mobilizadoras de Reindustrialização (558 M€)

– Agendas/ Alianças Verdes para a Reindustrialização (372 M€)

– Missão Interface – renovação da rede de suporte científico e tecnológico e orientação para o tecido produtivo (186 M€)

– Agenda de investigação e inovação para a sustentabilidade da agricultura, alimentação e

agroindústria [Agenda de Inovação para a Agricultura 20|30] (93 M€)

– Desenvolvimento do “Cluster do Mar dos Açores” (32 M€)

– Recapitalizar o Sistema Empresarial dos Açores (125 M€)

– Relançamento Económico da Agricultura Açoriana (30 M€)

– Capitalização de empresas e resiliência financeira/ Banco Português de Fomento (1.250 M€)

Qualificações e Competências (1.359 milhões de euros)

– Modernização da oferta e dos estabelecimentos de ensino e da formação profissional (710 M€)

– Agenda de promoção do trabalho digno (230 M€)

– Incentivo Adultos (250 M€)

– Impulso Jovem STEAM (140 M€)

– Qualificação de adultos e aprendizagem ao longo da vida – Açores (29 M€)

Infraestruturas (833 milhões de euros)

– Áreas de Acolhimento Empresarial (AAE) (110 M€)

– Missing links e Aumento de capacidade da Rede (362,9 M€)

– Ligações transfronteiriças (110 M€)

– Áreas de Acolhimento Empresarial (AAE) – Acessibilidades Rodoviárias (190 M€)

– Circuitos logísticos – Rede Viária Regional dos Açores (60 M€)

Florestas (665 milhões de euros)

– Transformação da Paisagem dos Territórios de Floresta Vulneráveis (270 M€)

– Cadastro da Propriedade Rústica e Sistema de Monitorização da Ocupação do Solo (96 M€)

– Faixas de gestão de combustível – rede primária (167 M€)

– Meios de combate a incêndios rurais (92 M€)

– Programa MAIs Floresta (40 M€)

Gestão Hídrica (441 milhões de euros)

– Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (200 M€)

– Aproveitamento hidráulico de fins múltiplos do Crato (171 M€)

– Plano de eficiência e reforço hídrico dos sistemas de abastecimento e regadio da RAM (70 M€)

A Transição Climática (2.888 milhões de euros de subvenções + 300 milhões de empréstimos)

Mobilidade Sustentável (1.032 milhões de euros + 300 milhões de empréstimos)

– Expansão da Rede de Metro de Lisboa – Linha Vermelha até Alcântara (304 M€)

– Expansão da Rede de Metro do Porto – Casa da Música-Santo Ovídio (299 M€)

– Metro Ligeiro de Superfície Odivelas-Loures (250 M€)

– Linha BRT Boavista – Império (83 M€)

– Descarbonização dos Transportes Públicos (96 M€)

– Aquisição de material circulante ferroviário (300 M€)

Descarbonização da indústria (715 milhões de euros)

– Descarbonização da Indústria (715 M€)

Bioeconomia sustentável (150 milhões de euros)

– Bioeconomia (150 M€)

Eficiência energética dos edifícios (620 milhões de euros)

– Eficiência energética em edifícios residenciais (300 M€)

– Eficiência energética em edifícios da administração pública central (250 M€)

– Eficiência energética em edifícios de serviços (70 M€)

Hidrogénio e renováveis (371 milhões de euros)

– Hidrogénio e gases renováveis (186 M€)

– Potenciação da eletricidade renovável no Arquipélago da Madeira (69 M€)

– Transição Energética nos Açores (116 M€)

Transição Digital (2.513 milhões de euros)

Escola Digital (559 milhões de euros)

– Transição digital na Educação (500 M€)

– Programa de Aceleração da Digitalização da Educação (Madeira) (21 M€)

– Educação Digital (Açores) (38 M€)

Empresas 4.0 (650 milhões de euros)

– Capacitação Digital das Empresas (150 M€)

– Transição Digital das Empresas (400 M€)

– Catalisação da Transição Digital das Empresas (100 M)

Qualidade e sustentabilidade das finanças públicas (406 milhões de euros)

– Sistemas de informação de Gestão Financeira Pública (163 M€)

– Modernização da infraestrutura do sistema de informação patrimonial da Autoridade Tributária

(43 M€)

– Transição digital da Segurança Social (200 M€)

Justiça económica e ambiente de negócios (267 milhões de euros)

– Justiça Económica e Ambiente de Negócios (267 M€)

Administração Pública – Digitalização, Interoperabilidade e Cibersegurança (812 milhões de euros)

– Reformular o atendimento dos serviços públicos, com a criação do Portal Digital Único nacional, o redesenho de serviços digitais mais utilizados e o desenvolvimento da capacidade de atendimento multicanal (198 M€)

– Serviços eletrónicos sustentáveis, baseados na interoperabilidade e utilização dos dados para um aumento de transparência e eficiência (102 M€)

– Reforço do quadro geral de Segurança cibernética na base da confiança para a adoção dos serviços eletrónicos (47M€)

– Infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas (83 M€)

– Capacitação da Administração Pública – formação de trabalhadores e gestão do futuro (98 M€)

– Transição Digital da Administração Pública da RAM (78 M€)

– Modernização e Digitalização da Administração Pública Regional (Açores) (25 M€)

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